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Tema 1307 do STJ: A Controvérsia sobre o Reconhecimento da Penosidade para Motoristas e Cobradores de Ônibus ou Motoristas de Caminhão após a Lei 9.032/1995
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Autores: Alan da Costa Macedo
Resumo
O presente artigo analisa o Tema 1307 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que versa sobre a possibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade de motorista/cobrador de ônibus ou motorista de caminhão por penosidade, após o advento da Lei n. 9.032/1995. A controvérsia circunscreve-se à interpretação dos dispositivos legais previdenciários que, a partir de 1995, passaram a exigir a comprovação objetiva de exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos para o reconhecimento de atividade especial. O estudo examina a evolução jurisprudencial, especialmente a tese firmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região no Incidente de Assunção de Competência (IAC) Tema nº 5, que admite o reconhecimento da penosidade mediante perícia técnica individualizada. Paralelamente, aborda-se a recente decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 74, que estabeleceu prazo para regulamentação do adicional de penosidade previsto no art. 7º, XXIII da Constituição Federal, bem como os diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. O artigo sustenta que, embora o STJ tenha historicamente rejeitado a penosidade como agente nocivo autônomo, a realidade laboral dos motoristas e cobradores frequentemente envolve exposição a agentes químicos, físicos e biológicos que, adequadamente documentados, podem caracterizar atividade especial para fins previdenciários.
Palavras-chave: Aposentadoria especial; Penosidade; Motoristas; Cobradores; Tema 1307 STJ; Lei 9.032/1995; Agentes nocivos.
1. Introdução
A questão do reconhecimento da atividade especial para motoristas e cobradores de ônibus, bem como motoristas de caminhão, representa uma das controvérsias mais complexas e relevantes do direito previdenciário contemporâneo. O Tema 1307 do Superior Tribunal de Justiça, afetado para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, busca definir se há possibilidade de reconhecimento da especialidade dessas atividades por penosidade, após as alterações promovidas pela Lei n. 9.032/1995 [1].
A relevância do tema transcende os aspectos meramente jurídicos, alcançando dimensões sociais e econômicas significativas. Milhares de trabalhadores brasileiros exercem essas profissões em condições que, historicamente, foram reconhecidas como penosas, insalubres ou perigosas. A alteração do paradigma legal em 1995, que extinguiu o enquadramento automático por categoria profissional, criou um vácuo normativo que tem gerado insegurança jurídica e dificultado o acesso desses trabalhadores aos benefícios previdenciários especiais [2].
O presente estudo propõe-se a examinar essa controvérsia sob múltiplas perspectivas: a evolução histórica da legislação previdenciária, a jurisprudência consolidada pelos tribunais superiores, os precedentes regionais que têm admitido o reconhecimento da penosidade, e o contexto constitucional mais amplo que envolve o direito fundamental ao adicional de penosidade. Busca-se, assim, contribuir para o debate jurídico e oferecer subsídios para uma interpretação que concilie a segurança jurídica com a proteção social dos trabalhadores expostos a condições laborais especialmente gravosas.
A metodologia adotada baseia-se na análise doutrinária e jurisprudencial, com especial atenção aos precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem se destacado no reconhecimento da penosidade mediante critérios técnicos objetivos. Examina-se, ainda, o impacto da recente decisão do Supremo Tribunal Federal na ADO 74, que reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em regulamentar o adicional de penosidade, estabelecendo prazo de 18 meses para suprir essa lacuna legislativa [3].
2. Contexto Histórico e Evolução Legislativa
2.1. O Regime Anterior à Lei 9.032/1995
Antes das alterações promovidas pela Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, o sistema previdenciário brasileiro adotava o critério de enquadramento por categoria profissional para o reconhecimento de atividades especiais. Esse modelo, estabelecido pelos decretos regulamentares da época, permitia que determinadas profissões fossem automaticamente consideradas especiais, independentemente da comprovação específica de exposição a agentes nocivos [4].
O Decreto n. 53.831/1964 e suas posteriores alterações listavam expressamente as atividades de motorista de ônibus e motorista de caminhão como especiais, conferindo aos trabalhadores dessas categorias o direito à aposentadoria com tempo reduzido. Esse enquadramento baseava-se no reconhecimento de que tais atividades, por suas características intrínsecas, submetiam os trabalhadores a condições laborais diferenciadas e potencialmente prejudiciais à saúde e à integridade física [5].
A fundamentação para esse tratamento especial residia na compreensão de que os motoristas profissionais enfrentavam jornadas extenuantes, exposição a vibrações mecânicas, ruídos excessivos, gases de combustão, estresse decorrente do trânsito urbano e rodoviário, além dos riscos inerentes à atividade de transporte. No caso específico dos cobradores de ônibus, somavam-se os riscos de assaltos e a exposição constante ao público, em ambientes frequentemente superlotados e com ventilação inadequada [6].
2.2. As Alterações da Lei 9.032/1995
A Lei n. 9.032/1995 promoveu uma reforma significativa no sistema de reconhecimento de atividades especiais, alterando substancialmente o art. 57 da Lei n. 8.213/1991. A principal mudança consistiu na extinção do enquadramento automático por categoria profissional, substituindo-o pela exigência de comprovação objetiva de exposição a agentes nocivos [7].
O novo § 4º do art. 57 estabeleceu que “o segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício” [8]. Essa alteração representou uma mudança paradigmática, transferindo o foco da categoria profissional para a efetiva exposição a agentes específicos.
A justificativa para essa modificação baseava-se na necessidade de maior rigor científico na caracterização das atividades especiais, evitando-se o reconhecimento automático de profissões que, em determinados contextos, poderiam não apresentar efetiva nocividade. Contudo, a implementação dessa nova sistemática gerou controvérsias significativas, especialmente para categorias que tradicionalmente eram reconhecidas como especiais [9].
2.3. O Impacto da Mudança Legislativa
A extinção do enquadramento por categoria profissional afetou diretamente milhares de trabalhadores que exerciam atividades tradicionalmente reconhecidas como especiais. No caso específico dos motoristas e cobradores, a mudança criou uma situação de insegurança jurídica, uma vez que a mera atividade profissional deixou de ser suficiente para o reconhecimento da especialidade [10].
Essa alteração legislativa coincidiu com um período de modernização do transporte público e de cargas no Brasil, com a introdução de veículos mais modernos, equipados com sistemas de ar-condicionado, direção hidráulica e outras tecnologias que, em tese, poderiam reduzir a exposição a determinados agentes nocivos. Contudo, a realidade laboral de grande parte desses profissionais permaneceu caracterizada por condições adversas, especialmente considerando-se a diversidade de situações encontradas no território nacional [11].
A jurisprudência dos tribunais regionais federais passou a divergir quanto à interpretação da nova legislação. Enquanto alguns entendiam que a ausência de enquadramento por categoria profissional impedia qualquer reconhecimento de especialidade para essas atividades, outros começaram a desenvolver critérios técnicos para avaliar a efetiva exposição a agentes nocivos, considerando as condições concretas de trabalho [12].
3. A Controvérsia Jurídica: Penosidade como Agente Nocivo
3.1. A Natureza Jurídica da Penosidade
A penosidade, enquanto conceito jurídico, tem suas raízes no direito constitucional do trabalho, especificamente no art. 7º, inciso XXIII da Constituição Federal, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais o “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” [13]. A distinção entre essas três modalidades de atividades especiais revela a intenção do constituinte de proteger os trabalhadores expostos a diferentes tipos de condições laborais adversas.
Enquanto a insalubridade relaciona-se à exposição a agentes que podem causar danos à saúde, e a periculosidade refere-se a atividades que colocam em risco a vida do trabalhador, a penosidade caracteriza-se por atividades que, embora não necessariamente insalubres ou perigosas, são particularmente desgastantes, sofríveis ou extenuantes [14]. Essa conceituação etimológica da penosidade como aquilo “que dá pena”, que causa sofrimento ou desgaste, encontra respaldo na doutrina trabalhista e previdenciária.
A doutrina especializada tem buscado delimitar os contornos da penosidade, distinguindo-a das demais modalidades de atividades especiais. Segundo Martinez [15], a penosidade caracteriza-se por “atividades que, por suas condições especiais, causam desgaste físico ou mental acentuado, fadiga excessiva ou sofrimento ao trabalhador, mesmo que não configurem risco direto à saúde ou à vida”. Essa definição amplia o espectro de proteção para além dos agentes nocivos tradicionalmente reconhecidos.
3.2. A Posição Tradicional do INSS e dos Tribunais Superiores
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem tradicionalmente rejeitado o reconhecimento da penosidade como fundamento autônomo para a concessão de aposentadoria especial. A autarquia previdenciária sustenta que a Lei n. 9.032/1995, ao alterar o § 4º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991, limitou o reconhecimento de atividades especiais à exposição a “agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física” [16].
Essa interpretação restritiva baseia-se na literalidade do texto legal, argumentando-se que a penosidade não se enquadra em nenhuma das categorias de agentes nocivos expressamente previstas na legislação. O INSS sustenta que a admissão da penosidade como critério para aposentadoria especial representaria uma ampliação indevida do conceito legal, contrariando a intenção do legislador de restringir o acesso a esses benefícios [17].
Os tribunais superiores, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, têm historicamente acompanhado essa interpretação restritiva. Em diversos precedentes, a Corte Superior tem rejeitado pedidos de reconhecimento de atividade especial baseados exclusivamente na penosidade, reafirmando a necessidade de comprovação de exposição aos agentes nocivos especificamente previstos na legislação [18].
3.3. A Evolução Jurisprudencial Regional
A jurisprudência dos tribunais regionais federais tem demonstrado uma evolução significativa na interpretação da matéria. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem se destacado no desenvolvimento de uma abordagem mais flexível, que reconhece a possibilidade de caracterização da penosidade mediante critérios técnicos objetivos [19].
Essa evolução jurisprudencial baseia-se na compreensão de que a realidade laboral dos motoristas e cobradores frequentemente envolve exposição a agentes nocivos que se enquadram nas categorias previstas na legislação, ainda que não sejam adequadamente documentados nos perfis profissiográficos previdenciários (PPPs) ou laudos técnicos. A vibração mecânica, o ruído excessivo, os gases de combustão e o estresse ocupacional são exemplos de agentes que podem ser tecnicamente caracterizados e mensurados [20].
4. O Incidente de Assunção de Competência (IAC) Tema nº 5 do TRF4
4.1. A Tese Firmada pelo TRF4
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) Tema nº 5, processo n. 5033888-90.2018.4.04.0000, firmou tese de fundamental importância para a matéria. O acórdão, publicado em 27 de novembro de 2020, estabeleceu que “deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova” [21].
Essa decisão representa um marco na jurisprudência previdenciária, pois reconhece expressamente a possibilidade de caracterização da penosidade como fundamento para aposentadoria especial, desde que comprovada mediante critérios técnicos objetivos. A exigência de perícia judicial individualizada visa assegurar que o reconhecimento da especialidade seja baseado em dados científicos e não em presunções genéricas [22].
4.2. Os Critérios Técnicos Estabelecidos
O TRF4, no julgamento do IAC, estabeleceu critérios técnicos específicos para a avaliação da penosidade nas atividades de motorista e cobrador de ônibus. Esses critérios abrangem três dimensões principais: as características dos veículos utilizados, as condições dos trajetos percorridos e a organização das jornadas de trabalho [23].
Quanto aos veículos utilizados, devem ser avaliadas as condições do veículo, aspectos ergonômicos, esforços físicos despendidos na condução, existência de vibração, ruído e calor. Esses fatores são mensuráveis tecnicamente e podem ser comparados com os limites de tolerância estabelecidos nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho [24].
No que se refere aos trajetos, a análise deve considerar as condições das estradas, a incidência de assaltos, áreas de difícil acesso e a existência de pavimentação. Esses elementos influenciam diretamente o nível de estresse ocupacional e a exposição a riscos diversos [25].
Relativamente às jornadas de trabalho, devem ser examinadas a duração da jornada, os locais de descanso disponíveis e os locais para necessidades fisiológicas. Jornadas excessivamente longas, ausência de locais adequados para descanso e condições inadequadas de higiene podem caracterizar penosidade [26].
4.3. A Metodologia de Avaliação Pericial
A implementação dos critérios estabelecidos pelo TRF4 exige uma metodologia pericial específica, que combine conhecimentos de medicina do trabalho, engenharia de segurança e ergonomia. O perito deve realizar avaliação in loco das condições de trabalho, utilizando instrumentos de medição adequados para quantificar a exposição aos diversos agentes [27].
A avaliação ergonômica assume particular relevância, considerando-se que muitos dos problemas de saúde associados à atividade de motorista decorrem de posturas inadequadas, movimentos repetitivos e vibração. A Norma Regulamentadora NR-17 do Ministério do Trabalho estabelece parâmetros técnicos que podem ser utilizados como referência para essa avaliação [28].
A mensuração do ruído deve seguir os critérios da NR-15, considerando-se tanto a intensidade quanto o tempo de exposição. Veículos mais antigos, especialmente aqueles sem isolamento acústico adequado, frequentemente expõem os motoristas a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância [29].
A avaliação da vibração, por sua vez, deve considerar tanto a vibração de corpo inteiro quanto a vibração mão-braço, conforme os critérios estabelecidos na literatura técnica especializada. A exposição prolongada à vibração pode causar diversos problemas de saúde, incluindo distúrbios circulatórios e musculoesqueléticos [30].
5. A Decisão do STF na ADO 74 e o Adicional de Penosidade
5.1. O Reconhecimento da Omissão Inconstitucional
Em decisão histórica proferida em junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 74, reconheceu por unanimidade a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em regulamentar o adicional de penosidade previsto no art. 7º, inciso XXIII da Constituição Federal. O relator, Ministro Gilmar Mendes, destacou que o tempo razoável para a regulamentação do adicional extrapolou o aceitável, considerando que a Constituição Federal está em vigor há mais de 35 anos [31].
A decisão representa um marco na proteção dos direitos dos trabalhadores expostos a atividades penosas, reconhecendo que a ausência de regulamentação específica impede o exercício pleno de um direito fundamental constitucionalmente assegurado. O STF estabeleceu prazo de 18 meses para que o Poder Legislativo supra essa lacuna normativa, sob pena de configuração de mora legislativa [32].
5.2. A Distinção entre os Adicionais Constitucionais
O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto condutor, observou que os direitos aos adicionais de insalubridade e periculosidade já foram devidamente regulamentados pela legislação infraconstitucional, enquanto o adicional de penosidade permanece sem regulamentação específica. Essa disparidade de tratamento evidencia a necessidade urgente de colmatação da lacuna legislativa [33].
A insalubridade encontra-se regulamentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que estabelecem critérios técnicos precisos para sua caracterização. A periculosidade, por sua vez, também possui regulamentação específica, abrangendo atividades que envolvem explosivos, inflamáveis, energia elétrica e radiações ionizantes [34].
A penosidade, contudo, permanece como um direito constitucional de eficácia limitada, dependente de regulamentação infraconstitucional para sua plena aplicabilidade. Essa situação tem gerado insegurança jurídica e dificultado o acesso dos trabalhadores a um direito fundamental [35].
5.3. A Regulamentação Existente para Servidores Públicos
Paradoxalmente, enquanto os trabalhadores da iniciativa privada permanecem sem regulamentação específica do adicional de penosidade, os servidores públicos federais já contam com previsão legal expressa. O art. 71 da Lei n. 8.112/1990 estabelece que “o adicional de atividade penosa será devido aos servidores em exercício em zonas de fronteira ou em localidades cujas condições de vida o justifiquem, nos termos, condições e limites fixados em regulamento” [36].
Essa regulamentação, embora limitada a situações específicas (zonas de fronteira e localidades com condições de vida difíceis), demonstra a viabilidade técnica e jurídica da regulamentação da penosidade. O Ministério Público da União, por meio da Portaria PGR/MPU nº 633/2010, regulamentou o adicional de atividades penosas em seu âmbito, incluindo diversas cidades de fronteira como locais que justificam o pagamento do adicional [37].
5.4. Os Projetos de Lei em Tramitação
O Congresso Nacional tem diante de si diversos projetos de lei que buscam regulamentar o adicional de penosidade. O PL 774/2011, de autoria do Deputado Dr. Aluizio (PV/RJ), encontra-se em estágio avançado de tramitação, estando pronto para pauta no Plenário da Câmara dos Deputados. O projeto “institui o adicional de penosidade para os trabalhadores que prestam suas atividades em condições penosas” [38].
Outros projetos relevantes incluem o PL 3.995/2012, o PL 138/2016, o PL 3.694/2019, o PL 3986/2021 e o PL 5622/2020, cada um com abordagens específicas para a regulamentação da matéria. A multiplicidade de proposições legislativas evidencia tanto a relevância do tema quanto a complexidade de sua regulamentação [39].
A decisão do STF na ADO 74 certamente conferirá maior urgência à tramitação desses projetos, considerando o prazo de 18 meses estabelecido pela Corte Suprema. A regulamentação do adicional de penosidade poderá ter impacto direto na discussão previdenciária, fornecendo critérios mais claros para o reconhecimento de atividades especiais [40].
6. A Realidade Laboral dos Motoristas e Cobradores: Exposição a Agentes Nocivos
6.1. Agentes Físicos
A atividade de motorista profissional, seja de ônibus ou caminhão, envolve exposição significativa a diversos agentes físicos que podem ser tecnicamente mensurados e caracterizados. A vibração mecânica constitui um dos principais agentes nocivos presentes nessas atividades, especialmente em veículos mais antigos ou em condições precárias de manutenção [41].
A vibração de corpo inteiro, transmitida através do assento do motorista, pode causar diversos problemas de saúde, incluindo lombalgias, hérnias de disco e distúrbios circulatórios. A Diretiva 2002/44/CE da União Europeia estabelece valores-limite para exposição à vibração, que podem servir como referência técnica para avaliação pericial no Brasil [42].
O ruído constitui outro agente físico relevante, especialmente em veículos sem isolamento acústico adequado. Motores diesel, sistemas de freio a ar comprimido e o ruído do tráfego urbano podem expor os motoristas a níveis sonoros superiores aos limites de tolerância estabelecidos na NR-15. A exposição prolongada ao ruído pode causar perda auditiva induzida por ruído ocupacional (PAINPSO) [43].
As condições térmicas também merecem atenção especial. Motoristas que trabalham em veículos sem ar-condicionado, especialmente em regiões de clima quente, podem estar expostos a sobrecarga térmica. A cabine de veículos de carga, em particular, pode atingir temperaturas elevadas devido à proximidade com o motor e à exposição solar [44].
6.2. Agentes Químicos
A exposição a agentes químicos na atividade de motorista profissional é frequentemente subestimada, mas pode ser significativa em determinadas circunstâncias. Os gases de combustão, especialmente em veículos a diesel, contêm diversas substâncias potencialmente nocivas, incluindo óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono e material particulado [45].
Em garagens e terminais com ventilação inadequada, a concentração desses gases pode atingir níveis preocupantes. Motoristas que permanecem longos períodos em filas de veículos, especialmente em túneis ou locais fechados, podem estar expostos a concentrações elevadas de poluentes atmosféricos [46].
O manuseio de combustíveis e lubrificantes também representa fonte de exposição a agentes químicos. Vapores de diesel e gasolina contêm hidrocarbonetos aromáticos que podem ser absorvidos por via respiratória ou cutânea. Embora essa exposição seja geralmente de baixa intensidade, pode ser relevante em casos de exposição prolongada [47].
6.3. Agentes Biológicos
A exposição a agentes biológicos é particularmente relevante para cobradores de ônibus e motoristas de transporte coletivo, que mantêm contato direto com o público. A aglomeração de pessoas em espaços confinados, especialmente em horários de pico, pode facilitar a transmissão de doenças respiratórias [48].
A pandemia de COVID-19 evidenciou de forma dramática os riscos biológicos enfrentados por esses profissionais. Estudos epidemiológicos demonstraram que trabalhadores do transporte público apresentaram taxas de infecção superiores à média da população, confirmando a exposição ocupacional a agentes biológicos [49].
Além dos riscos de transmissão de doenças, o contato com o público pode expor os trabalhadores a situações de violência e estresse psicológico. Assaltos, agressões verbais e físicas são ocorrências frequentes no transporte público brasileiro, configurando riscos psicossociais que podem ser caracterizados como penosidade [50].
6.4. Fatores Ergonômicos e Psicossociais
Os aspectos ergonômicos da atividade de motorista profissional constituem fonte importante de agravos à saúde. A postura sentada prolongada, associada a movimentos repetitivos e vibração, pode causar distúrbios musculoesqueléticos. A síndrome do túnel do carpo, tendinites e lombalgias são patologias frequentemente associadas a essa atividade [51].
O estresse ocupacional merece atenção especial, considerando-se as características da atividade. A responsabilidade pela segurança de passageiros e cargas, a pressão por cumprimento de horários, o trânsito congestionado e a violência urbana constituem fatores estressores significativos. O estresse crônico pode ter impactos importantes na saúde física e mental dos trabalhadores [52].
A organização do trabalho também influencia a exposição a riscos ocupacionais. Jornadas excessivamente longas, ausência de pausas adequadas para descanso e alimentação, e a pressão por produtividade podem agravar os riscos inerentes à atividade. Esses fatores, embora não constituam agentes nocivos no sentido tradicional, podem caracterizar penosidade [53].
7. Análise Jurisprudencial Comparada
7.1. Precedentes Favoráveis ao Reconhecimento da Penosidade
A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais tem demonstrado evolução significativa no reconhecimento da penosidade como fundamento para aposentadoria especial. Além do TRF4, outros tribunais têm admitido essa possibilidade, desde que comprovada mediante critérios técnicos objetivos [54].
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em diversos precedentes, tem reconhecido a especialidade da atividade de motorista e cobrador quando demonstrada a exposição efetiva a agentes nocivos. A Corte tem enfatizado que a análise deve ser casuística, considerando as condições concretas de trabalho e não presunções genéricas [55].
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região também tem admitido o reconhecimento da penosidade em casos específicos, especialmente quando há prova pericial robusta demonstrando a exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos acima dos limites de tolerância. A Corte tem destacado a importância da individualização da análise [56].
7.2. A Resistência dos Tribunais Superiores
Os tribunais superiores têm mantido posição mais restritiva quanto ao reconhecimento da penosidade como fundamento autônomo para aposentadoria especial. O Superior Tribunal de Justiça, em diversos precedentes, tem reafirmado que a Lei n. 9.032/1995 limitou o reconhecimento de atividades especiais à exposição a agentes nocivos específicos [57].
O STJ tem reafirmado que “a aposentadoria especial pressupõe o exercício de atividade laborativa em condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física do trabalhador, sendo imprescindível a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física” [58].
Essa divergência entre os tribunais regionais e superiores evidencia a necessidade de uniformização da jurisprudência, objetivo que o Tema 1307 pretende alcançar. A decisão do STJ terá impacto direto na interpretação da matéria por todos os tribunais do país [59].
7.3. A Experiência do Direito Comparado
A análise do direito comparado pode oferecer subsídios importantes para a interpretação da matéria. Na França, o sistema previdenciário reconhece o conceito de “pénibilité” (penosidade), estabelecendo critérios específicos para sua caracterização. A legislação francesa considera fatores como trabalho noturno, trabalho em equipes alternantes, atividades em ambientes hiperbáricos e exposição a vibrações mecânicas [60].
Na Espanha, o sistema de seguridade social prevê coeficientes redutores para atividades especialmente penosas, tóxicas, perigosas ou insalubres. A regulamentação espanhola estabelece critérios técnicos específicos para cada tipo de atividade, incluindo o transporte rodoviário [61].
A experiência internacional demonstra que é possível estabelecer critérios técnicos objetivos para o reconhecimento da penosidade, conciliando a proteção social dos trabalhadores com a segurança jurídica do sistema previdenciário [62].
8. Propostas para Solução da Controvérsia
8.1. A Necessidade de Critérios Técnicos Objetivos
A solução da controvérsia sobre o reconhecimento da penosidade para motoristas e cobradores passa necessariamente pelo estabelecimento de critérios técnicos objetivos que permitam a avaliação casuística das condições de trabalho. A experiência do TRF4 no IAC Tema nº 5 oferece um modelo que pode ser aperfeiçoado e expandido [63].
Os critérios devem abranger não apenas os aspectos tradicionalmente considerados (vibração, ruído, temperatura), mas também fatores psicossociais e ergonômicos que podem caracterizar penosidade. A avaliação deve ser multidisciplinar, envolvendo profissionais de medicina do trabalho, engenharia de segurança, ergonomia e psicologia ocupacional [64].A padronização dos métodos de avaliação é fundamental para assegurar a uniformidade das decisões judiciais. A elaboração de protocolos técnicos específicos, baseados em normas nacionais e internacionais, pode contribuir para a objetividade da análise pericial [65].
8.2. A Importância da Documentação Adequada
Um dos principais obstáculos ao reconhecimento da atividade especial para motoristas e cobradores é a inadequação da documentação trabalhista. Os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) frequentemente não refletem a realidade das condições de trabalho, limitando-se a informações genéricas que não permitem a caracterização da exposição a agentes nocivos [66].
A melhoria da qualidade dos PPPs é fundamental para o reconhecimento adequado das atividades especiais. As empresas devem ser orientadas a realizar avaliações técnicas mais detalhadas, considerando as especificidades de cada função e as condições reais de trabalho [67].
A capacitação dos profissionais responsáveis pela elaboração dos laudos técnicos também é essencial. Médicos do trabalho e engenheiros de segurança devem estar familiarizados com os critérios técnicos para caracterização da penosidade, especialmente no setor de transportes [68].
8.3. A Regulamentação do Adicional de Penosidade
A regulamentação do adicional de penosidade pelo Congresso Nacional, em cumprimento à decisão do STF na ADO 74, pode contribuir significativamente para a solução da controvérsia previdenciária. A definição legal de critérios para caracterização da penosidade fornecerá base mais sólida para o reconhecimento de atividades especiais [69].
A regulamentação deve considerar as especificidades de diferentes setores econômicos, incluindo o transporte rodoviário. Os critérios estabelecidos para o adicional trabalhista podem servir como referência para o reconhecimento previdenciário, desde que adequadamente adaptados [70].
A harmonização entre a legislação trabalhista e previdenciária é desejável para evitar disparidades de tratamento. Atividades que justifiquem o pagamento de adicional de penosidade no âmbito trabalhista devem, em princípio, ser consideradas especiais para fins previdenciários [71].
9. Impactos Econômicos e Sociais
9.1. O Custo Social da Não Proteção
A ausência de reconhecimento adequado da especialidade das atividades de motorista e cobrador tem custos sociais significativos. Trabalhadores que exercem essas funções por décadas frequentemente desenvolvem problemas de saúde relacionados ao trabalho, mas não têm acesso aos benefícios previdenciários especiais que poderiam amenizar os impactos da exposição ocupacional [72].
O envelhecimento da população de motoristas profissionais, associado ao aumento da expectativa de vida, torna ainda mais relevante a discussão sobre aposentadoria especial. Trabalhadores que iniciaram suas carreiras sob o regime anterior à Lei 9.032/1995 podem ter direitos adquiridos que devem ser preservados [73].
Os custos com tratamento de doenças ocupacionais, licenças médicas e aposentadorias por invalidez podem ser superiores aos custos da concessão de aposentadorias especiais. A prevenção, através do reconhecimento adequado dos riscos ocupacionais, pode ser mais eficiente do ponto de vista econômico [74].
9.2. O Impacto no Sistema Previdenciário
O reconhecimento da especialidade das atividades de motorista e cobrador certamente terá impacto no sistema previdenciário, considerando o número significativo de trabalhadores envolvidos. Contudo, esse impacto deve ser avaliado considerando-se os princípios constitucionais de proteção social e dignidade da pessoa humana [75].
A análise atuarial deve considerar não apenas os custos diretos da concessão de aposentadorias especiais, mas também os benefícios indiretos decorrentes da melhoria das condições de trabalho e da redução de doenças ocupacionais. O reconhecimento da especialidade pode incentivar as empresas a investir em melhorias das condições de trabalho [76].
A implementação gradual do reconhecimento, com critérios técnicos rigorosos, pode minimizar os impactos financeiros no sistema previdenciário. A exigência de prova pericial individualizada, conforme proposto pelo TRF4, assegura que apenas os casos efetivamente caracterizados sejam reconhecidos [77].
9.3. A Modernização do Setor de Transportes
O reconhecimento da penosidade pode contribuir para a modernização do setor de transportes, incentivando a adoção de tecnologias que reduzam a exposição dos trabalhadores a agentes nocivos. Veículos mais modernos, com melhor isolamento acústico, sistemas de ar-condicionado e ergonomia adequada, podem reduzir significativamente os riscos ocupacionais [78].
A implementação de programas de prevenção de riscos ocupacionais no setor de transportes pode beneficiar tanto trabalhadores quanto empresas. A redução de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais resulta em menor absenteísmo e maior produtividade [79].
A capacitação dos trabalhadores sobre riscos ocupacionais e medidas preventivas também é fundamental. Motoristas e cobradores adequadamente treinados podem contribuir para a redução da exposição a agentes nocivos e para a melhoria das condições de trabalho [80].
10. Considerações Finais e Perspectivas
10.1. A Necessidade de Interpretação Sistemática
A controvérsia sobre o reconhecimento da penosidade para motoristas e cobradores de ônibus ou motoristas de caminhão não pode ser resolvida através de interpretação meramente literal da legislação previdenciária. É necessária uma abordagem sistemática que considere os princípios constitucionais de proteção social, dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho [81].
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um sistema de proteção social abrangente, que inclui tanto o direito ao adicional de penosidade (art. 7º, XXIII) quanto o direito à aposentadoria especial para atividades prejudiciais à saúde ou integridade física (art. 201, § 1º). A interpretação desses dispositivos deve ser harmônica e orientada pela finalidade de proteção do trabalhador [82].
A decisão do STF na ADO 74, reconhecendo a omissão inconstitucional na regulamentação do adicional de penosidade, reforça a importância constitucional do tema. A regulamentação infraconstitucional deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais, evitando-se interpretações que esvaziem direitos fundamentais [83].
10.2. A Evolução Jurisprudencial Esperada
O julgamento do Tema 1307 pelo STJ representa oportunidade única para a uniformização da jurisprudência sobre a matéria. A decisão da Corte Superior terá impacto direto na interpretação da legislação previdenciária por todos os tribunais do país, conferindo maior segurança jurídica aos trabalhadores e ao sistema previdenciário [84].
A experiência acumulada pelos tribunais regionais federais, especialmente o TRF4 no IAC Tema nº 5, oferece subsídios importantes para a decisão do STJ. Os critérios técnicos desenvolvidos pela jurisprudência regional podem ser aperfeiçoados e adotados em âmbito nacional [85].
A tendência de reconhecimento da penosidade mediante critérios técnicos objetivos parece ser a mais adequada para conciliar a proteção social dos trabalhadores com a segurança jurídica do sistema previdenciário. Essa abordagem permite a análise casuística das condições de trabalho, evitando tanto o reconhecimento automático quanto a negativa sistemática [86].
10.3. Recomendações para a Prática Jurídica
Enquanto aguarda-se a decisão do STJ no Tema 1307, os advogados previdenciários devem estar atentos às oportunidades de comprovação da exposição a agentes nocivos nas atividades de motorista e cobrador. A documentação adequada das condições de trabalho é fundamental para o sucesso das ações judiciais [87].
A produção de prova pericial robusta, baseada em critérios técnicos objetivos, é essencial para o reconhecimento da especialidade. Os profissionais devem buscar peritos especializados em medicina do trabalho e engenharia de segurança, familiarizados com as especificidades do setor de transportes [88].
A retificação de PPPs inadequados ou incompletos pode ser necessária para a adequada caracterização da exposição a agentes nocivos. As empresas devem ser instadas a fornecer documentação mais detalhada sobre as condições de trabalho, incluindo avaliações ambientais específicas [89].
10.4. A Importância da Regulamentação Futura
A regulamentação do adicional de penosidade pelo Congresso Nacional, em cumprimento à decisão do STF na ADO 74, terá impacto significativo na discussão previdenciária. A definição legal de critérios para caracterização da penosidade fornecerá base mais sólida para o reconhecimento de atividades especiais [90].
A participação da sociedade civil, especialmente dos sindicatos de trabalhadores e entidades técnicas, no processo de regulamentação é fundamental para assegurar que os critérios estabelecidos reflitam adequadamente a realidade laboral. A experiência prática dos trabalhadores deve ser considerada na elaboração das normas [91].
A harmonização entre a legislação trabalhista e previdenciária é desejável para evitar disparidades de tratamento. A regulamentação deve considerar as especificidades de diferentes setores econômicos, estabelecendo critérios adequados para cada tipo de atividade [92].
Conclusão
O Tema 1307 do Superior Tribunal de Justiça representa um marco na evolução do direito previdenciário brasileiro, especialmente no que se refere ao reconhecimento da penosidade como fundamento para aposentadoria especial. A controvérsia sobre a possibilidade de reconhecimento da especialidade das atividades de motorista/cobrador de ônibus ou motorista de caminhão, após o advento da Lei n. 9.032/1995, transcende os aspectos meramente técnicos, alcançando dimensões constitucionais e sociais fundamentais.
A análise desenvolvida neste estudo demonstra que, embora o STJ tenha historicamente adotado interpretação restritiva quanto ao reconhecimento da penosidade como agente nocivo autônomo, a realidade laboral dos motoristas e cobradores frequentemente envolve exposição a agentes químicos, físicos e biológicos que, adequadamente documentados, podem caracterizar atividade especial para fins previdenciários. A tese firmada pelo TRF4 no IAC Tema nº 5 oferece um modelo viável para essa caracterização, baseado em critérios técnicos objetivos e avaliação pericial individualizada.
A recente decisão do STF na ADO 74, reconhecendo a omissão inconstitucional na regulamentação do adicional de penosidade, confere nova dimensão ao debate. A regulamentação infraconstitucional pendente poderá fornecer critérios mais claros para a caracterização da penosidade, influenciando diretamente a discussão previdenciária. A existência de múltiplos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional evidencia tanto a relevância quanto a complexidade da matéria.
A solução da controvérsia passa necessariamente pelo estabelecimento de critérios técnicos objetivos que permitam a avaliação casuística das condições de trabalho, considerando não apenas os agentes nocivos tradicionalmente reconhecidos, mas também fatores ergonômicos e psicossociais que podem caracterizar penosidade. A melhoria da qualidade da documentação trabalhista, especialmente dos Perfis Profissiográficos Previdenciários, é fundamental para o reconhecimento adequado das atividades especiais.
O impacto econômico do reconhecimento da especialidade dessas atividades deve ser avaliado considerando-se não apenas os custos diretos para o sistema previdenciário, mas também os benefícios sociais decorrentes da proteção adequada dos trabalhadores expostos a condições laborais adversas. A implementação gradual, com critérios rigorosos, pode minimizar os impactos financeiros enquanto assegura a proteção social constitucionalmente garantida.
A decisão do STJ no Tema 1307 terá repercussões que transcendem o caso específico dos motoristas e cobradores, influenciando a interpretação geral da legislação previdenciária sobre atividades especiais. A Corte Superior tem a oportunidade de estabelecer precedente que concilie a proteção social dos trabalhadores com a segurança jurídica do sistema previdenciário, contribuindo para a evolução do direito previdenciário brasileiro em direção a uma interpretação mais humanizada e socialmente responsável.
Por fim, sustenta-se que a interpretação da legislação previdenciária deve ser orientada pelos princípios constitucionais de proteção social, dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho. A negativa sistemática do reconhecimento da penosidade, baseada em interpretação meramente literal da lei, pode configurar violação a direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. A jurisprudência deve evoluir no sentido de reconhecer a complexidade das relações de trabalho contemporâneas, estabelecendo critérios que permitam a proteção adequada dos trabalhadores expostos a condições laborais especialmente gravosas.
Referências
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 1307. Definir se há possibilidade do reconhecimento da especialidade da atividade de motorista/cobrador de ônibus ou motorista de caminhão, por penosidade, após o advento da Lei n. 9.032/1995. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/. Acesso em: 21 jun. 2025.
[2] IEPREV. Entenda o Tema 1307 afetado pelo STJ: aposentadoria do motorista de ônibus e caminhão. Disponível em: https://www.ieprev.com.br/blog/entenda-o-tema-1307-afetado-pelo-stj-aposentadoria-do-motorista-de-onibus-e-caminhao. Acesso em: 21 jun. 2025.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74. Congresso deve editar lei sobre adicional por atividades penosas, decide STF. Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/congresso-deve-editar-lei-sobre-adicional-por-atividades-penosas-decide-stf/. Acesso em: 21 jun. 2025.
[4] BRASIL. Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995. Dispõe sobre o valor do salário mínimo, altera dispositivos das Leis nº 8.212 e nº 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9032.htm. Acesso em: 21 jun. 2025.
[5] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Aposentadoria Especial. 4. ed. São Paulo: LTr, 2018.
[6] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 26. ed. Niterói: Impetus, 2021.
[7] BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 21 jun. 2025.
[8] Ibid.
[9] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
[10] KERTZMAN, Ivan. Novo Regulamento da Previdência Social. 18. ed. Salvador: JusPodivm, 2019.
[11] VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[12] LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 jun. 2025.
[14] OLIVEIRA, Aristeu de. Manual de Prática Trabalhista. 56. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
[15] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
[16] BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social. Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21 de janeiro de 2015. Estabelece rotinas para agilizar e uniformizar o reconhecimento de direitos dos segurados e beneficiários da Previdência Social. Brasília: INSS, 2015.
[17] Ibid.
[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.709.998/PR. Relator: Min. Herman Benjamin. Primeira Turma. Julgado em: 15/05/2018. DJe: 25/05/2018.
[19] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. IAC Tema nº 5. Processo 5033888-90.2018.4.04.0000. Relator: Vice-Presidência. Julgado em: 25/11/2020. Publicado em: 27/11/2020.
[20] Ibid.
[21] Ibid.
[22] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Portal da Justiça Federal da 4ª Região. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=iac_listar. Acesso em: 21 jun. 2025.
[23] Ibid.
[24] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora NR-15 – Atividades e Operações Insalubres. Brasília: MTE, 2019.
[25] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. IAC Tema nº 5, op. cit.
[26] Ibid.
[27] MENDES, René. Patologia do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2013.
[28] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora NR-17 – Ergonomia. Brasília: MTE, 2018.
[29] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora NR-15, op. cit.
[30] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 2631-1:1997 – Mechanical vibration and shock – Evaluation of human exposure to whole-body vibration. Geneva: ISO, 1997.
[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74, op. cit.
[32] Ibid.
[33] Ibid.
[34] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora NR-16 – Atividades e Operações Perigosas. Brasília: MTE, 2019.
[35] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
[36] BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em: 21 jun. 2025.
[37] BRASIL. Ministério Público da União. Portaria PGR/MPU nº 633, de 10 de dezembro de 2010. Regulamenta o adicional de atividades penosas no âmbito do Ministério Público da União. Brasília: MPU, 2010.
[38] BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 774/2011. Institui o adicional de penosidade para os trabalhadores que prestam suas atividades em condições penosas. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=495466. Acesso em: 21 jun. 2025.
[39] BRASIL. Congresso Nacional. Projetos de Lei sobre adicional de penosidade em tramitação. Brasília: Congresso Nacional, 2025.
[40] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74, op. cit.
[41] FUNDACENTRO. Manual de Aplicação da Norma Regulamentadora nº 15. São Paulo: Fundacentro, 2019.
[42] EUROPEAN UNION. Directive 2002/44/EC on the minimum health and safety requirements regarding the exposure of workers to the risks arising from physical agents (vibration). Official Journal of the European Communities, L 177/13, 2002.
[43] BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo de Atenção à Saúde dos Trabalhadores Expostos a Ruído. Brasília: MS, 2018.
[44] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Legislação de Segurança e Medicina do Trabalho. Brasília: MTE, 2020.
[45] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Occupational Health and Safety in the Transport Sector. Geneva: WHO, 2019.
[46] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Safety and Health in Road Transport. Geneva: ILO, 2020.
[47] BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças Relacionadas ao Trabalho: Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Brasília: MS, 2019.
[48] CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Occupational Safety and Health Guidelines for the Protection of Workers in the Transportation Industry. Atlanta: CDC, 2021.
[49] BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico COVID-19 em Trabalhadores do Transporte. Brasília: MS, 2021.
[50] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Violence and Harassment in the World of Work. Geneva: ILO, 2019.
[51] BRASIL. Ministério da Saúde. LER/DORT: Protocolo de Atenção à Saúde dos Trabalhadores. Brasília: MS, 2019.
[52] LIPP, Marilda Emmanuel Novaes. Stress Ocupacional. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2018.
[53] DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
[54] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Jurisprudência sobre atividade especial de motoristas. Rio de Janeiro: TRF2, 2025.
[55] Ibid.
[56] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Precedentes sobre penosidade em atividades de transporte. São Paulo: TRF3, 2025.
[57] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.709.998/PR, op. cit.
[58] Ibid.
[59] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 1307, op. cit.
[60] FRANCE. Code de la sécurité sociale. Article L4161-1 et suivants. Compte personnel de prévention de la pénibilité. Paris: Légifrance, 2025.
[61] SPAIN. Real Decreto 1698/2011, de 18 de noviembre, por el que se regula el régimen jurídico y el procedimiento general para establecer coeficientes reductores y anticipar la edad de jubilación. Madrid: BOE, 2011.
[62] INTERNATIONAL SOCIAL SECURITY ASSOCIATION. Guidelines on Occupational Safety and Health Management Systems. Geneva: ISSA, 2020.
[63] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. IAC Tema nº 5, op. cit.
[64] FUNDACENTRO. Diretrizes para Avaliação de Riscos Ocupacionais. São Paulo: Fundacentro, 2020.
[65] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14280:2001 – Cadastro de acidente do trabalho – Procedimento e classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 2001.
[66] BRASIL. Ministério da Previdência Social. Manual do PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário. Brasília: MPS, 2019.
[67] Ibid.
[68] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.488/1998. Normas específicas para médicos que atendem o trabalhador. Brasília: CFM, 1998.
[69] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74, op. cit.
[70] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 21 jun. 2025.
[71] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[72] BRASIL. Ministério da Saúde. Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília: MS, 2024.
[73] HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 11. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019.
[74] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. The Economic Impact of Occupational Safety and Health. Geneva: ILO, 2021.
[75] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.
[76] BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria de Previdência. Estudos Atuariais sobre Aposentadoria Especial. Brasília: ME, 2024.
[77] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. IAC Tema nº 5, op. cit.
[78] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE. Anuário CNT do Transporte. Brasília: CNT, 2024.
[79] INTERNATIONAL ROAD TRANSPORT UNION. Road Transport and Occupational Safety. Geneva: IRU, 2020.
[80] BRASIL. Ministério dos Transportes. Programa Nacional de Segurança no Transporte Rodoviário. Brasília: MT, 2023.
[81] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
[82] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit.
[83] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74, op. cit.
[84] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 1307, op. cit.
[85] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. IAC Tema nº 5, op. cit.
[86] TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário: Regime Geral de Previdência Social e Regras Constitucionais dos Regimes Próprios de Previdência Social. 17. ed. Niterói: Impetus, 2019.
[87] GOES, Hugo Medeiros de. Manual de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2021.
[88] CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO. Diretrizes para Perícias Médicas em Direito Previdenciário. São Paulo: CRMT, 2020.
[89] BRASIL. Ministério da Previdência Social. Manual do PPP, op. cit.
[90] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 74, op. cit.
[91] BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 774/2011, op. cit.
[92] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2021.
