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Vitória Parcial da Advocacia: A Autonomia dos Honorários em Precatórios e o Caminho para Superar o “Calote Constitucional”
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Por: Dra. Fernanda Carvalho Campos e Macedo, Presidente do IPEDIS e Dr. Giovani Marques Kaheler, Conselheiro Científico de Prerrogativas Profissionais do IPEDIS
Com um olhar atento e crítico sobre o cenário jurídico nacional, o Instituto de Pesquisa e Estudo em Direito e Inovação Social (IPEDIS) celebra uma importante decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em julgamento unânime, o Plenário do CNJ, ao responder a Consulta n. 0007361-92.2023.2.00.0000, ratificou o entendimento de que os honorários advocatícios destacados em precatórios devem ser pagos de forma individualizada, independentemente da adesão ou anuência do credor principal.
Esta decisão, que reforça o disposto na Resolução n. 303/2019 do próprio CNJ, é uma categórica vitória da Advocacia. Ela não apenas protege as prerrogativas profissionais, mas reconhece a autonomia e a natureza alimentar do crédito do advogado, consagrada há tempos no Estatuto da Advocacia e chancelada pela Súmula Vinculante n. 47 do Supremo Tribunal Federal (STF).
O CNJ agora impede formalmente que entes públicos e tribunais criem obstáculos administrativos ilegais, como a exigência de manifestação conjunta entre cliente e patrono para a celebração de acordos diretos.
A Outra Face da Moeda: O Paradoxo dos Precatórios
Ainda que a decisão do CNJ traga alento e segurança jurídica ao advogado, não podemos ignorar a persistência dos graves problemas estruturais no regime de pagamento de dívidas judiciais do Poder Público.
O maior desafio atual reside nas repercussões da Emenda Constitucional 136/2025, derivada da PEC 66/2023 e conhecida como a atual “PEC do Calote nos Precatórios”.
Sob o pretexto de gestão fiscal, esta emenda instituiu um regime excepcional de parcelamento e limitação de gastos, que, na prática, postergou o cumprimento das obrigações do Estado.
Para a advocacia e seus clientes, as consequências são nefastas:
- Mora e Desvalorização: O alongamento forçado dos prazos de pagamento submete o credor a uma espera injusta, desvalorizando o crédito, mesmo com a incidência de juros e correção.
- Insegurança Jurídica: O “calote constitucional” fragiliza a garantia fundamental da coisa julgada, transmitindo a perigosa mensagem de que o Estado pode descumprir suas decisões judiciais por conveniência orçamentária.
- Obstáculos Burocráticos: A complexidade do novo regime cria incerteza e permite a proliferação de atos judiciais e administrativos que tentam, a todo custo, vincular e dificultar o recebimento dos valores, seja do credor principal, seja do advogado.
| A Solução Jurídica para a advocacia : RPV para Honorários Destacados
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Diante de um cenário de espera indefinida, o IPEDIS destaca a necessidade de a Advocacia buscar ativamente mecanismos processuais para garantir o recebimento célere de seus créditos.
Uma das teses jurídicas mais robustas e promissoras é a possibilidade de os honorários advocatícios destacados serem pagos por meio de Requisição de Pequeno Valor (RPV), mesmo que o crédito principal do cliente seja um precatório.
Essa distinção é integralmente possível e encontra amparo na jurisprudência consolidada, baseada no princípio da autonomia dos honorários:
- Natureza Autônoma: Conforme já reconhecido pelo STF e reiterado pela decisão do CNJ, o crédito do advogado (seja contratual destacado ou de sucumbência) possui natureza autônoma e distinta do valor principal devido ao cliente.
- Precedentes Consolidados:
* O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 608, firmou o entendimento de que a natureza do crédito do advogado é individual, e não acessória.
* A Súmula Vinculante n. 47 do STF assegura que os honorários advocatícios, incluídos na condenação ou destacados por meio da cessão de crédito, pertencem ao advogado, reafirmando sua independência.
Como funciona a solução na prática?
Se o valor dos honorários advocatícios (contratuais ou de sucumbência) não exceder o limite legal para RPV (geralmente 60 salários-mínimos na esfera federal e limites variáveis para estados e municípios), o advogado pode requerer que seu crédito seja expedido como RPV.
Dessa forma, a dívida do ente público é fracionada em duas requisições distintas: o valor principal do cliente (que permanece como precatório, sujeito ao regime do “calote”) e o valor dos honorários do advogado (que é expedido como RPV e pago em prazo muito mais curto).
Um Chamado à Ação
A recente decisão do CNJ é um farol de luz na defesa das prerrogativas. Contudo, é nosso dever ir além. A Advocacia deve transformar o reconhecimento da autonomia de seu crédito em efetividade e rapidez de recebimento.
O IPEDIS conclama os advogados a utilizarem o arcabouço legal já existente – Tema 608/STJ, Súmula Vinculante 47/STF e a própria Resolução 303/2019 do CNJ – para fundamentar o direito ao pagamento dos honorários destacados via RPV, mitigando os efeitos da morosidade e do “calote constitucional”.
Estamos todos nós, advogados, sensíveis a causa dos nossos clientes que são os credores do crédito e que amargarão mais esse dano de ter que esperar mais tempo pelo que é seu por direito.
Certamente, a declaração da inconstitucionalidade da “EC do calote” deve continuar sendo a nossa pauta de luta ( http://www.oab.org.br/noticia/63398/oab-propoe-acao-contra-calote-nos-precatorios).
Entretanto, isso não impede que lutemos pelo nosso crédito de caráter alimentar de forma apartada . A luta pela justiça não deve terminar na prolação da sentença ou do acórdão , conforme o caso. Ela deve se completar na expedição do crédito da parte vencedora e dos honorários do advogado.
Inclusive, o Conselho Federal da OAB protocolou, em abril deste ano, no Supremo Tribunal Federal (STF), Proposta de Revisão do Enunciado da Súmula Vinculante n. 47. O pedido teve como fundamento a existência de decisões conflitantes a respeito do tema.
A Súmula, de 2015, editada por iniciativa do CFOAB, afirma que os honorários advocatícios, incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor, têm natureza alimentar e que sua satisfação ocorrerá com expedição de precatório ou requisição de pequeno valor.
A OAB ressaltou, no expediente mencionado, que o verbete permite uma interpretação dúbia, não determinando, necessariamente, a obrigação do pagamento dos honorários destacados do montante principal. Nas palavras do Conselheiro Federal: “A proposta de revisão justifica-se em virtude uma situação recorrente nos tribunais federais pátrios, sobretudo nas causas previdenciárias, consistente na negativa de pedido de destaque da verba honorária pelo advogado patrocinador da causa, ou seja, nesses casos, o causídico deve aguardar até o cliente receber o precatório para, somente então ter acesso ao seu honorário”.
Na ação, o CFOAB defende que tal situação contraria a natureza jurídica autônoma dos honorários advocatícios, bem como viola o caráter alimentar da verba, preconizados pelo Estatuto da Advocacia e pelo próprio Código Civil e propõe nova redação, qual seja: “Os honorários advocatícios, incluídos na condenação ou arbitrados em contrato que cumpra a forma da lei, podem ser destacados do montante principal devido ao credor e consubstanciam verba de natureza alimentar e autônoma, cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza“.
A pasta de Prerrogativas do IPEDIS está atenta aos movimentos e apoia os Conselhos de Classe no que for justo e legítimo no interesse das categorias de trabalhadores, especialmente, neste caso, dos advogados, os quais cumprem função social de extrema relevância no Estado Democrático de Direito.
