Artigos

O Alcoolismo como patologia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde- Necessidade de respeito e proteção do doente

Fernanda Carvalho Campos e Macedo- Presidente do IPEDIS; Advogada. Sócia Presidente do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados. Professora de Direito Previdenciário e Processo Previdenciário. Pós Graduada em Direito Público, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Presidente do IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais; Palestrante e Conferencista; Coautora do Livro: ” Ônus da Prova no Processo Previdenciário- Editora Juruá- 2018″.

O alcoolismo é uma patologia reconhecida pela OMS- Organização Mundial de Saúde. Trata-se de doença progressiva, incurável e fatal em alguns casos.

Infelizmente, boa parte da sociedade atual não trata o alcoolismo como doença e alguns estigmas são criados para os dependentes de álcool, gerando, além da notória exclusão social, uma maior dificuldade de inclusão em programas de tratamento e reabilitação.

A OMS conceitua alcoolismo como “conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de álcool, tipicamente associado aos seguintes sintomas: forte desejo de beber, dificuldade de controlar o consumo (não conseguir parar de beber depois de ter começado), uso continuado apesar das consequências negativas, maior prioridade dada ao uso da substância em detrimento de outras atividades e obrigações, aumento da tolerância (necessidade de doses maiores de álcool para atingir o mesmo efeito obtido com doses anteriormente inferiores ou efeito cada vez menor com uma mesma dose da substância) e por vezes um estado de abstinência física (sintomas como sudorese, tremedeira e ansiedade quando a pessoa está sem o álcool).”

Para os operadores do Direito, mormente os advogados, é triste observar que, até mesmo no âmbito do Poder Judiciário, alguns juízes e Peritos Médicos, costumam tratar o problema de ordem patológica como algo relacionado a “preguiça” ou “falta de vergonha” e, em inúmeros casos, indeferem-se benefícios previdenciários e assistenciais sem qualquer fundamentação razoável, pautada em eventual “prejulgamento”.

Infelizmente, o preconceito advém, inclusive, da própria Legislação. Na relação de emprego, a embriaguez habitual é uma figura tipificada como “falta grave”, tal como descreve o art. 482, “f”, da CLT:

“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

(…)

f) embriaguez habitual ou em serviço;”

Por mais que o legislador tenha sido generalista nesse aspecto, a nosso sentir, cabe ao intérprete da lei observar o sistema legal/constitucional para extrair a interpretação de que, uma vez configurada a patologia, a solução é a inclusão em programa de tratamento e não a aplicação de punição.

Nesse sentido, o TST- Tribunal Superior do Trabalho, fez o bom papel de interprete da CLT conforme a Constituição e assim, didaticamente, decidiu:

I – JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. REINTEGRAÇÃO

RAZÕES DE NÃO CONHECIMENTO

 Quanto ao tema, consignou o v. acórdão regional:

 Evidente, portanto, que se trata de um caso de “alcoolismo crônico“, conforme concluiu o Juízo sentenciante, nada havendo a reparar nesse aspecto.

    (…)

    A embriaguez habitual ou em serviço, prevista no art. 482, “f, da CLT, constitui questão deveras polêmica na doutrina e jurisprudência trabalhistas, devendo ser objeto de cuidadosa análise pelo operador do direito. Cresce, a cada dia, a tendência contemporânea de considerá-la como doença, de modo a exigir tratamento medicinal, e não aplicação de penalidade.

    Assim, nada obstante a previsão legal da embriaguez como justa causa, não se podem desconsiderar os fins sociais da lei e às exigências do bem comum, assim como os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, previstos na Constituição da República, impondo-se, desse modo, necessária releitura do art. 482 “f” da CLT.

    (…)

Em nenhuma oportunidade a reclamada encaminhou o autor à perícia do INSS, para avaliação do caso, tampouco provou a alegação de que o autor tenha recusado tal providência, não sendo impediente a esse procedimento o dispositivo invocado em recurso (art. 151 da Lei 8.213/1991 – fl. 694), que trata da concessão do auxílio-doença sem carência.

Importante consignar, nesse passo, que, sabidamente, o alcoolismo possui um forte estigma social, sendo natural que os usuários, em princípio, tendam a evitar esse estigma, inclusive se recusando, de imediato, ao tratamento oferecido. Embora essa circunstância possa atrasar ou dificultar a intervenção terapêutica, é imprescindível que a empregadora envide todos os esforços no sentido de “convencer” ou “conscientizar” o empregado sobre a necessidade do tratamento, cuidando para, sem negar sua condição de alcoólatra, preservar sua autoestima.

(…)

Cuidando-se de um problema de saúde há muito padecido pelo obreiro, a ré deveria ter adotado medidas disciplinares educativas, progressivamente, de orientação advertência e até mesmo de suspensão disciplinar, se necessária fosse, mas não a mais severa das penas, mormente no caso do obreiro que a própria ré tinha como bom funcionário.

    (…)

A jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de que a OMS reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID), fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo, e não adotar como primeira punição ao trabalhador a dispensa por justa causa. (…)

A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar como fundamento a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador em caso de embriaguez, em que o autor é vítima de alcoolismo, aspecto fático expressamente consignado no acórdão regional.

Assim, mantém-se a decisão recorrida, por guardar sintonia com o posicionamento iterativo e atual desta C. Corte.”  ( grifos nossos)

(TST- RR – 130400-51.2007.5.09.0012; 6ª Turma; Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga)

Enfim, com supedâneo na ciência médica, hodiernamente é consenso que o alcoolismo é uma patologia catalogada pela CID- Classificação Internacional de Doenças sob o aval da OMS- Organização Mundial da Saúde.

Diante dessa constatação, tanto a doutrina como a Jurisprudência têm evoluído no sentido de afastar qualquer “preconceito” ou “estigmatização” do ser humano acometido por tal patologia, recomendando o tratamento e não a sua punição.

É dever do Estado, diante da sua responsabilidade social determinada pela Constituição Federal de 1988, garantir a segurança e a reabilitação de dependentes químicos. No contexto da seguridade social, a atuação estatal deve se dar nos três prismas, conforme a necessidade: a) proteção previdenciária; b) proteção assistencial; c) proteção à saúde (a partir de cuidados médicos e terapêuticos).

É muito importante que a sociedade se sensibilize com este problema que, além de questão eminentemente de saúde pública, gera uma série de consequências sociais que afetam não só o ser humano em situação de marginalização social, mas a família e a sociedade como um todo.

A Defensoria Pública, o Ministério Público, os advogados privados devem atuar de forma “vigilante” na observância das leis e da Constituição no sentido de assegurar aos dependentes do álcool a plena possibilidade de tratamento e reintegração, bem como as condições necessárias para manutenção da sua dignidade.

O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais estará, outrossim, atento para qualquer lesão ou ameaça de lesão aos Direitos Sociais relacionados ao tema em discussão.

Nosso canal de comunicação do IPEDIS está à disposição da sociedade para eventuais dúvidas, sugestões e ou notícias acerca de fatos que demandem representação junto aos órgãos Estatais ou outro tipo de ação em prol dos Direitos Sociais.

Se quiser falar conosco, suas opções de contato são: a) Fale Conosco: https://www.ipedisbr.com.br/contato  ou b) (32) 988693629