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A Eficácia Prosprectiva e Retrospectiva do Início de Prova Material nas Aposentadorias por Idade Rural
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Por: Alan da Costa Macedo
Muitos operadores de direito ainda tem certa desconfiança da atividade uniformizadora da jurisprudência, sob a suspeita de que, em alguns casos, aqueles julgadores acabam legislando atipicamente, usurpando a competência do Poder legislativo.
Tal crítica não deixou passar a interpretação do art. 39, I, da Lei 8213/91.
Alega-se que o legislador foi claríssimo ao exigir a comprovação da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo e que qualquer interpretação ao contrário disso distorceria, inclusive, o aspecto semântico ditado pelo legislador ordinário.
Vejamos, então, o que diz o artigo citado, com o grifo nas partes que interessam ao presente texto argumentativo:
“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou “ ( grifamos)
Data vênia aos que pensam ao contrário, mas, salvo melhor juízo, a interpretação dada pelos Tribunais Superiores e Turmas de Uniformização não se deram na forma de legislação atípica, criando-se norma não ditada pelo legislador ordinário. A visão dos intérpretes foi sistemática e não restritiva.
A interpretação teleológica do termo exposto no referido texto legal (período imediatamente anterior ao requerimento do benefício) remete a ideia de que o legislador quis que a pessoa comprovasse, já por ocasião do requerimento administrativo -ou seja- com documentos que se referissem a período anterior ao requerimento administrativo- o trabalho rural nos 15 anos (180 meses) anteriores a data em que fez o referido pedido.
É que, em alguns casos, no decorrer do processo administrativo previdenciário, o segurado leva documentos probatórios para acabar de instruir o feito, referentes a período posterior a data de requerimento administrativo. Foi isso que o legislador quis dizer que não podia.
Tal conclusão se dá pelo fato de que, caso o legislador ordinário tivesse “desigualado” as condições restritivas do acesso a aposentadoria por idade urbana da aposentadoria por idade rural, sem um fator discrimem razoável para desigualação, teria incorrido em evidente vício de inconstitucionalidade por ofensa ao Art. 201, §1º, da CF, in verbis:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. “(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Como se pode observar do dispositivo constitucional acima mencionado, o Legislador Constituinte derivado só excetuou duas hipóteses para adoção de critérios diferenciados na concessão de aposentadoria, quais sejam: a) condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física; b) Quando se tratar de segurados portadores de deficiência.
Observe-se, portanto, que a exigência genérica que abarca tanto a aposentadoria por idade urbana quanto a aposentadoria por idade rural é a idade mínima e a carência contributiva, conforme a tabela do art. 48, caput, da Lei 8213/91, in verbis:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.”( grifamos)
Em relação a aposentadoria por idade urbana, o legislador ordinário não fez qualquer exigência probatória para que os 180 meses de carência fossem comprovados através do adimplemento das contribuições ( prova) em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. E qual seria o fator discrimem razoável para se exigir do trabalhador rural (que tem muito menos condições de produzir as provas) comprovação mais onerosa do que a do trabalhador urbano?
Foi justamente por esse motivo, que o intérprete, com a visão sistemática do art. 39, I, da Lei 8213/90 com a LICC(Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum) e com a Constituição Federal (art. 201,§1º da CF) alcunhou um termo chamado “ampliação da eficácia prospectiva e retrospectiva do início de prova material a partir de firme prova testemunhal”.
Tal tese interpretativa permite que o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo arguido as testemunhas e verificado que todas foram firmes (não contraditórias) nas suas respostas; ouvindo o depoimento pessoal do autor da ação; observando condições relacionadas às vestes, ao linguajar, à pele (muitas vezes maltratadas pelo sol), às mãos ( em muitos casos calejada, com calos novos e antigos) amplie a eficácia temporal prospectiva ( período para frente) ou retrospectiva (período para trás) do documento início de prova material.
Tanto a TNU quanto o STJ já paficicaram tal tese, na ótica de que o art. 39, I, da Lei 8213/91 deve ser interpretado no seguinte sentido: “período imediatamente anterior” não tem significado restritivo ou tarifário na produção e valoração da prova.
O Juiz deve ser livre para decidir conforme as provas trazidas pelas partes, sendo certo que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Codex processual, mas que sejam hábeis para provar e convencer sobre a verdade dos fatos em que se funda a ação.
Nesse sentido, tendo o trabalhador rural trazido documentos como início (ou indício) de prova material que se refiram a uma data que esteja longe daquela referente ao requerimento administrativo, a circunstancialidade observada por ocasião da audiência de instrução e o firme depoimento das testemunhas compromissadas hão de ampliar a sua eficácia temporal para provar o labor campesino durante o período de carência exigido pela lei.
Foi justamente nesse sentido, que o STJ, intérprete maior da lei federal, no rito dos recursos repetitivos pacificou o assunto:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Na mesma linha, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudências dos JEF’s- TNU, também pacificou a matéria:
“VOTO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. AVERBAÇÃO. SEGURADOESPECIAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELAPROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 14/TNU. INCIDENTE PARCIALMENTEPROVIDO. 1. Pretende o autor a modificação de acórdão que não reconheceu o seu direito à averbação do tempo de serviço rural supostamente exercido no período de 28/01/61 a 14/01/66 e 18/11/66 a 24/05/77 (com exceção do ano de 1968, que foi reconhecido na sentença), ao argumento de que o início de prova material não precisa corresponder a todo o período de carência, desde que corroborado por adequada prova testemunhal. Adentro o mérito recursal,já que presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso manejado,assinalando que a decisão do em. Presidente desta Turma Nacional admitiu apenas em parte o presente incidente, deixando de dele conhecer em relação ao alegado cerceamento de defesa. 2. Esta Turma Nacional já pacificou o entendimento, cristalizado no enunciado da Súmula nº 14, de que para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”, atribuindo-se à prova testemunhal a aptidão de estender a eficácia probatória desse início de prova material, seja de forma prospectiva, seja retrospectiva. 3. Por conseguinte, o documento datado de 1968, qual seja, ficha da Cooperativa Tritícola Santiaguense, relativo à comercialização de produtos agrícolas pelo autor, que foi considerado idôneo como início de prova material, pode ter a sua eficácia probatória estendida por adequada prova testemunhal,tanto para o período anterior quanto para o posterior àquele ano. 4. Confirmação de entendimento desta TNU veiculado no acórdão prolatado nos autos do Pedilef 2005.81.10.001065-3, de minha relatoria, ao qual se imprimiu a sistemática prevista no art. 7º do Regimento Interno, que determina a devolução às Turmas de origem dos feitos congêneres, para manutenção ou adaptação dos julgados conforme a orientação pacificada.5. Não tendo sido ainda colhida a indispensável prova testemunhal (o juízo de procedência do período deferido na sentença se baseou, exclusivamente, nos depoimentos realizados em justificação administrativa, perante o INSS), determino a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juizado de origem, para reabertura da instrução processual, para fins de realização da prova testemunhal e exame da sua adequação para ampliação da eficácia probatória do início de prova material. Este o limite à nova decisão a ser prolatada pelo condutor do processo, uma vez que a idoneidade do início de prova material e a possibilidade de seu aproveitamento para os períodos questionados está sendo reconhecida por esta Turma Nacional, não podendo,portanto, ser objeto de nova deliberação.6. Ressalto que relativamente ao período anterior a 14/01/66, deverá ser objeto de exame apenas o período entre 28/01/61 a 31/12/62, já que o julgado recorrido reconheceu como descaracterizado o trabalho rural entre1963 e 14/01/66, uma vez que, nessa época, o autor “já estudava na cidade e voltava apenas aos finais de semana”, segundo depoimento de uma das testemunhas ouvidas. Como não houve específica impugnação do julgado,nesse particular, aqui ele se mantém hígido.7. Incidente parcialmente provido. “ ( grifamos)
(TNU – PEDILEF: 137684620074047195 RS, Relator: JUIZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data de Publicação: DOU 23/03/2012)
Além da TNU e do STJ, o TRF1 também já adotou a tese bem recentemente, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. LIMITAÇÃO DO PERÍODO AVERBADO. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO INSS. (…) 5. O início de prova material consiste em cópia do certificado de alistamento militar em 1968, que informa a profissão de lavrador (f. 19), e declaração de exercício de atividade rural emitida em 2010 pelo sindicato de Maria da Fé – MG (f. 39/41). 6. As testemunhas Sebastião de Lélis Corrêa e João Mira, ouvidas em audiência dia 11/04/2012 (f. 117/119), afirmaram conhecer o autor desde criança e que ele trabalhava com seu pai na roça, plantando arroz, feijão e milho, desde os 10 anos de idade. Informam que o autor se mudou para Itajubá – MG em 1969, passando a trabalhar com o irmão na cidade. 7. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, nas causas de trabalhadores rurais, tem adotado critérios interpretativos favorecedores de uma jurisdição socialmente justa, admitindo mais amplamente documentação comprobatória da atividade desenvolvida. As certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e contratos de parceria agrícola são aceitos como início da prova material, nos casos em que a profissão rural estiver expressamente consignada. Admite a condição profissional de trabalhador rural de um dos cônjuges, constante de assentamento em Registro Civil, seja extensível ao outro, com vistas à comprovação de atividade rurícola.Orienta ainda no sentido de que, para a concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos(AR 4.094/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).(EREsp 1171565/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/03/2015) (…) 11. Mantida a sentença que reconheceu o direito do autor à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, a partir do requerimento apresentado em 13/09/2010 (f. 64), porém agora com 33 anos e 16 dias, mediante o cômputo do trabalho rural acima especificado, já excluídos os quatro meses de trabalho no ano de 1970 que deixaram de ser reconhecidos. 12. Parcial provimento da apelação do INSS para limitar a averbação do tempo rural do autor ao período de 22/08/1962 a 31/12/1969, mantendo a sentença em todos os demais termos. ( grifamos)
(AC 0056617-09.2013.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE JUIZ DE FORA, e-DJF1 de 31/10/2017)
CONCLUSÃO
Um dos principais primados do Direito Constitucional e do Direito processual é a “segurança jurídica”. A força dos precedentes, principalmente, aqueles oriundos da uniformização da jurisprudência são grandes exemplos da materialização daquele instituto.
Um bom caminho para redução da litigiosidade passa pela necessária reflexão de juízes de primeiro; juízes de turmas recursais dos JEF’s e de Juízes dos Tribunais Regionais Federais sobre a “ segurança jurídica” advinda dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores e pelas Turmas de Uniformização da Jurisprudência.
O advogado, quando colaborador da justiça, deve, nas ações previdenciárias, desde o começo, tentar formular sua inicial, cotejando os fatos e provas com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e TNU nas ações previdenciárias.
Instruindo bem o processo com as provas já definidas pela jurisprudência como hábeis a comprovação do exercício rural, trazendo objetivamente os fatos controvertidos a partir da criteriosa análise do processo administrativo previdenciário, o juiz deve , salvo melhor juízo, se afastar de convicções ideológicas próprias e aplicar a jurisprudência já pacificada.
Não defendemos aqui o total “ engessamento” do Direito. Fenômenos como “distinguish” e “ overruling” são bem vindos, em alguns casos, de tempos em tempos.
Tais institutos, entretanto, necessitam de boas argumentações para mudanças de paradigmas.
Não se pode mudar a jurisprudência firmada e pacificada a partir de meras conjecturas e suposições. É necessário que a “nova visão” a ser materializada nos julgamentos advenha de argumentos eloquentes e que convençam inclusive aqueles que tinham o pensamento anterior.