Artigos

INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 7º E § 2º DO ART. 22 DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA PROCLAMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

J.E. Carreira Alvim, Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; professor-adjunto de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


RESUMO: Há várias décadas, escrevi um artigo doutrinário sobre o tema “Elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica”, em que sustentei que a lei ordinária não tinha força constitucional para impor restrições ao juiz na concessão de liminares em qualquer setor do direito, fosse no mandado de segurança, fosse nas tutelas de urgência, ou em qualquer outra ação (civil pública, popular etc.), pelo que, se o fizesse, tais vedações seriam “inconstitucionais”. Apesar da força dos argumentos por mim utilizados na defesa dessa tese, mostrava-me incrédulo quanto ao seu acolhimento pelos juízos e tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, que sempre se mostrou conservador nessa área, em face da jurisprudência que nele se formou, com apoio na exegese apoiada pela doutrina tradicional, capitaneada pelos antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.). Essa doutrina sustentava que podia, sim, a lei ordinária impor restrições na concessão de medidas liminares, porquanto a parte (impetrante) continuava titular do direito de ação, que era a garantia outorgada pela Constituição. Nessas lições, sempre sustentei que, quando a Constituição concedia ao titular o direito de ação, compreendia “a ação com todos os seus elementos constitutivos”, inclusive a garantia da medida liminar. Nas presentes considerações, trago de novo à baila as limitações inconstitucionalmente impostas pela Lei 12.016/2009 (disciplinadora do mandado de segurança), especialmente a proibição de liminar na compensação de créditos tributários, na entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior e na reclassificação ou equiparação de servidores e aumento ou extensão de vantagens, bem assim na concessão de liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. Com rara felicidade, vivi para ver o STF declarar, ainda que por maioria, a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2021, o que supus que dificilmente aconteceria, mas felizmente aconteceu no julgamento da ADI 4296/DF.

 RESUMEN: Hace varias décadas, escribí un artículo doctrinal sobre el tema “Elementos connaturales (o componentes esenciales) del sistema de tutela legal”, en el que sostenía que el derecho común no tenía fuerza constitucional para imponer restricciones al juez en el otorgamiento de medidas cautelares. en cualquier sector de la ley, ya sea en el mandato de mandamus, o en el socorro de emergencia, o en cualquier otra acción (civil, pública, popular, etc.), por lo que, si lo hiciera, tales prohibiciones serían “inconstitucionales”. A pesar de la solidez de los argumentos que utilicé en la defensa de esta tesis, me mostró incrédulo su aceptación por parte de los juzgados y tribunales, especialmente por parte de la Corte Suprema, que siempre ha sido conservadora en este ámbito, a la vista de la jurisprudencia que se formó en ella. , sustentada en una exégesis sustentada en la doctrina tradicional, liderada por ex procesalistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa, etc.). Esta doctrina sostenía que el derecho común sí podía imponer restricciones al otorgamiento de las medidas cautelares, ya que la parte (demandante) seguía ostentando el derecho de acción, que era la garantía que otorgaba la Constitución. En estas lecciones, siempre he sostenido que, cuando la Constitución otorgó al titular el derecho de acción, incluyó “la acción con todos sus elementos constitutivos”, incluida la garantía de la medida cautelar. En estas consideraciones, vuelvo a plantear las limitaciones inconstitucionales impuestas por la Ley 12.016/2009 (disciplinaria del mandamiento judicial), en especial la prohibición de una medida cautelar sobre la compensación de créditos fiscales, sobre la entrega de bienes y mercancías del exterior y sobre la reclasificación o equiparación de servidores públicos y aumento o ampliación de ventajas, así como el otorgamiento de una medida cautelar sujeta a la manifestación previa de la persona jurídica pública. Con rara alegría, viví para ver al STF declarar, aunque por mayoría, la inconstitucionalidad del § 2 del art. 7 y § 2 del art. 22 de la Ley 12.016/2021, que asumí difícilmente sucedería, pero afortunadamente sucedió en la sentencia de ADI 4296 / DF.

PALAVRAS CHAVE: Medidas liminares – Proibição de concessão – Lei 12.016/2009 –    Compensação de créditos tributários – Entrega de mercadorias e bens vindos do exterior – Reclassificação ou equiparação e aumento ou extensão de vantagens – Posição dos antigos processualistas – Elemento conatural do sistema de tutela jurídica – Componente essencial do sistema de tutela jurídica – Medidas de contracautela – Manifestação prévia da pessoa jurídica pública – Inconstitucionalidade – Arts. 7º, § 2º e 22, § 2º da Lei 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Supremo Tribunal Federal. Superior Tribunal de Justiça – Súmulas 212 e 213.

PALABRAS CLAVES: Medidas preliminares – Prohibición de concesión – Ley 12.016/2009 – Compensación de créditos fiscales – Entrega de bienes y bienes desde el exterior – Reclasificación o igualación y aumento o extensión de ventajas – Posición de ex procesalistas – Elemento connatural del sistema de tutela legal – Componente esencial del sistema de protección legal – Medidas contra cautelares – Manifestación previa de la persona jurídica pública – Inconstitucionalidad – Arts. 7, § 2 y 22, § 2 de la Ley 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Tribunal Supremo Federal – Tribunal Superior de Justicia – Antecedentes 312 y 313 – Medida preliminar sobre leyes extravagantes.

Sumário: 1. Introdução. 2. Proibição de concessão de medidas liminares.  3. Reflexos da decisão do STF na ADI 4296-DF na legislação infraconstitucional. 3.1. Vedação de concessão de liminares em tutelas de urgência por leis extravagantes. 3.2 Compensação de créditos tributários. 3.3 Entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior. 3.4 Reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. 4. Execução (rectius, cumprimento) da sentença mandamental. 5. Equívoco dos antigos processualistas no tocante às restrições à concessão de medidas liminares. 6. Restrições de liminares e o elemento conatural do sistema de tutela jurídica. 7. Fundamentos metajurídicos dos elementos conaturais do sistema de tutela jurídica. 8. Contracautela na concessão de medidas liminares. 9. Liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. 10. Novo posicionamento do STF sobre o tema. 11. Conclusão.

  1. INTRODUÇÃO

Nestas considerações, exponho as coincidências das minhas lições, sobre a inconstitucionalidade da proibição de concessão de medidas jurisdicionais, por lei ordinária, porque, desde a vigência da vetusta Lei 8.437, de 30 de junho de 1992, que vedava “a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público”, sustentei, não solitariamente –, Teresa Arruda Alvim[1] também pensa assim, e, no passado também Hely Lopes Meirelles –, que, diante do art. 5º, LXIX da Constituição, eram inconstitucionais quaisquer preceitos legais que impusessem restrição na concessão de medidas liminares, qualquer que fosse o objeto da ação, comum ou mandamental, principal ou incidental, e vi, enfim, décadas mais tarde, essa exegese coincidir com a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.296-DF,  declarando a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e § 2º do art. 22 da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009 –, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo (LMS) –, estando essas ideias expostas nas minhas obras doutrinárias, especialmente nos Comentários ao Novo Código de Processo Civil e nos Comentários à Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), editados pela Juruá.

  1. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

 Estabelece o § 2º do art. 7º da Lei 2.016/2009, que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo, que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”.

Esta norma incorpora preceitos constantes da legislação extravagante, que se aplicava ao antigo mandado de segurança, ainda ao tempo da Lei 1.533/51, preceitos esses que impuseram restrições à concessão de medida liminar em determinadas hipóteses, tendo todas essas leis, ou apenas alguns de seus artigos, sido expressamente revogados pela Lei 12.016/09[2], à exceção de uma, que, por cochilo do legislador,  deixou de ser revogada, que é a Lei 2.770/56, que “suprime a concessão de medidas liminares nas ações e procedimentos judiciais de qualquer natureza que visem a liberação de bens, mercadorias ou coisas de procedência estrangeira”; mas cuja revogação tácita resultou da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ao declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança.

A proibição de concessão de medida liminar nas ações que tenham por objeto a compensação de créditos tributários vinha expressa no § 5º do art. 1º da Lei 8.437/92 –, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/01 –, consagrando, em nível de direito positivado, o entendimento firmado na Súmula 212 do STJ, segundo o qual: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.

Essa era a posição de antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) que endossavam, equivocadamente, as restrições impostas por leis ordinárias na concessão de medidas liminares.

Com a transformação da Súmula 212 do STJ em direito positivado –, dizia eu naquela época –, tudo ficava mais difícil, para não dizer impossível, a uma, porque modificar (revogar) uma lei é muito mais complexo do que revisar uma súmula, pois depende da atividade de outro Poder (o Legislativo), ou, eventualmente, de vir a norma a ser declarada inconstitucional pelo STF. Como não acontecerá nem uma nem outra coisa –, assim pensava eu naquela época –, a partir do disposto no § 2º do art. 7º da LMS, cessa tudo quanto a musa canta: se algum contribuinte for também credor da Fazenda Pública, deverá continuar pagando seus tributos, até que venha a ser proferida a sentença de mérito, e possa proceder à compensação, se ela lhe for favorável. Como, na Justiça, mesmo na via mandamental, o impetrante sabe o dia em entra, mas nunca o dia em que sai, dificilmente conseguirá fazer uma compensação de créditos tributários, mesmo que a sentença seja a seu favor, a não ser após o trânsito em julgado, porque a Fazenda Pública se valerá do privilégio de pedir (e obter) a sua suspensão ao presidente do tribunal (art. 15, caput)[3].

  1. REFLEXOS DA DECISÃO DO STF NA ADI 4296-DF NA LEGISLAÇÃO

     INFRACONSTITUCIONAL

 

A partir da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ficou completamente esvaziado, por perda de objeto, o art. 15 e §§ 1º a 5º da LMS, que era o bunker do poder público, na sua oposição à concessão das medidas liminares no mandado de segurança e em outros procedimentos (como nas tutela de urgência).

Nos termos do art. 15, caput da LMS, “quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (art. 15, caput). “Se indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário” (art. 15, § 1º). “É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo” (art. 15, § 2º). “A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo” (art. 15, § 3º). “O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida” (art. 15, § 4º). “As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original” (art. 15, § 5º). 

Todas esses “puxadinhos” legais, com repercussão nos regimentos internos dos tribunais, que davam suporte aos pedidos de suspensão de segurança e de tutela de urgência pelo poder público perderam, definitivamente, seu suporte legal e constitucional, o qual não pode mais se valer desses “expedientes”, que sempre estiveram num extremo e injustificável descompasso com os princípios da isonomia (CF: art. 5º, caput) e da inafastabilidade da jurisdição (CF: art. 5º, XXXV).

O fato de haver o STF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009 não significa que tenha a parte, numa ação de tutela de urgência (cautelar ou antecipada), ou o impetrante, numa ação mandamental, o direito de obter a tutela liminar para o seu alegado direito, em qualquer circunstância, estando a sua concessão a depender dos fundamentos invocados no caso concreto

3.1 VEDAÇÃO DE CONCESSÃO DE LIMINARES EM TUTELAS DE

      URGÊNCIA POR LEIS EXTRAVAGANTES

 

A decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, relativamente ao § 2º do art. 7º da LMS, declarado inconstitucional, alcança, por tabela, o disposto no seu § 5º, segundo o qual as vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273[4] e 461[5] da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 [CPC/1973], que correspondem aos arts 300, caput[6] e 497, caput[7] da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 [CPC/2015], devendo essas correspondências ser observadas na aplicação da Lei mandamental e da nova exegese sobre o tema adotada pela Suprema Corte.

A nova orientação firmada na ADI 4296-DF, alcança, igualmente por tabela, o disposto no art. 1º da Lei 9.494/1997, que manda, também, aplicar à tutela antecipada prevista nos arts. 273 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.

Desses diplomas legais, as Leis 4.348/1964 e 5.021/1966 foram expressamente revogadas pela Lei 12.016/2009 –, que disciplina o mandado de segurança –, restando em vigor apenas a Lei 8.437/1992, que, no seu art. 1º, dispõe que “não será cabível medida liminar contra atos do poder público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautela ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”; e, no seu art. 4º, caput, dispõe que “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Todas essas disposições legais pertencem, hoje, ao museu da exegese, por estarem todas implicitamente revogadas pela nova orientação firmada pelo STF na ADI 496-DF.

3.2  COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

 

Em face da decisão do STF na ADI 4296-DF, se a pretensão da parte for a “compensação de créditos tributários”, a Fazenda Pública (Fisco) poderá invocar, como defesa processual, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou da liminar mandamental, e, como defesa de direito material, o disposto no art. 170-A da Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) –, que não foi declarado inconstitucional –, segundo o qual: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Com base nesse preceito, poderá o poder público se opor à compensação, mas, não mais com base no § 2º do art. 7º da LMS, mas com suporte no retrocitado artigo do CTN.

Embora este preceito seja obstáculo à “compensação” do crédito tributário, não impede a concessão de liminar para “suspender” a sua exigibilidade, ou mesmo a “compensação”, mediante a prestação de garantia, nos termos do inc. III, parte final, do art. 7º da LMS[8].

Caso o direito à recuperação do crédito tributário tenha sido reconhecida judicialmente por decisão transitada em julgado, e houver obstáculo da Fazenda Pública (Fisco) à compensação judicial, nada impede que lhe seja deferida a “compensação” por decisão liminar, fazendo prevalecer a decisão do STF na ADI 4296-DF sobre o disposto no art. 170-A do CTN.

Com a decisão proferida na ADI 4296-DF, ficou superada a Súmula 212 do STJ, dispondo que a compensação de crédito tributário não poderia ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória, pelo que ela deverá ser “cancelada” pelo Superior Tribunal de Justiça.

Se a pretensão à compensação do tributo ocorrer em sede de tutela provisória (antecipada ou cautelar), a sua contestação advirá apenas num momento posterior à eventual concessão da medida liminar, pelo que, se tal ocorrer, a alternativa possível à Fazenda Pública (Fisco) é a interposição de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I), invocando o disposto no art. 170-A do CTN, para obter, eventualmente, no tribunal a suspensão da eficácia da medida liminar, até o trânsito em julgado da decisão de mérito.

Também não será impossível a “compensação” em sede de tutela da evidência, mormente a prevista no inc. II do art. 311 do CPC e parágrafo único[9], desde que, em vez de postular, desde logo, a extinção do crédito tributário, na forma do art. 156, II[10] do CTN, o demandante pleitear a declaração do seu direito de proceder à compensação, e, concomitantemente, a concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade desse crédito, com base no art. 151, IV e V[11] do CTN.

Se a compensação do crédito tributário for postulado judicialmente, por ter sido negada em sede administrativa, também não impedirá a concessão da liminar, porquanto, nos termos do art. 170-A do CTN, somente é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Nesta hipótese, se for concedida a medida liminar, o Fazenda Pública (Fisco) terá, igualmente, a chance de modifica-la em sede de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I).

Em se tratando de ação de repetição de indébito, tem cabimento, também, a tutela da evidência, com a concessão da medida liminar, desde que o autor da demanda pleiteie, em vez do pedido de restituição do indébito, a declaração de que essa restituição é devida, por analogia com o disposto na Súmula 213 do STJ – “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária” –, para futura compensação do crédito tributário.

3.3 ENTREGA DE MERCADORIAS E BENS PROVENIENTES DO

      EXTERIOR

 

Após a decisão do STF na ADI 4296-DF, caso a pretensão da parte seja a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a defesa de natureza processual pela Fazenda Pública (Alfândega) será, também, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou liminar mandamental, bem assim, a exigência de prestação, pelo impetrante, de garantia (caução, fiança ou depósito), determinada pelo juiz, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, nos termos do art. 7º, III, parte final da Lei mandamental.

Há quem (Ubirajara Casado),[12] no entanto, invoque como fundamento de defesa material, nessa hipótese, o disposto no § 3º do art. 1º da Lei 8.437/1992 – “Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” –, mas essa Lei restou tacitamente revogada, pela decisão do STF na ADI 4296/DF, na medida em que o seu art. 1º, caput, determinava que não seria cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não pudesse ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal; pelo que, tendo essa restrição perdido eficácia no mandamus, com a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei mandamental–, que vedava a concessão de medida liminar, tendo por objeto “a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior” –, perdeu eficácia, igualmente, a expressão “toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”, constante do art. 1º, caput da Lei 8.437/1992.

Como essa entrega de mercadorias e bens importa na sua retirada da Alfândega e sua entrega ao importador, não será possível a sua recuperação na hipótese de vir a ação cautelar ou mandamental a ser julgada improcedente, se não houver a prestação de garantia (caução, fiança ou depósito) pelo interessado. Aliás, essa restrição na concessão de liminar na importação de bens do exterior resultou de fatos concretos, numa época em que muitos importavam veículos “cadillacs”, e os liberavam na Alfândega por força de medida liminar em mandados de segurança, os quais, uma vez liberados, eram vendidos a terceiros, tomando destinos ignorados, e tornando impossível sua localização, quando a segurança era denegada.

3.4 RECLASSIFICAÇÃO OU EQUIPARAÇÃO DE SERVIDORES

      PÚBLICOS OU CONCESSÃO DE AUMENTO OU EXTENSÃO DE

      VANTAGENS OU PAGAMENTO DE QUALQUER NATUREZA

 

Por força da decisão do STF na ADI 4296-DF, na hipótese de ser a pretensão baseada na reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou na concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, a defesa de natureza processual será, também, a falta de requisitos para a concessão da antecipação da tutela ou da liminar mandamental, porque, em se tratando de medida liminar, não entra em cena o precatório, conforme precedente do STJ no REsp 834.678/PR, apontando haver incompatibilidade na submissão das tutelas antecipadas ao sistema de precatórios, visto que estas não podem ser postergadas em face da “efetividade, auto-executoriedade e mandamentalidade ínsita aos provimentos de urgência”.

No entanto, em sede doutrinária, há quem entenda (Ubirajara Casado) que a e a defesa de direito material alcançará “valores que importarem em pagamento por meio de precatório” –, salvo as requisições de pequeno valor (CF: art. 100, § 3º) –, por exigir o sistema constitucional o trânsito em julgado da sentença (CF: art. 100, § 5º);[13] salvo o pagamento relativo a parcela incontrovérsia, que independe do trânsito em julgado (RE 1205530/SP, com repercussão geral).

Nos demais casos, não existe fundamento de direito material para obstaculizar, sequer temporariamente, a eficácia da medida liminar (cautelar ou mandamental), pelo que, se o servidor beneficiado pela liminar perder a demanda, a alternativa possível para a Administração reaver o que pagou, procedendo ao desconto em folha de pagamento. Não seria contrário ao poder geral de cautela do juiz, nesses casos, alertar o beneficiário da liminar, mesmo de ofício, de que, se a sentença não confirmá-la, a Administração pública poderá se valer do desconto em folha para se ressarcir do prejuízo.

  1. EXECUÇÃO (CUMPRIMENTO) PROVISÓRIA DA

   SENTENÇA MANDAMENTAL

 

Registro, por oportuno, que ao permitir o § 3º do art. 14 da Lei mandamental a execução provisória da sentença concessiva do mandado de segurança, restou igualmente esvaziada, por perda de objeto, a expressão da sua parte final “salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar”, por haver a ADI 4296-DF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º dessa mesma Lei.

  1. EQUÍVOCO DOS ANTIGOS PROCESSUALISTAS NO TOCANTE ÀS

    RESTRIÇÕES À CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

As restrições à concessão de liminares, como as contempladas em leis extravagantes[14] e na Lei 2016/2009, disciplinadora do Mandado de Segurança, sem dúvida, eram inconstitucionais, e assim pensava, também, o administrativista Hely Lopes Meirelles[15], para quem a inconstitucionalidade resultava do fato de desigualar os impetrantes no mandado de segurança, em detrimento do servidor público, quando a Constituição não faz essa distinção ao instituir o mandamus; em outros termos, havia afrontosa ofensa ao princípio constitucional da “isonomia”. Entre os processualistas da nova geração, esse era também o pensamento de Teresa Arruda Alvim[16].

Quem faz a defesa da constitucionalidade das restrições impostas à concessão de liminares contra a Fazenda Pública –, como faziam os clássicos do direito processual civil (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) –, argumentava que elas não atingiam o direito de ação mesmo, de fundo constitucional, vez que não impediam o seu exercício (pela via comum, cautelar ou mandamental), vedando apenas a concessão de liminar.

Esse pensamento era, sem dúvida, um equívoco exegético, que, até então, não fora percebido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo assim mantido, inclusive pelo STJ e pelo STF, ao longo de mais de seis décadas.

  1. RESTRIÇÕES DE LIMINARES E O ELEMENTO CONATURAL DO

    SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

Em princípio, pode até parecer que a restrição apenas de concessão de liminares mandamentais (ou antecipatórias) não seriam inconstitucionais, como defendiam dos antigos processualistas, o que poderia ser defensável, nos casos em que a liminar não fosse  necessária à preservação do direito subjetivo material, feito valer através da ação, pois, se o fosse, haveria ofensa a um “elemento conatural (ou componente essencial) do sistema de tutela jurídica”, consistente na medida liminar, pois vedar prima facie essa possibilidade, ou impor restrições à concessão da liminar, fazendo-a depender de caução, de forma que a ação se revele inadequada à defesa do direito, na forma prevista pela Constituição, constitui uma ofensa ao direito subjetivo à jurisdição e ao devido processo legal, de fundo constitucional.

Na Itália, a Corte constitucional enfrentou esse problema, considerando ilegítima, no âmbito das tutelas de urgência, por violação a preceito constitucional, determinadas normas de leis limitativas do poder do juiz de suspender por meio de cautelar a execução de provimentos declaratórios de utilidade pública, quando constatado erro grave e evidente na individualização dos imóveis ou na [determinação] das pessoas dos proprietários. Afirmou a Corte, na ocasião, que, sendo o poder de suspender a execução do ato administrativo um elemento conatural ao sistema de tutela jurisdicional, no controle dos atos da Administração pública, deve ser exercido com a avaliação, caso por caso, dos graves e irreparáveis danos que possam resultar na execução do ato, pelo que a exclusão do próprio poder de fazê-lo ou a limitação do seu exercício, relativamente a determinada categoria de atos administrativos ou ao tipo de vício denunciado, contrasta com o princípio da igualdade, quando não ocorra uma razoável justificação dessa diversidade de tratamento[17].

Na doutrina, Pace aplaudiu a decisão da Corte, entendendo que, em sede cautelar, na avaliação dos interesses em conflito, quanto à irreparabilidade dos danos, não devia prevalecer, sempre, o interesse público sobre o particular do recorrente, tendo, também, Proto Pisani[18] admitindo a suspensão (do ato administrativo), como elemento conatural da tutela jurisdicional, tanto na presença de lesão a um direito fundamental da personalidade, não suscetível de reparação pelo equivalente, quanto a um direito patrimonial a que se contraponha outro de igual hierarquia constitucional, havendo um altíssimo grau de probabilidade de que a lesão venha a ser considerada ilegítima na decisão final.

  1. FUNDAMENTOS METAJURÍDICOS DOS ELEMENTOS CONATURAIS DO

     SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

 

Para entender melhor o que são esses elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica, costumo me valer de fundamentos metajurídicos[19], comparando a ação processual (de fundo constitucional), destinada a matar a sede de justiça, com a água potável, elemento natural que mata a sede do sedento, “tanto quanto a medida liminar (como elemento natural), preserva íntegro o direito da parte”.

Quando uma pessoa física tem sede, é preciso que lhe seja dada água potável (H2O) para matar a sua sede, e exatamente a água, ou seja, todos os elementos da água (2 parcelas de hidrogênio e 1 de oxigênio), da mesma forma que, se alguém precisa da ação (direito de ação) para preservação do seu direito (material), é preciso dar-lhe a ação, também com todos os seus elementos, inclusive a medida liminar, pois, de outro modo, não cumpre a ação o objetivo constitucional. Reconhecer ao jurisdicionado o direito de ação, mas desprovido da possibilidade de obter a liminar, quando necessária, é o mesmo que pretender dar a quem tem sede, a “água potável”, desprovida de um de seus componentes essenciais (dar, por exemplo, apenas H1O), porque não se estará dando a água; na verdade, não estará dando nada. Também não seria possível dar mais (H2O2), porque estaria dando “água oxigenada”, que, se ingerida, intoxicaria (ou até mataria) o sedento.

Esta é uma realidade tão gritante do ponto de vista lógico-dogmático, que é difícil entender como possa o legislador pretender limitar a atividade jurisdicional, quando esteja em jogo a lesão a um direito subjetivo, porquanto tais restrições não encontram respaldo na Constituição, pelo que não se trata de simples ilegalidade, mas de verdadeira e própria inconstitucionalidade[20].

Fico pensando se, num caso concreto, algum juiz seria insensível a ponto de negar uma liminar para internação de um paciente na UTI[21] por conta do SUS[22], em havendo urgência, porque alguma lei, como tantas neste País, lhe imponha não outorgar liminar contra o poder público, ou outorgá-la apenas depois de ouvir o ente público interessado.

Também para Teresa Arruda Alvim[23], “todas as leis restritivas à concessão de liminares são inconstitucionais”, e, no que tange ao mandado de segurança, as liminares lhe são conaturais. No entanto, para que se evitem abusos e para não se correr o risco de a liminar ser efetivamente satisfativa (não no sentido jurídico, mas no plano empírico), diante da irreversibilidade fática da situação, a prestação de caução, quando de liminar em cautelar se tratar;[24] garantia esta expressamente contemplada pelo inciso III do art. 7º da LMS, facultando ao juiz exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

  1. CONTRACAUTELA NA CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

Ao facultar o inc. III do art. 7º da LMS, que possa o juiz exigir garantia do impetrante (caução, fiança ou depósito), com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, essa garantia alcança apenas a compensação de créditos tributários e a liberação de mercadorias provenientes do exterior, mas não a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, concessão de aumento ou extensão de vantagens e pagamento de qualquer natureza, por ser com ela incompatível.

  1. LIMINAR CONDICIONADA À MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DA PESSOA

     JURÍDICA PÚBLICA

Nos termos do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, no mandado de segurança coletivo, “a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

Regra semelhante compõe, também, o art. 2º da Lei 8.437/1992 –, não revogada, e, portanto, ainda em vigor –, que, “no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas”. Esta norma foi, também por tabela, implicitamente revogada pela decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF.

Normas legais desse jaez têm o indisfarçável propósito de beneficiar o poder público, embora o faça em linguagem afirmativa –, a liminar só poderá ser concedida (LMS: art. 2º) ou a liminar será concedida, quando cabível (Lei 8.437/1992: art. 2º) –, pois, na verdade, veda a concessão de medida liminar inaudita altera parte,[25] ou seja, sem, antes, ouvir o representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

No mandado de segurança, seja individual ou coletivo, manda o inc. II do art. 7º da LMS que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada – seja pública, ou privada no exercício de atribuições públicas –, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.

O § 2º do art. 22 da LMS, em vez de pessoa jurídica interessada, fala em pessoa jurídica de direito público, que não inclui as pessoas jurídicas privadas no exercício de atribuições do poder público, devendo a interpretação ser feita de forma restrita, porque o legislador não desconhecia a diversa natureza jurídica dessas pessoas, e, no entanto, aludiu apenas àquelas de direito público: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações públicas.[26]

Não é preciso ser adivinho para concluir que, ao ser a pessoa jurídica ouvida a respeito da liminar, será, sempre, contra a concessão, porque a sua função, no mandado de segurança, na qualidade de parte passiva, é a de fazer a defesa do ato coator, e ninguém –, além do legislador –, suporia que viesse ela a manifestar-se a favor da liminar, para, mais tarde, na defesa do ato coator, sustentar a legalidade deste e a falta de suporte para a liminar.

Para agilizar o mandamus, é aconselhável que o juiz, ao determinar a manifestação da pessoa jurídica de direito público, para os fins do § 2º do art. 22 da LMS, cuide, nessa oportunidade, de lhe dar ciência da impetração, mediante remessa de cópia da petição inicial, sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito (art. 7º, II); porque, assim, a pessoa jurídica já estará de posse da inicial, que contém as alegações do impetrante, para fazer aquilo que se sabe, de antemão, irá fazer, que é  se pôr contra a concessão da liminar.

O legislador, muitas vezes, estabelece o prazo em horas, para dar a impressão de que está agilizando o processo, mas a fixação de prazo em horas só é recomendável quando se trata de intimação (ou notificação) por mandado, através de oficial de justiça, pois, sendo por ofício, pelo correio, como é no mandado de segurança –, e, agora, também por meio eletrônico, por força de alteração do art. 246 do CPC, pela Lei 14.195/2021, aplicável subsidiariamente –, é difícil, saber o exato momento em que o prazo começou a correr, porque os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto (Cód. Civil: art. 132, § 4º). Na citação pelo correio, por exemplo, se o carteiro não anotar, como não anota, no aviso de recebimento (AR), o dia, hora e minuto em que a correspondência (contendo a intimação) foi entregue, será tecnicamente impossível aferi-lo na forma prevista no § 2º do art. 22 da Lei do Mandado de Segurança.

Nesse caso, duas soluções são possíveis: a) ou o juiz manda que se faça a notificação (rectius, intimação) por mandado, pelo oficial de justiça, com a determinação de que se anote o momento exato do recebimento (dia, hora e minuto), e, assim, o termo inicial do prazo de 72 horas, para a pessoa jurídica pública se manifestar; b) ou o juiz manda que seja intimada por ofício, com a entrega pelo correio ou por meio eletrônico, mas, nesse caso, as 72 horas devem soar como 3 (três) dias, excluindo-se, na contagem, o dia do começo e incluindo-se o do vencimento (CPC: art. 224, caput, subsidiariamente aplicável).[27]

O prazo de 72 horas é um prazo meramente recomendatório, pois, mesmo que a manifestação da pessoa jurídica pública seja extemporânea, deve o juiz considerá-la, para formar a sua convicção, sobre a concessão ou denegação da liminar, não estando, porém, adstrito a ela, podendo concedê-la ou denegá-la conforme o seu convencimento.

Se, por acaso, houver uma situação de risco, que não permita ao juiz ouvir, previamente, a pessoa jurídica pública, no prazo de 72 horas (ou 3 dias), nada impede que mande ouvi-la em prazo menor, ou até dispense a sua prévia manifestação, concedendo a liminar, e sujeitando-a a reexame num momento posterior.

Ao mandado de segurança coletivo se aplicam todas as demais regras da Lei 12.016/09, no que forem com ele compatíveis[28].

  1. NOVO POSICIONAMENTO DO STF SOBRE O TEMA

 

No julgamento da ADI 4296/DF, coincidentemente com as premissas retro, por mim sustentada há várias décadas – e, também, por Teresa Arruda Alvim,[29] mais recentemente, e, no passado, por Hely Lopes Meirelles, o que confirma o acerto da tese – o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º[30], e do art. 22, § 2º[31], da Lei nº 12.016/2009, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos parcialmente o Ministro Marco Aurélio (Relator), que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º[32], da expressão “sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento a pessoa jurídica” constante do art. 7º, inc. III[33], do art. 23[34], e da expressão “e a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé” constante do art. 25[35], todos da Lei nº 12.016/2009; o Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente o pedido; o Ministro Edson Fachin, que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º, e da expressão constante do inc. III do art. 7º; e os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente), que julgavam parcialmente procedente o pedido, dando interpretação conforme a Constituição ao art. 7º, § 2º, e ao art. 22, § 2º, da mesma lei, para o fim de nele ler a seguinte cláusula implícita: “salvo para evitar o perecimento de direito”, nos termos dos respectivos votos proferidos.

  1. CONCLUSÃO

 

Espero que estas considerações sirvam de subsídios na exegese que se seguirá à declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, porquanto as hipóteses reguladas por essa Lei e os preceitos julgados pelo STF serão considerados nos pretórios nas ações concretas que se seguirão a esse momento histórico, tanto na esfera processual comum, como na cautelar e antecipatória, e mesmo na própria esfera mandamental.

[1] ALVIM, Teresa Arruda. Medida Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial. São Paulo: RT, 1994, p. 33.

[2]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[3] Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (…). 

[4]     “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (…)”.

[5]     “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…)”.

[6]     “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
(…)
”.

[7]     “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (…)”.

[8]Art. 7º (…) III – (…) sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…)”

[9]  “Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…)  II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (…) Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (…)”

[10] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação; (…)”

[11]Art. 151. (…) Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (…)”

[12]  https://www.youtube.com/watch?v=hT3V0q37oB4

[13] “Art. 100 (…) §5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (…)”    

[14]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 59.

[16] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[17] Corte Cost. 27, dicembre, 1974, n. 284. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[18] Proto Pisani contestou que a suspensão (do ato administrativo) cautelar fosse um elemento conatural da tutela jurisdicional à anulação, mas admitiu a existência desse elemento conatural da tutela jurídica. PISANI, Proto. Una macroscopica manifestazioni. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[19] Estes elementos são, na verdade, baseados na química, ou, mais precisamente, na composição da água potável.

[20] CARREIRA ALVIM, J. E. “Medidas Liminares e Elementos Conaturais do Sistema de Tutela Jurídica.” In: O

      Direito na Doutrina. 1. ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 173-181.

[21] Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

[22] Sistema Único de Saúde (SUS).

[23] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[24] Ibidem.

[25] Sem audiência da parte contrária.

[26]Dec.-Lei 200/67 – Art. 5º. (…) IV – Fundação Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”. Apesar de as fundações públicas terem personalidade de direito privado, vêm sendo beneficiadas com todos os privilégios reconhecidos às autarquias.

[27]Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.”

[28] Ao mandado de segurança, aplicam-se, subsidiariamente, as normas das Leis 8.078/90 (CDC), 7.347/85 (Ação Civil Pública) e Lei 9.507/97 (Habeas Data), no que forem compatíveis com o mandamus.

[29] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[30]Art. 7º (…) § 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.(…)”

[31] Art. 22 (…) § 2o No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.” 

[32]Art. 1º, (…) § 2o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. (…).”

[33]Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:  (…) III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…).”

[34]Art. 23.  O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”

[35] Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”