ARTIGO DE OPINIÃO
PARCELAS ATRASADAS DO INSS E RETROAÇÃO DA DER: O QUE ESTÁ EM JOGO NO JULGAMENTO DO TEMA 1124 DO STJ?
Por: Alan da Costa Macedo[1]
Os previdenciaristas estão, literalmente, “de cabelos em pé” e com os olhos atentos e “esbugalhados” para o julgamento do Tema 1.124 do Superior Tribunal de Justiça ( STJ).
Sim, meus amigos, há quem diga que se trata da matéria mais importante para os advogados previdenciaristas nos últimos tempos, sendo até mais importante do que a Revisão da Vida Toda.
Essa discussão sobre a retroação da Data de Entrada do Requerimento (DER) e o interesse de agir nos processos previdenciários é complexa e levanta muitos pontos de debate. Para uma análise mais detalhada e esclarecedora sobre o impacto do Tema 1124 do STJ, gravamos um podcast dedicado a esse assunto, no qual exploramos as implicações práticas para os advogados e segurados. Ouça aqui.
Há muito tempo, o INSS vem repisando o argumento da falta de interesse processual daquele que junta documento nos autos do processo judicial sem que tal documento tenha sido apresentado na via administrativa. A Autarquia previdenciária traz, como sustentáculo desta tese, a malfadada alegação de “indeferimento forçado”.
Pois bem, o INSS faz o que sempre fez: não cumpre a Lei 9.784/99 e depois, em juizo, alega que era ônus do segurado (hipossuficiente) trazer todas as provas que dispunha por ocasião do processo administrativo, sem as quais não haveria interesse de agir.
O jus sperniandi do INSS a gente já conhecia e a jurisprudência dos Tribunais de segunda instância e, também, a do STJ, já haviam afastado tal argumento, sob a seguinte perspectiva : “ a comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria” (Pet 9.582/2015, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 16/09/2015, grifou-se).
Tratava-se de jurisprudência consolidada, meus amigos. Jurisprudência pacificada. Entretanto, o INSS continuava insistindo e insistiu tanto que conseguiu a afetação da matéria, no primeiro momento, tendo sido a controvérsia se delimitado, originalmente, da seguinte forma: “Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária”.
Em seguida, questão de ordem levantada pelo Ministro Herman Benjamin, no REsp nº 1.905.830/SP, resultou alteração na delimitação do tema 1124 e na redação para: “Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
As razões do Ministro Herman Benjamin foram as seguintes, em síntese:
(…) Afinal, o INSS tem o dever legal de conceder, à luz dos elementos fáticos de que teve conhecimento, a melhor prestação possível ao segurado. A rigor, há aqui uma ação administrativa prévia a ser objeto de controle judicial: a irregularidade da concessão original do benefício a ser revisado, ou da cessação do benefício a ser restabelecido/mantido. Em contrapartida, se a revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido depender de matéria de fato alheia ao conhecimento do INSS, caberá ao segurado levar os fatos ao conhecimento da autarquia previdenciária, por meio de documentos a serem veiculados em requerimento administrativo específico. Somente no caso de indeferimento dessa postulação surgirá o interesse de agir. Diante desse quadro, fica claro que o Tema n. 350 não se compraz com uma perspectiva que considera o requerimento administrativo mera formalidade a ser superada para viabilizar o acesso à via judicial. Por isso, requerimentos indeferidos por faltas exclusivas do segurado – como a ausência à perícia ou a omissão na juntada de documento solicitado pela autarquia – não são aptos a caracterizar o interesse de agir. Tampouco indeferimentos motivados na não apresentação injustificada de documentos obrigatórios ao requerimento administrativo, como a autodeclaração do segurado especial ou a inscrição no Cadastro Único, respectivamente, para benefícios rurais e benefícios de prestação continuada. A propósito, assinalo que a Lei de Processo Administrativo Federal prevê direitos, mas também deveres ao administrado: expor os fatos conforme a verdade; proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; não agir de modo temerário, prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos (art. 4º da Lei 9.784/1999). Com essas considerações, cumpre enfrentar diretamente os termos em que delimitado o tema. A controvérsia refere aos casos em que o segurado propõe demanda judicial instruindo-a com provas que não foram apresentadas ao INSS, por ocasião do requerimento administrativo. Daí, discute se o pagamento do benefício deve contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária. (grifamos)
Como se vê, a premissa que deu sustentáculo ao argumento do Eminente Ministro Herman Benjamim (“a Lei de Processo Administrativo Federal prevê direitos, mas também deveres ao administrado: expor os fatos conforme a verdade; proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; não agir de modo temerário, prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos- art. 4º da Lei 9.784/1999”) também geram muitos contrapontos a reclamar simetria, coerência e integridade.
O segurado da previdência social é notoriamente hipossuficiente em relação à Autarquia Previdenciária. No mesmo sentido são todos os administrados da Administração Pública Federal, que goza de inúmeras prerrogativas processuais, poder requisitório, investigatório e muita logística na produção das provas.
Não por outro motivo que a Lei 9.784/99 (Lei do processo administrativo federal), citada pelo próprio Ministro Herman Benjamim, consagra os seguintes postulados, que guardam pertinência com o que ora se discute:
Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias.
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- 1o O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo.
- 2o Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes.
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(…)
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.
Art. 37. Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias.
Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.
Parágrafo único. Não sendo atendida a intimação, poderá o órgão competente, se entender relevante a matéria, suprir de ofício a omissão, não se eximindo de proferir a decisão.
(…)
Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
(…)
Art. 44. Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado”. (grifos nossos)
Teleologicamente, é fácil identificar que o legislador, nas linhas acima, ao prever a hipossuficiência do cidadão em face do Estado Administrador, consagrou o dever do órgão público federal de “facilitar as coisas” para o alcance da “verdade possível” processual.
A Lei 9.784/99 prevê, expressamente, o dever de instruir o feito “de ofício” pela Administração Pública Federal e lhe gera comandos igualmente expressos no sentido de que o administrado deve ter ciência do que precisa ser anexado aos processos para que o seu pedido seja adequadamente analisado e lhe seja dada uma decisão justa, motivada e fundamentada.
O fato é que, na maioria dos casos, o INSS não orienta o segurado no sentido de que precisa trazer de documentos (essenciais), não abre exigências detalhadas, informando quais provas podem ser úteis ao reconhecimento do direito e, principalmente, não toma providências instrutórias “de ofício”, como, por exemplo, a intimação de terceiros (empregadores) para que forneçam informações (Art. 39 da Lei 9.784/99) necessárias ao esclarecimento dos fatos.
Vejamos os casos hipotéticos trazidos pelo Ministro Herman Benjamim em sua “questão de ordem” acima mencionada:
Inicio a análise com casos hipotéticos: suponhamos um requerimento administrativo de aposentadoria rural por idade em que o segurado não tenha apresentado qualquer prova do efetivo exercício da atividade campesina; ou um requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição em que o segurado pretende o reconhecimento de trabalho sujeito a condições especiais, mas não apresenta PPP, ou qualquer outro documento para comprovar a atividade prejudicial à saúde. Ao apreciar o requerimento, o INSS o indefere. De posse do indeferimento, o segurado ajuíza a demanda postulando a concessão judicial do benefício, instruindo-a, desta feita, com prova documental da atividade rural robusta, suficiente à concessão do benefício; ou, no segundo caso, com o PPP pertinente ao tempo especial. Pelos termos em que delimitado o tema, nos casos hipotéticos acima, a discussão se restringiria a determinar se o benefício seria pago a contar da data do requerimento administrativo, ou da citação da autarquia previdenciária. No entanto, é preciso perguntar: há interesse de agir nesses casos? A conduta do INSS caracterizou, efetivamente, ameaça ou lesão a direito? Penso que essa pergunta precisa ser respondida por esta Corte. (grifou-se)
Ora, há um equívoco fácil de se observar na premissa e na conclusão do eminente Ministro. Se o segurado (hipossuficiente), sem advogado, vai ao INSS para requerer um benefício, o servidor que o atende deve orientá-lo sobre o melhor benefício a que faz jus ou mesmo as condições e requisitos (idade, documentos necessários a fazer prova do que alega, etc.) para a obtenção do direito não é mesmo?
A Lei 8.213/91, em seu art. 88, caput e §2º estabelecendo deveres do INSS, de orientar (esclarecer), instruir (estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas) e impulsionar (intervenção técnica e assistência de natureza jurídica) o processo administrativo, senão vejamos os mencionados dispositivos legais:
Art. 88. Compete ao Serviço Social esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade.
(…)
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- 2º Para assegurar o efetivo atendimento dos usuários serão utilizadas intervenção técnica, assistência de natureza jurídica, ajuda material, recursos sociais, intercâmbio com empresas e pesquisa social, inclusive mediante celebração de convênios, acordos ou contratos. (grifou-se)
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O dever de orientação do INSS decorre do consagrado caráter social da previdência social e isso já foi discutido e pacificado no âmbito do próprio STJ (REsp: 1653352 RS 2017/0028068-1, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Publicação: DJ 21/02/2019).
Como muito bem pontuado por Diego Henrique Schuster[2] (2024), inúmeros dispositivos de normas regulamentares do próprio INSS ( Arts. 582. §único, Art., 286, §§1º e 2º, Art. 587, I e II, Art., 589, §§§1º, 2ª e3º da IN 128/2022, reforçam a ideia de que “elementos ou fatos novos não se confundem com prova nova (fato velho)… Antes de qualquer outra análise, contudo, cumpre observar que uma coisa é o requerente não fornecer um documento por desleixo e/ou não se desincumbir do ônus de requerer determinado documento junto à empresa, depois de exigência formal; outra, muito distinta, é ele não ser orientado sobre a possibilidade de reconhecimento, como tempo de serviço (comum, rural ou especial), de um determinado período e/ou quais os documentos exigidos para a sua comprovação”. (grifou-se)
A inteligência dos Arts. 29, Caput, §2º, c/c Arts. 36, 37, 38, 39, caput e §único, 41 e 44 da Lei 9.784/99, alhures transcritos nos permite dizer, com segurança que:
“os fatos trazidos pelo segurado devem ser relatados/transcritos para que após tal descrição, o servidor do INSS, a partir de uma intimação formal, o oriente sobre os possíveis benefícios a que faz jus e lhe informe quais são as provas essenciais para obtenção do direito, podendo, inclusive, supri-las se for muito oneroso para o segurado a obtenção daquelas”.
Como dito, somente a partir das devidas “orientações” e abertura de prazos para comprovar fatos a partir de exigências razoáveis (pouco onerosas) ao segurado é que o INSS poderia decidir; e não como, em linhas resumidas, disse o Ministro do STJ na questão de ordem apresentada.
Não funciona assim: o segurado pede verbalmente algo, anexa apenas documentos de identificação e “pimba”, já está tudo pronto para a decisão.
Em primeiro lugar, na maioria das vezes o segurado sequer faz um requerimento formal, com descrição fática e de direito, como fazem aqueles que estão acompanhados por advogado.
Em segundo lugar, antes da tomada de decisão, o INSS tem o dever legal de apurar qual o melhor benefício a que o segurado faria jus e intimá-lo da documentação necessária para alcançar aquele direito.
Quando o eminente Ministro dá como o exemplo o pedido de aposentadoria do trabalhador rural e de BPC, a situação fica ainda pior. No caso do trabalhador rural, a maioria acredita que basta ter atingido uma determinada idade e declarar que é trabalhador rural como condição suficiente à concessão do direito. Noutros casos, ao receber informações de “despachantes” (com os piores níveis de instrução e formação), apresentam documentos que nada provam sobre os fatos alegados.
E qual seria a obrigação do INSS nesses casos para que, aí sim, ficasse eventualmente evidenciada a falta de interesse de agir: uma intimação clara, expressa e detalhada sobre as providências que o segurado deve tomar para obtenção do direito. A forma dessa intimação está expressa no Capitulo “Da comunicação dos Atos” da Lei 9784/99, cujos artigos seguem a seguir transcritos:
“Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
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- 1oA intimação deverá conter:
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I – identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;
II – Finalidade da intimação;
III – data, hora e local em que deve comparecer;
IV – Se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;
V – Informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;
VI – Indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
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- 5oAs intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.
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Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.
Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.
Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.” (grifos nossos)
Quanto ao PPP exemplificado pelo Ministro Herman Benjamin na questão de ordem suscitada, são inúmeros casos em que a CTPS já toda a indicação de que o segurado trabalhou em condições insalubres e o INSS não abre qualquer exigência para que o segurado apresente a mencionada documentação, mesmo havendo a obrigação legal e expressa da fiscalização sobre a atividade do empregador na elaboração do referido documento.
De acordo com a legislação previdenciária, é incumbência do empregador preencher corretamente o PPP e fornecer as informações ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O Decreto nº 3.048/1999, que regulamenta a Previdência Social, estabelece que o empregador deve fornecer o PPP ao empregado em caso de desligamento e, periodicamente, ao INSS para fins de fiscalização.
É certo que o ônus da apresentação do PPP é do segurado, porém ele tem que ser, minimamente, informado que precisa apresentar a citada documentação, porque não é demais lembrar: ele é hipossuficiente em relação ao INSS.
Para além dos casos em que o segurado não apresenta o PPP, na maioria das vezes, aquele apresenta o PPP incorretamente preenchido. É cediço que o preenchimento incorreto do PPP não pode ser imputado ao segurado, sendo esta responsabilidade do empregador e, subsidiariamente, do INSS, que possui o dever de fiscalizar a adequação das informações fornecidas.
Quando o segurado entende que o PPP está indevidamente preenchido, pode requerer o ajuste diretamente com o empregador e caso tal providência não seja útil, pode demandar em face do empregador para que tal documento seja retificado. Entretanto, isso só é factível quando o segurado está acompanhado de um advogado Previdenciarista, senão nunca vai saber que é possível tomar tal providência.
Doutro lado, quando o segurado, não compreendendo detalhes formais sobre o correto preenchimento do PPP, requerer benefício junto ao INSS, sem a presença de um advogado, apresentando documento erroneamente preenchido ou omisso, impedindo-lhe a comprovação do exercício da atividade especial nos períodos indicados, é dever da Autarquia Previdenciária diligenciar no sentido da verificação do seu conteúdo probatório, consoante a interpretação dos arts. 29, caput e §§1º e 2º; 37; 39 e §único e 43 da Lei 9.784/99, bem como do art. 58, §§3º e 4º da Lei 8.213/91, os quais dispõe sobre o dever de diligência e fiscalização do INSS.
O INSS não pode se valer da sua própria omissão fiscalizatória para negar benefícios, antes de promover a devida instrução probatória que apure eventuais erros por parte do empregador na elaboração da documentação probatória. Quando o juiz se depara com situações nas quais o INSS não cumpriu, adequadamente, o seu papel, é plenamente possível que faça o acertamento da relação jurídico- previdenciária.
Nesses casos, “o bem jurídico tutelado, de relevância social, de natureza fundamental, legitima a técnica do acertamento judicial”. (José Antônio Savaris in direito processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada, páginas 121/131).
Na questão de ordem que ora comentamos e que gerou o acréscimo redacional ao Tema 1.124 do STJ, o Ministro Herman Benjamim traz argumentos acerca do “matiz eficientista” no direito previdenciário. A seguir, o trecho em comento:
(…) A existência de interesse de agir em indeferimentos motivados pela ausência de documentos enquadrados nesta primeira situação precisa ser discutida. De antemão, observo que argumentos de matiz “eficientista” ou “consequencialista” não refutam um entendimento que reconheça, nos casos referidos, a falta de interesse de agir. A uma, porque o segurado poderá reiterar o requerimento ao INSS, desta vez, instruindo-o adequadamente. Logo, o direito material não estará prejudicado. (grifou-se)
Ao contrário do que sustenta o Ministro, com as máximas vênias, na perspectiva “eficientista”, sustenta-se que, se o sistema está em crise é porque está funcionando mal, ou seja, a menor do que deveria. Assim, o ônus pela não produção da prova deve ser interpretado em favor da parte hipossuficiente no processo, seja ele administrativo ou judicial. Daí é que decorre a relativização da “falta de interesse de agir”, quando se verificar a inércia da Administração Pública na sua atividade instrutória, que perpassa pelo dever de orientação do segurado.
A propósito dever-se-ia considerar eficiente o processo que, ao final, decide com elevado grau de acerto (para deferir ou indeferir o pedido), em tempo razoável, sendo bastante permissivo e facilitador na produção de provas, permitindo o exercício de amplo direito de defesa do cidadão e cuja despesa, para tal, não fosse tão onerosa.
O gasto público não pode ser usado como critério isolado da eficiência, mesmo que se leve em conta alguns primados da AED- Análise Econômica do Direito. Se a omissão no dever de orientação e na permissividade na produção de provas é corolário de um gasto público relevante (quando das condenações judiciais no adimplemento das parcelas pretéritas), para que se busque um processo mais eficiente em termos de Economia de custos para o Estado, é preciso consertar o trâmite do processo administrativo, o qual, quando bem feito, certamente resultará em menor litigiosidade.
Não se pode economizar em detrimento dos direitos materiais (benefícios previdenciários de caráter alimentar), sob a constatação da ineficiência da própria administração pública em dar o direito a quem efetivamente o tem. E equação proposta pelo Ministro não parece levar em conta o caráter social do benefício, quando argumenta que “… o segurado poderá reiterar o requerimento ao INSS, desta vez, instruindo-o adequadamente. Logo, o direito material não estará prejudicado”.
O direito material restará, sim, prejudicado, porquanto os benefícios de caráter alimentar que o segurado faria jus, acaso a instrução tivesse sido devidamente orientada (sem as chicanas e robotizações do sistema de indeferimento) que se observa no dia a dia dos serão sonegados. O Estado economizará meses e anos de parcelas pretéritas devidas pela sua própria negligência no curso do processo administrativo.
Para que esse “ônus excessivo” passado ao segurado fosse possível, deveríamos estar em um país de primeiro mundo, com amplo aculturamento social sobre os direitos e deveres ou com a obrigatoriedade da assistência do advogado nos autos do processo administrativo junto ao INSS.
Não se pode negar que o Ministro Herman Benjamin trouxe alguns pontos importantes na “questão de ordem” em comento, as quais ratificam os argumentos que ora trazemos e acabam por relativizar as suas próprias conclusões sobre o ônus probatório do segurado quando do processo administrativo previdenciário. Vejamos o trecho a que nos referimos:
“(…) A segunda situação, por outro lado, ocorre quando o documento não é acessível ao requerente, mesmo tendo ele empreendido as diligências necessárias à sua obtenção/produção. De igual modo, quando o documento constituir prova de fato já conhecido – ou passível de ser conhecido – pelo INSS, a partir de consulta a seus sistemas informatizados. Nesses casos, o ônus pela ausência do documento não é do requerente.” Essas circunstâncias reclamam uma abordagem diferenciada no contexto do processo judicial, e o tratamento dado a cada caso depende da natureza específica do documento em questão e do grau de controle que o requerente tem sobre a sua disponibilidade. Como sempre, as disposições normativas específicas que governam o processo administrativo previdenciário devem ser levadas em consideração ao lidar com esses cenários”. (grifos nossos)
É exatamente nesse contexto que a matéria não deveria sequer ser objeto de julgamento pelo rito dos recursos repetitivos. O controle das disposições normativas específicas que governam o processo administrativo previdenciário já está sendo feito em cada caso concreto com as devidas especificidades e cada caso reclama uma análise diferenciada.
Existem casos em que o segurado esteve acompanhado de um advogado desde o início do processo administrativo. Em outros casos o INSS deu todas as oportunidades para que o segurado trouxesse a prova essencial através da abertura de exigência. Tais circunstâncias, certamente, estão sendo analisadas para a conclusão sobre a existência ou não do interesse de agir e as repercussões financeiras delas decorrentes.
Para que se sobressaia uma tese que, efetivamente, contemple as diversas hipóteses, serão necessárias boas linhas a gerar a pretendida segurança jurídica.
Entretanto, conquanto as hipóteses sejam múltiplas e os argumentos já tratados na lei e na jurisprudência do próprio STJ sejam de fácil verificação, na sessão do dia 09/10/2024, a relatora, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, apresentou a seguinte proposta de tese:
Superada a ausência do interesse de agir, o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente será a data da citação, caso o direito tenha sido comprovado por:
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- documento não juntado ao processo administrativo;
- testemunha não apresentada em justificação administrativa designada para tanto;
- prova pericial, após ausência de apresentação da pessoa ou coisa a ser periciada, ou qualquer forma de falta colaboração com perícia administrativa;
- outra prova qualquer, quando incumbia à pessoa interessada fazê-lo sem ônus excessivo e foi conferida a devida oportunidade no processo administrativo.
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Infelizmente, tal proposta de tese é, com vênias, “lacunosa” , e não leva em conta nenhum dos argumentos acima mencionados e nem mesmo a conclusão do próprio Ministro Herman Benjamim na parte final da questão de ordem que levantou:
“(…) Essas circunstâncias reclamam uma abordagem diferenciada no contexto do processo judicial, e o tratamento dado a cada caso depende da natureza específica do documento em questão e do grau de controle que o requerente tem sobre a sua disponibilidade. Como sempre, as disposições normativas específicas que governam o processo administrativo previdenciário devem ser levadas em consideração ao lidar com esses cenários”. (grifou-se)
Ora, se o INSS não cumpre o seu dever “legal e moral” de orientação do segurado, se não atende as formalidades legais (Lei 9.784/99) na instrução do processo administrativo, se é notório que o segurado é hipossuficiente e, quando desacompanhado de advogado, não sabe quais são as provas que precisa juntar, que coerência e integridade teria a tese proposta?
As seguintes perguntas hão de ser respondidas:
a) O que levou o segurado a não apresentar a prova apresentada na ação judicial, na fase administrativa?
b) O INSS relatou os fatos trazidos pelo segurado e agiu com probidade, decoro e boa-fé ( Art. 1º, IV, da Lei 9.784/99), orientando o segurado e o intimando sobre a documentação necessária a fazer prova do seu direito?
c) No caso de benefícios por incapacidade, em que a perícia judicial é essencial para a resolução da controvérsia, a DER sempre será fixada na data da citação, consoante o projeto de tese apresentado?
c) A prova pericial judicial foi necessária diante da conduta omissiva do INSS na instrução do processo administrativo? O Segurado poderia saber se o documento apresentado era incompleto a demandar perícia judicial? Foi oportunizada prova testemunhal ou pericial ao segurado no curso do processo administrativo?
d) E nos casos em que a perícia técnica judicial for essencial ao esclarecimento das lacunas probatórias? Se a prova pericial judicial só se faz em juizo, como exigir que o segurado a tenha produzido no curso do processo administrativo? Seria razoável confundir “ direito” com “ prova do direito” ( TRF4, AG 5024011-19.2024.4.04.0000, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 11/10/2024).
e) O que fazer nos casos em que a documentação juntada em juizo somente corrobora aquilo que já foi demonstrado no curso do processo administrativo e não se abriu qualquer diligência para complementação da prova?
Com as máximas vênias, mas a proposta de tese apresentada pela Ministra relatora é deveras restritiva e abre uma série de questões geradoras de intensa insegurança jurídica.
Calma, meus amigos e alunos advogados, ainda não é o fim.
As sustentações orais feitas pelos brilhantes causídicos e doutrinadores, representantes dos Institutos de Direito Previdenciário, foram impactantes. Houve o esperado pedido de vista e ainda há esperança na mudança de entendimento.
O que podemos sugerir agora é que se acautelem.
Se um cliente lhe procurar para dar entrada em ação judicial, analise detalhadamente o processo administrativo para ver se todas as provas possíveis foram adequadamente apresentadas. Se não, peçam a revisão do Processo Administrativo para fazer a juntada e aleguem que o elemento novo só pode ser caracterizado (para não retroação da DER) quando o INSS abriu diligências e estas não foram cumpridas.
[1] Coordenador Geral Científico do IPEDIS- Instituto de Pesquisa e Estudos de Direitos Sociais e Econômicos; Professor no Curso de Pós Graduação em Planejamento Previdenciário do ICDS; Professor no Curso de Pós Graduação em Direito e Processo Previdenciário do ICDS; Professor de Direito Constitucional, Processual e Previdenciário do IPEDIS; Mestre em Direito Público; Bacharel em Direito pela UFJF; Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas; Especialista em Direito Constitucional, Direito Processual ; Direito Penal; Direito Previdenciário e Direito Securitário; Autor do Livro: ” Benefícios Previdenciários por Incapacidade e Perícias Médicas- Editora Juruá- 2ª Edição. Coautor do Livro: ” Ônus da Prova no Processo Previdenciário- Editora Juruá- 2018″; Autor do Livro ” A perícia Médica Judicial- A concessão de benefícios previdenciários por incapacidade no RGPS – Editora Alteridade); coautor do Livro “As Microrreformas Previdenciárias que antecederam a EC 103/2019, Editora Juruá”. Foi Coordenador e Professor em diversos cursos de Pós Graduação em Direito. Palestrante e conferencista em Direito; já foi Diretor do Departamento Jurídico e Coordenador geral do SITRAEMG. É Servidor da Justiça Federal, atualmente exerce a função de Oficial de Gabinete na 1º Turma do TRF1 (Especializada em Direito Previdenciário); já atuou como Oficial de Gabinete na Assessoria Jurídica e de Recursos Especiais e Extraordinários/ ASRET/ TRF1 e como Assessor de Juízes de primeiro grau;
[2] https://blogschuster.blogspot.com/2024/09/tema-repetitivo-1124-resposta_28.html