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O TRABALHO TEMPORÁRIO NO SETOR PÚBLICO – DIREITOS E DEVERES

 

 

Por: Alan da Costa Macedo. Coordenador Geral Científico do IPEDIS. Professor de Direito Constitucional, Administrativo, Processual, Previdenciário e Trabalhista. Mestre em Direito Público, especialista em diversas áreas do direito.  Autor de diversos livros na área de Direito do Trabalho e Previdenciário. Palestrante e conferencista em diversas OAB’s do brasil. Servidor da Justiça Federal, exercendo, atualmente, a função de Oficial de Gabinete na Presidência do TRF1.

O QUE É A CATEGORIA DE SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO?

O servidor público temporário é o agente público definido em regime especial de contratação provisória, conforme previsto no artigo 37, IX da Constituição Federal de 1988:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(…)

IX – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (Vide Emenda constitucional nº 106, de 2020, grifos nossos)

EXISTE UMA LEI GERAL SOBRE A CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO?

A Lei 8.745/93 dispõe sobre a contratação por tempo determinado, no âmbito da União Federal, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Nesse sentido, é o seu Art. 1º:

Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei. (grifos nossos)

O artigo segundo da Lei 8.745/93 define, de forma expressa, o que se considera “necessidade temporária de excepcional interesse público”, especificando, de forma taxativa, quais são essas hipóteses no âmbito da Administração Direta e Indireta Federal.

Tem muita gente que pensa, equivocadamente, que a Lei 8.745/93 é a norma geral do contrato temporário para o serviço público em geral. O Art. 37, IX, da CF/88 é bem claro ao afirmar o “pacto federativo”, dando autonomia aos Estados e Municípios para legislar sobre o tema de forma autônoma e independente, mas, por claro, observando todos os primados que orientam a administração pública como um todo, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Além daqueles princípios, os Entes Estaduais e Municipais devem observar os subprimados da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação na elaboração das suas próprias normas.

QUAL O TEMPO MÁXIMO DO CONTRATO TEMPORÁRIO DE SERVIDOR PÚBLICO?

Uma questão que sempre gera dúvidas interpretativas é justamente a leitura que se faz do art. 37, IX, da CF/88 é o que se refere a temporalidade da contratação e do excepcional interesse público.

Não se poderia, por lógica, admitir que a previsão de regulamentação legal para cada ente da Federação pudesse criar um mecanismo de flexibilidade ilimitada para viabilizar a sua organização de pessoal. A exigência de uma lei específica atende a um limite formal.

Mas também há uma limitação material bem clara, quando se interpreta o dispositivo constitucional mencionado, no que se refere a exigência cumulativa na discriminação de cada hipótese autorizadora da contratação temporária: (a) tempo determinado; (b) necessidade temporária de excepcional interesse público.

O CARÁTER GENÉRICO DO ART. 37, IX, DA CF/88 GERA DÚVIDAS NA ELABORAÇÃO DAS LEIS INFRACONSTITUCIONAIS?

A Constituição vedou, com certa clareza, a edição de normas que permitam modalidades gerais de burla ao concurso público. Apesar do seu caráter genérico e pouco analítico, o texto constitucional do Art. 37, IX, ainda que permita a elaboração de normas infraconstitucionais extremas e de clara inconstitucionalidade, resultou na criação de uma certa moldura de gradações na definição do excepcional interesse público.

Nesse contexto, surgem uma série de questionamentos, tais como:

  1. a) qual a referência temporal que permita dizer que determinada necessidade de excepcional interesse público é efetivamente temporária? Um ano, dois anos, cinco anos, seis anos?

A Lei 8.745/93, nesse sentido, apesar de não os vincular, pode ser um bom parâmetro para o legislador municipal e estadual na elaboração da sua própria norma, no que se refere a questão da temporalidade da contratação. Outras questões materiais, entretanto, podem fundamentar o aumento daquele tempo de contratação sem que, necessariamente, se tenha algum vício de inconstitucionalidade.

É sempre necessário que se observe, nessa seara, a razoabilidade e proporcionalidade que justifiquem, com certa clareza, a qualquer um que analise a norma, a sua adequação aos demais primados constitucionais reitores de um Estado Democrático de Direito. É na exposição de motivos de cada lei que o legislador deve fundamentar os parâmetros utilizados para edição da norma e os seus motivos determinantes.

  1. b) E o que define o excepcional interesse?

Nesses casos de indeterminação do sentido do texto constitucional, ou seja, quando este não apresenta um expresso comando quanto a marcos temporais e outras restrições, exige-se maior esforço da atividade do legislador e na demonstração (pela exposição de motivos da norma) da razoabilidade e da proporcionalidade de certas ampliações de abrangência ou até mesmo restrições a determinado preceito constitucional. Isso, pois, nos casos de ausência clara desse dever de motivação, ainda que determinada administração esteja passando por dificuldades logísticas e orçamentárias, não há outra opção ao Judiciário que não seja de anulação do referido ato legislativo. O “excepcional interesse público”, portanto, depende de ampla e convincente fundamentação.

  1. c) As remunerações dos servidores temporários devem ser os mesmos dos servidores efetivos em atenção ao princípio da igualdade? Ou os direitos dos servidores temporários são os mesmos dos Celetistas?

 

 

A diferenciação entre servidores públicos efetivos e servidores públicos temporários, pelo intérprete das normas de caráter constitucional, administrativo, previdenciário e trabalhista é importante para se determinar a gama de direitos que cada um dos grupos faz jus. O artigo 39, § 3º, da Constituição Federal indica um rol de direitos trabalhistas (artigo 7º da CF/88) inerentes aos servidores ocupantes de cargo público efetivo, que ingressaram por meio de concurso público e é necessário que se saiba quais os direitos são intocáveis para ambas modalidades de servidores e quais podem ser diferentes sem que se fira a Constituição.

A contratação por tempo determinado, realizada com base no atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público não investe o contratado de cargo público típico (resultante de concurso público para cargo efetivo) e nem mesmo como empregado celetista, o que não lhe garante automaticamente o gozo aos direitos previstos no artigo 7º nem os previstos no § 3º do artigo 39, ambos da Constituição Federal.

Apesar disso, a outorga constitucional para que o legislador de cada ente federado crie suas próprias regras para esse tipo de contratação não pode ser utilizada como um “aval” para que a Administração Pública negligencie direitos básicos dos trabalhadores vinculados a ela. Assim, contratar alguém sob a justificativa de interesse excepcional e realizar reiteradas prorrogações da referida contratação pode ser uma clara demonstração de burla ao concurso público, bem como ao contrato formal de trabalho (celetista) e desvirtuamento da contratação temporária a ensejar responsabilização indenizatória e até mesmo administrativo-penal do administrador.

Em maio de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou o Tema 551 da repercussão geral e fixou a seguinte tese: “Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações”.

A causa piloto que deu origem ao tema de repercussão geral foi relacionada a uma servidora temporária que ajuizou ação de cobrança contra o Estado de Minas Gerais, alegando ter sido contratada para a função de “Agente da Administração” e ter exercido a referida função entre dezembro de 2003 e março de 2009, sem nunca ter recebido 13º salário ou férias remuneradas. Ocorre que a contratação da profissional se deu por meio de contratos sucessivos com inúmeras prorrogações. Ou seja, após a contratação inicial fundada numa necessidade temporária e de excepcional interesse público, ocorreram diversas prorrogações por mais de 5 anos.

A ratio decidendi (razão principal de decidir), conforme se depreende da tese apresentada no voto do relator daquele julgado do STF, é de que servidores temporários, em regra, não fazem jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos, porém, haveria exceções:  a) nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual; b) em caso de desvirtuamento da contratação temporária.

Dessa forma, o entendimento Constitucional sobre  os direitos reservados aos servidores públicos efetivos é de que estes não são estendidos aos servidores temporários ( inclusive no que se refere ao salário e aos direitos trabalhistas), a menos que tais direitos sejam reconhecidos pela própria lei do município, do Estado ou da União, ou mesmo no instrumento contratual que institui o vínculo temporário, ou ainda que a contratação temporária seja desvirtuada em decorrência de sucessivas renovações ou prorrogações contratuais.

A remuneração dos servidores públicos depende, via de regra, da complexidade do trabalho, atribuições do cargo, natureza das funções, jornada de trabalho, grau de responsabilidade, dentre outros fatores (art. 39, §1º, I da CF/88). Assim, por esta prima, cargos com as mesmas funções, responsabilidades e complexidade deveriam ter remunerações similares. Entretanto, a própria Constituição também diz que a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará os requisitos para a investidura no cargo (art. 39 §1º, II da CF/88). Assim, é possível fixar remuneração diversa para servidores que ocupam a mesma função, em razão de um ser efetivo e outro temporário.

Ao analisar norma de ente público estadual que previa a distinção remuneratória em virtude da investidura no cargo, o Supremo Tribunal Federal assentou que “a justificativa para a diferença dos critérios de remuneração existente entre o cargo de professor efetivo e a função exercida pelo professor temporário encontra respaldo na própria Constituição Federal (art. 37, II, IX, X), considerando que regimes jurídicos distintos comportam tratamentos diversos”.

 

Com isso, em tese, não se poderia dizer que uma determinada norma municipal, por exemplo, seria inconstitucional por que fixa a remuneração do servidor contratado por tempo determinado em valor inferior ao do efetivo, ainda que ambos desempenhem a mesma função pública. Abaixo, recente decisão do STF que enfrenta a matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR 87/2000 DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ESTATUTO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI COMPLEMENTAR 266/2019. SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS E TEMPORÁRIOS. FUNÇÃO DE DOCÊNCIA. REMUNERAÇÃO. NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ESPECÍFICA (ART. 37, X, DA CF). NÃO CABIMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (ARTS. 5º E 7º, XXXIV, CF). VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO E À IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS (ARTS. 5º, XXXVI, E 37, XV, DA CF). NÃO OCORRÊNCIA. CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

        1. A jurisdição constitucional abstrata brasileira não admite o ajuizamento ou a continuidade de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido, independentemente do fato de terem produzido efeitos concretos residuais. Perda de objeto parcial da ação em relação ao inciso V do § 2º do art. 49 da LC 87/2000. Precedentes.
        2. Constitucionalidade do dispositivo legal que prevê a fixação da remuneração de servidores públicos temporários por meio de ato infralegal.
        3. A justificativa para a diferença dos critérios de remuneração existente entre o cargo de professor efetivo e a função exercida pelo professor temporário encontra respaldo na própria Constituição Federal (art. 37, II, IX, X), considerando que regimes jurídicos distintos comportam tratamentos diversos.
        4. É vedado ao Poder Judiciário, por não ter função legislativa, conceder aumento de vencimentos de servidores públicos com base no princípio da isonomia. Entendimento da Súmula Vinculante 37 do STF.
        5. Não afronta o direito adquirido e a irredutibilidade salarial (arts. 5º, XXXVI, e 37, XV, da CF) a norma estadual que, alterando calendário de integralização de piso salarial da categoria profissional, apenas prorroga o reajuste por mais três anos até alcançar o limite máximo previsto, como medida de austeridade adotada para equilibrar as contas públicas.
        6. A jurisprudência desta CORTE orienta que o direito adquirido não pode ser oposto a regime jurídico ou a forma de cálculo da remuneração de servidor público, desde que preservada a irredutibilidade salarial. Precedentes.
        7. Conhecimento parcial da ação. Ação direta julgada improcedente. (ADI 6196, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 01-04-2020 PUBLIC 02-04-2020, grifamos)

 E QUAL O PARÂMETRO REMUNERATÓRIO ADEQUADO PARA SERVIDORES TEMPORÁRIOS?

 

Na ausência de norma constitucional que fixe tal parâmetro ao legislador de cada ente, na matéria em estudo, entendemos que o piso de categorias de trabalhadores celetistas, que exercem funções análogas ao cargo público temporário,  poderia ser um bom parâmetro para a administração pública. O ente, entretanto, tem a liberdade para fixar as remunerações da forma que melhor lhe aprouver, usando, inclusive, o padrão remuneratório dos cargos efetivos. Tal tratamento pode ser um bom incentivo para que o servidor temporário realize o seu trabalho de forma mais motivada e eficiente.