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O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade
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Fernanda C. Campos e Macedo ¹
O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade
Fernanda Carvalho Campos e Macedo[1]
Ab initio
Tentamos trazer nesse texto uma visão sociológica do Direito dos infratores no atual sistema policial, penal e carcerário Brasileiros sob a luz dos Direitos Humanos e da visão deturpada de parte da sociedade sobre Direitos Humanos e seus destinatários.
Partimos da premissa de que há de se respeitar os Direitos Humanos para todo e qualquer destinatário, defendendo-se o direito a um meio ambiente penal e carcerário equilibrado, essencial para a salvaguarda da Dignidade da Pessoa Humana e a possibilidade de reinserção do infrator na sociedade.
DAS RAZÕES DE DIREITO E A NOSSA VISÃO SOBRE O TEMA:
Nem sempre os Direitos feitos pelos homens para os homens foram resultado de processo legislativo formal. Muitas conquistas foram alcançadas através de guerras, com conquistas de territórios e promessas de legislações mais garantistas pelos conquistadores.
Em tempos remotos, a humanidade não estava muito preocupada com a definição de regras que pudessem protegê-la como “seres humanos” em si, mas com a criação de uma disciplina coletiva capaz de assegurar-lhes organização a partir de sistemas hierarquizados de poder.
A partir do momento em que os seres humanos se reconhecem como tal, principalmente no diz respeito à capacidade de agir de forma racional, dialogar, sentir, fazer e transformar – podemos dizer que teve inicio as lutas por seus direitos em diferentes frentes e contextos.
Apesar do homem ter se reconhecido como “ser de direitos relativos a sua natureza e sua essência humana” é notório que a sociedade ainda tem muito que caminhar e conscientizar quem ainda não se incluiu ou não se percebeu enquanto ser humano na escala de direitos existências.
A tortura, a violência física e psicológica, a submissão do ser humano a condições degradantes são exemplos mais drásticos de que é preciso avançar na educação e aculturamento de massas manobradas por um sistema excludente e apresentador de soluções rápidas para questões sociais tão difíceis, advindas de contextos antropológicos, históricos e culturais.
Os direitos humanos buscaram “aperfeiçoar a própria humanidade”. Nesse passo, não se trata apenas de um movimento social que almeja criação de novas garantias, mas a proteção de direitos naturais ligados à própria existência humana.
Diante do saber coletivo de que os Direitos Humanos foram formalizados em normas jurídicas e de que é preciso cumprir tais normas a luz da legislação pátria e internacional incorporada ao ordenamento, a constatação de que seres humanos são submetidos a violências físicas e psicológicas por autoridades constituídas, a ambientes e degradantes das mínimas condições de dignidade humana, requer mais pesquisa e mais problematização a fim de que tais linhas de estudo alcancem os responsáveis pela materialização do direito.
Não seria demais lembrar que a violação aos direitos humanos é um problema do Estado Brasileiro enquanto nação e enquanto Administração Pública. À nação se cobra o cumprimento dos pactos internacionais que foram celebrados para garantia da proteção àqueles direitos e à Administração Pública o cumprimento das Leis com a interpretação garantista da Constituição Federal de 1988.
O que se pretende, aqui, é chamar a atenção do leitor para um tema que é de difícil compreensão por grande parte da sociedade. Em cenário de antagonismo político e de dualidade de posições, ser a favor da proteção aos Direitos Humanos é “ser defensor de bandido” e ser contra os direitos Humanos é ser “defensor da moral e dos bons costumes”.
Somos a favor da tese em que a punição de infratores pode ser feita de forma rígida e eficaz sem que lhe sejam usurpados os Direitos Humanos. Defenderemos a aplicação rigorosa de penas; a atuação firme das polícias; a mão firme do Estado contra o crime; a proporcionalidade na repressão policial em Estado de Guerra urbana; a salubridade física e psicológica do sistema carcerário para fins de ressocialização do indivíduo e da Responsabilização do Estado na comissão ou omissão relacionadas a salvaguarda dos Direitos Humanos.
Nossa Constituição Federal de 1988 diz em seu art. 5º, III:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;” ( grifamos)
A Lei 7210/84, Lei de Execução Penal diz nos artigos abaixo relacionados:
“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III -jurídica;IV – educacional;V – social; VI – religiosa.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)”
Ocorre que, conforme amplamente noticiado, os estabelecimentos prisionais estão, em sua maioria, superlotados, de modo que não tem sido garantida a segurança pessoal dos que lá vivem, além de frequente surgimento de problemas de saúde, brigas e mortes dentro desses locais. Dirão: “mas o preso tem mesmo que sofrer, lá não é colônia de férias”.
Tal visão nos parece extramente “ignorante” do ponto de vista científico das matérias: criminologia; sociologia; Direito Constitucional; Antropologia e História. É evidente que a “dignidade da pessoa humana” não pode ser relativizada. As penas existem para punir os infratores e, nelas, já existe a carga de cerceamento de direitos e liberdades entre as quais não se incluem o “tratamento desumano”.
Aqueles que defendem a “degradação do ser humano” que pratica ilícitos penais não tem a menor ideia de que a evolução da sociedade com o consenso sobre o respeito a garantias mínimas e universais de todo ser humano é que lhes garante a coexistência pacífica.
Ao Estado incumbe o dever constitucional e legal de preservar a integridade física, moral e psíquica dos condenados, apesar do seu direito de punir( ius puniendi) a quem infringe as normas impostas.
Ocorre que as prisões brasileiras, cronicamente, submetem os presos a condições sub-humanas, como se fossem verdadeiros “depósitos de gente” com superlotação, estrutura ambiental insalubre, ausência de serviços de saúde entre outros.
O tempo passa e o homem continua sendo “o lobo do próprio homem”. Já tinha dito Jesus há muito tempo: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.
A sociedade moderna que deveria cobrar, sim, mais segurança e menos violência, deveria também entender que a diminuição daqueles índices passa pela maior participação do Estado na manutenção das “ famílias”; do fomento à educação e profissionalização; do investimento em prevenção da violência; da oferta de direitos iguais para todos. O Estado é, sim, co-culpado pela situação da violência no Brasil e pelo estado de “selvageria” em que estamos. Muitos são os infratores que são segregados por cometerem crimes bárbaros, os quais geram repulsa coletiva. No entanto, muitos e talvez a maioria são vítimas da própria omissão estatal.
Quando se instalou, no Rio de Janeiro, o programa de UPP’s ( Unidades de Policia Pacificadoras), era certo que tal ingerência do Estado nas comunidades deveria vir acompanhada de um projeto de inclusão social e de prevenção na formação de novos infratores.
Ora, se um infante de 12 anos de idade estivesse sendo assediado pelo tráfico de drogas, sua mãe estivesse desempregada e doente e aquele menor fosse órfão de pai (traficante morto em confronto com a polícia), que destino ele teria senão se submeter ao assédio dos criminosos? Tivesse o Estado instalado um projeto como o SENAI naquela comunidade e ofertado cursos profissionalizantes já com perspectiva de emprego para aqueles menores órfãos do tráfico, poder-se-ia dizer que tiveram uma oportunidade de escolha? Se justificaria mais o Ius puniendi depois de tal tentativa?
Como um pai que diz: “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” tem sido o Estado. Enquanto se noticia que os políticos investem alto em “ corrupção” e usurpam os recursos que eram destinados para inclusão social, discutem uma legislação penal mais abrangente e não tem na sua pauta a questão do sistema carcerário.
E a retórica daqueles políticos cada vez mais persuadem a sociedade: “ lugar de bandido é na cadeia ou na vala” e “presídio é lugar para o bandido sofrer”. Dizem isso, pois é fácil, depois de um grande histórico de alienação de grandes massas, incentivar a “guerra de todos contra todos” para passarem ilesos os seus próprios crimes contra a humanidade. Resolvem os seus problemas, legislam para quem paga mais e induzem as suas vitimas a digladiarem-se entre si para que estejam bem ocupados e não os incomodem.
Os Agentes da Polícia, também vítimas desse sistema, são atacados por todos os lados. Sobrevivem com baixos salários para colocar suas vidas em risco em prol da segurança pública. Doentes psicologicamente, fragilizados e acuados, revidam as injustas agressões com “injustas agressões”. Às vezes revidam o ataque de forma “proporcional” e, em outros casos, de maneira “ desproporcional”. E quem é o culpado dos desvios? “Quem apertou o gatilho”, de fato?
Parte da Sociedade pede uma Polícia mais criminosa: “bandido bom é bandido morto”. Outra parte acusa a Polícia de praticar excessos e imputam a responsabilidade, exclusivamente, ao Policial.
Do lado oposto, o infrator chama o policial de “verme” e coloca o seu extermínio como uma das suas pautas principais. O criminoso acha que o Policial é o seu principal inimigo, mas não consegue discernir que aquele ser humano que o combate é a personificação do Estado que, além de se omitir na sua função social de inclusão, ainda o reprime para dar uma resposta a parte da sociedade.
Enfim, como no filme “Tropa de Elite 2”, acreditamos que o problema da violência e da “ guerra de todos contra todos” tem um culpado principal: os nossos representantes da Classe Política.
Hoje, o sistema de freios e contrapesos tenta se impor com uma ação do Estado- Juiz sobre o Estado-Legislador e Administrador, nas pessoas dos seus membros. No entanto, ainda há muito a se fazer e a se conscientizar. O Sistema já vem, há tempos aparelhando, o Poder Judiciário com o sistema de “nomeação de membros” nas altas Cortes do país.
Quando a ação de um grupo de Procuradores da República e alguns juízes de primeiro grau passa a ser a grande esperança do povo (Operação Lava Jato), nossa preocupação passa ser a outorga de “super poderes” para um só corpo do Estado que, formalmente, não representa a vontade do povo, que seria o titular do” poder”.
Doutro lado, quando se constatam decisões das Cortes Supremas atuando como extensões da vontade dos demais poderes e seus representantes, a esperança daquele povo se esvazia.
Quando o “arbítrio” em decisões de primeiro grau se tornam a referência de boas práticas, conseguimos compará-las à súplica da sociedade à polícia: “ matem os bandidos, pois bandido bom é bandido morto”.
Terminamos parafraseando o Personagem do Filme Tropa de Elite 2, Capitão Nascimento: “O Sistema é F…, parceiro. Entra político, sai político, continua tudo na mesma, nada muda. Ainda vai levar muito tempo para consertar essa p…., e muita gente inocente vai morrer no meio do caminho”. Basta saber que é o inocente e quem é o culpado nessa história.
[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista