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A Mediação como Alicerce da Advocacia Humanizada: Reduzindo Conflitos e Preservando Vínculos no Direito de Família
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Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo- Advogada e Presidente do IPEDIS
Em um cenário jurídico onde o litígio ainda é frequentemente visto como o caminho principal para a resolução de disputas, a mediação surge como um farol de esperança e transformação, especialmente no delicado campo do Direito de Família. As discussões travadas em um recente podcast do IPEDIS, com a participação dos advogados Gabriel Figueiredo ( Presidente da Comissão de Direito Civil do IPEDIS) , Helenice Lopes (Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do IPEDIS, Jocemar Santos ( Vice Presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do IPEDIS) e Marselha Evangelista ( Mediadora de Conflitos certificada pelo TJMG e membro da Comissão de Direito de Família da OAB-JF), trouxeram à tona a necessidade premente de uma advocacia mais humanizada, que priorize o diálogo e a construção de soluções sustentáveis em detrimento da batalha judicial. Este resumo crítico traz os principais pontos abordados, demonstrando como a mediação não é apenas uma ferramenta alternativa, mas um pilar fundamental para a preservação dos vínculos e a efetiva pacificação social.
O Dilema da Judicialização: Uma Mentalidade a Ser Superada
Um dos maiores entraves para a popularização da mediação é a mentalidade arraigada de que optar por ela significa uma “perda de honorários” para o advogado. Conforme debatido no podcast, essa visão é míope e prejudicial não apenas para o cliente, mas para a própria advocacia. A judicialização excessiva, marcada por processos longos e custosos, muitas vezes agrava os conflitos em vez de resolvê-los.
A advocacia humanizada propõe uma mudança de paradigma: o advogado deixa de ser um mero proponente de ações judiciais para se tornar um gestor de conflitos. A mediação, nesse contexto, não representa uma perda, mas uma reconfiguração da atuação profissional. Como destacado, ao conduzir uma família a um acordo bem-sucedido, o advogado “perde o divórcio, mas ganha a confiança de uma família”. Essa confiança se traduz em um relacionamento de longo prazo, abrindo portas para outras demandas consultivas, como a elaboração de testamentos, diretivas antecipadas de vontade e planejamentos sucessórios, consolidando o profissional como um verdadeiro advogado da família.
O Protagonismo das Partes: Construindo o Próprio Futuro
O sistema judiciário, por sua natureza, impõe uma solução decidida por um terceiro, o juiz, que, apesar de seu conhecimento técnico, não vivencia a realidade daquela família. O resultado é, muitas vezes, uma “sentença padronizada” que não atende às necessidades e particularidades dos envolvidos. Como sabiamente colocado, “o Direito julga o Direito, mas não necessariamente o julgamento daquele Direito significa o atendimento da minha vontade ou da vontade do outro”.
A mediação, por outro lado, devolve o protagonismo às partes. Em um ambiente seguro, confidencial e colaborativo, os envolvidos são incentivados a dialogar e a construir, em conjunto, soluções que sejam mutuamente satisfatórias e, acima de tudo, sustentáveis a longo prazo. Não há a lógica do “vencedor e perdedor”, mas sim a busca por um consenso que preserve as relações, um aspecto crucial quando há filhos e um vínculo parental que perdurará para sempre.
A Mediação como Escudo para os Vulneráveis
A eficácia da mediação se torna ainda mais evidente ao lidar com questões que envolvem os membros mais vulneráveis da família.
Nos processos de divórcio, a disputa pela guarda dos filhos é um dos pontos mais sensíveis. A confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada é comum e perigosa. A guarda alternada, onde a criança fica períodos extensos em cada casa, pode levar ao fenômeno da “criança mochila”, que não tem um lar de referência fixo, gerando instabilidade e prejuízos ao seu desenvolvimento. O judiciário, por receio de decidir fora do padrão, muitas vezes barra acordos que, embora pareçam alternados, seriam os mais benéficos para a realidade específica daquela família, como o caso dos pais enfermeiros com escalas complementares, citado no debate.
A mediação, através da Coordenação Parental, atua como um treinamento para que o casal aprenda a separar o conflito conjugal da responsabilidade parental. O foco se desloca da disputa para o melhor interesse do menor, permitindo a construção de um plano de convivência detalhado e flexível, que respeite a rotina e as necessidades da criança.
Com o aumento da expectativa de vida, novas questões familiares emergem. A pessoa idosa, muitas vezes lúcida e ativa, deseja planejar seu futuro e garantir que sua vontade seja respeitada. A mediação oferece um espaço seguro e acolhedor para discutir temas delicados como as Diretivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital).
Nesse ambiente, a pessoa idosa pode, com o auxílio de um mediador, dialogar com seus familiares sobre quem será seu representante para tomadas de decisão em caso de incapacidade, quais tratamentos de saúde deseja ou não receber, e como seu patrimônio deve ser administrado. Essa conversa, quando mediada, evita futuros conflitos judiciais, protege o idoso de possíveis abusos e, fundamentalmente, assegura o respeito à sua dignidade e autonomia.
O Advogado como Condutor: A Arte de Apontar a Porta Certa
O papel do advogado na era da mediação é o de um condutor. Ele não é o protagonista que determina o resultado, mas o guia que, com sensibilidade e técnica, orienta seu cliente para a porta mais adequada: a mediação, a conciliação ou, em último caso, o judiciário.
Isso exige a compreensão de que o fim de um relacionamento é um processo de luto. Como brilhantemente ilustrado no podcast, ninguém prepara uma festa de casamento em um dia; da mesma forma, um divórcio não deve ser tratado com imediatismo. É preciso respeitar o “tempo de digestão” do conflito. O advogado, atuando como mediador ou em parceria com um, cria um ambiente seguro para que as partes possam negociar sem o receio de que suas palavras sejam usadas contra si, já que o processo é protegido pela confidencialidade. Ele tem mais controle sobre o procedimento e o resultado, podendo escolher o mediador com o perfil mais adequado e construir o acordo em conjunto com o cliente, fortalecendo a relação de confiança mútua.
A mediação, portanto, não é uma ameaça, mas uma poderosa aliada. Ela representa a evolução da advocacia, que se torna mais estratégica, mais humana e, consequentemente, mais eficaz na sua missão de promover a justiça e a paz social.
Este resumo crítico foi inspirado na discussão do podcast “A Relevância da Mediação na redução de conflitos familiares”, do IPEDIS. Você pode assistir ao conteúdo completo aqui.
