TEMA 1.124 JULGADO PELO STJ. Comentários críticos e interpretação que se recomenda aos juristas previdenciários

 

Por: Alan da Costa Macedo. Doutorando em Direito do Trabalho e Seguridade Social na USP. Mestre em Direito Público pela UCP. Especialista em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal. Bacharel em Direito pela UFJF. Bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela UNIGRANRIO. Autor de diversas obras jurídicas. Professor em diversos cursos de Pós Graduação latu sensu.

 

 

INTRODUÇÃO

No dia 08 de outubro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu julgamento do Tema Repetitivo n.º 1.124, enfrentando uma das questões mais relevantes e controversas da prática administrativa e judicial previdenciária. O cerne da controvérsia jurídica a ser resolvida era: “Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS, se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.” Prevaleceu, nessa análise, o voto do eminente Ministro Paulo Sérgio Domingues.

Considerando a relevância do tema para a uniformização jurisprudencial e a proteção social, a presente análise é fundamentada na transcrição da sessão de julgamento realizada pelo Juiz Federal e Professor Fábio Souza, membro da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). Embora o voto vencedor e as teses ainda não tenham sido publicados formalmente, a transcrição fornecida antecipadamente pelo Professor Souza apresenta o sentido geral e o conteúdo jurídico principal do julgado.

O objetivo deste artigo é, portanto, apresentar e analisar criticamente os principais dispositivos do voto, examinando as soluções propostas pelo STJ à luz dos princípios constitucionais da máxima proteção social, do dever de instrução de ofício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da hipossuficiência do segurado e da moralidade administrativa. A seguir, serão apresentados e comentados os trechos do voto, buscando-se uma interpretação sistemática que promova o acertamento da relação jurídico-previdenciária.

 

 

1. Configuração de Interesse de Agir

 

TRECHO DO VOTO
1.1. O Segurado deve apresentar requerimento administrativo apto, ou seja, com documentação minimamente suficiente que possua para viabilizar a compreensão e a análise do requerimento;

 

Comentários:

Os termos “documento apto” e “minimamente suficiente” são, de fato, conceitos indeterminados que podem gerar confusão interpretativa. O objetivo da fixação de teses em recursos repetitivos é promover a segurança jurídica pela uniformização de entendimentos. Contudo, a persistência desses conceitos exige um contínuo esforço doutrinário para balizar as decisões judiciais.

Considerando o segurado como parte hipossuficiente na relação jurídico-previdenciária com a Administração Pública, o intérprete deve analisar o processo administrativo à luz das premissas Constitucionais e da Lei n.º 8.213/91 (art. 88), que positiva o dever de orientação e esclarecimento do segurado sobre os meios para exercer seus direitos. Além disso, a Lei n.º 9.784/99 estabelece diversas diretrizes ao administrador na atividade instrutória de processos administrativos federais, notadamente o dever de intimar a parte a complementar a documentação originalmente apresentada.

Na prática, observa-se uma lamentável omissão do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nesse papel informativo e orientador, bem como no dever fiscalizatório junto aos empregadores, visando ao fornecimento de documentos hábeis a demonstrar o direito dos segurados. Mais do que isso, no curso dos processos administrativos de requerimento de benefícios, o INSS frequentemente se abstém de cumprir seu dever de instrução processual de ofício, em conformidade com os comandos da Lei n.º 9.784/99. Em vez de promover diligências junto às empresas para sanar eventuais vícios ou solicitar informações complementares – atividade que, não raro, se torna excessivamente onerosa para o segurado, como se infere do art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99 – o INSS limita-se a impugnar o documento para, posteriormente, em sede judicial, reclamar dos vícios formais, como se tal incumbência e o respectivo ônus probatório recaíssem sobre o próprio segurado, parte hipossuficiente na relação.

Essa postura, longe de harmonizar-se com a finalidade social da previdência, transfere indevidamente ao trabalhador o encargo de uma fiscalização que é de competência estatal. Nesse sentido, é relevante o precedente do TRF-1, que estabelece:

 

(…) O INSS não pode se valer da sua própria omissão fiscalizatória para negar benefícios, antes de promover a devida instrução probatória que apure eventuais erros por parte do empregador na elaboração da documentação probatória Quando o juiz se depara com situações nas quais o INSS não cumpriu, adequadamente, o seu papel, é plenamente possível que faça o acertamento da relação jurídico- previdenciária (…) (TRF-1 – (AC): 10002866620194013900, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MORAIS DA ROCHA, Data de Julgamento: 17/09/2024, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: PJe 17/09/2024 PAG PJe 17/09/2024 PAG, grifou-se)

 

É nesse contexto principiológico de “acertamento da relação jurídico-previdenciária”, já referendado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a interpretação da matéria ganha relevo. No julgamento do RESp n.º 1.727.063-SP, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, firmou-se a orientação de que: “ Deveras, é preciso conduzir o processo civil previdenciário adequadamente à relação jurídica de proteção social. Neste ponto, é preciso reafirmar a orientação de que o pedido inicial na demanda previdenciária deve ser compreendido e interpretado com certa flexibilidade. O bem jurídico tutelado, de relevância social, de natureza fundamental, legitima a técnica do acertamento judicial. (…) A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado” ( grifou-se).

 

Essa flexibilização na interpretação do pedido e a adoção da teoria do acertamento judicial são essenciais para corrigir as distorções causadas pela postura omissiva da autarquia. Se o INSS falha em sua função instrutória, cabe ao Judiciário suprir essa lacuna, promovendo as diligências necessárias para a correta comprovação do direito. A ideia não é simplesmente desconsiderar a ausência de um documento, mas sim impulsionar a instrução que o órgão administrativo deveria ter realizado, afastando o excessivo formalismo que prejudica a parte mais vulnerável.

Dada a notória hipossuficiência dos segurados em relação ao órgão gestor da previdência, o art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99 indica o caminho que a Administração Pública deve seguir para instruir adequadamente os processos administrativos. Este dispositivo não foi revogado e deve, em conjunto com o que dispõe o art. 88 da Lei n.º 8.213/91, orientar, inclusive, a interpretação dos juízes acerca do que seja “requerimento administrativo apto, ou seja, com documentação minimamente suficiente“. O que pode ser insuficiente para a Autarquia Previdenciária ou até mesmo para o Juiz pode não sê-lo para um segurado que não dispõe de qualquer orientação especializada para a juntada de documentos capazes de demonstrar o direito que pleiteia. O mencionado dispositivo legal é claro ao estabelecer: “Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. (…) § 2o Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes”. (grifou-se)

A interpretação da “suficiência mínima” da documentação não pode descolar-se desse mandamento legal. Se a insuficiência documental decorre de um vício que o INSS tem a prerrogativa e o dever legal de sanar, realizando diligências que seriam excessivamente onerosas para o segurado (como buscar informações junto a empresas), o requerimento deve ser considerado minimamente apto para deflagrar o dever instrutório da autarquia. A negativa do benefício sem o cumprimento integral da instrução processual ofende o princípio da proteção social e a diretriz de menor onerosidade ao administrado.

Em suma, a confusão gerada pelos conceitos de “documento apto” e “minimamente suficiente” no direito previdenciário deve ser resolvida pela aplicação coordenada dos princípios constitucionais de proteção social, do dever legal de orientação do INSS (art. 88 da Lei n.º 8.213/91) e do dever de instrução de ofício e de forma menos onerosa ao segurado (art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99). A persistente omissão do INSS em cumprir seu papel instrutório e fiscalizatório transfere indevidamente o ônus da prova à parte hipossuficiente, violando a finalidade social da previdência. Por isso, a teoria do acertamento judicial surge como ferramenta indispensável para que o Judiciário, ao se deparar com a falha administrativa, possa promover a correta instrução processual e garantir a tutela efetiva do direito fundamental previdenciário em sua real extensão. O formalismo excessivo e a mera impugnação documental devem ceder lugar à busca da verdade material e à concretização da justiça social.

 

 

TRECHO DO VOTO

1.2. A apresentação do requerimento sem as mínimas condições de admissão, configurando indeferimento forçado, pode levar ao indeferimento por parte do INSS.

 

 

Comentários:

O dispositivo do voto em comento deve ser harmonizado com o art. 88 da Lei n.º 8.213/91, com os mandamentos instrutórios da Lei n.º 9.784/99 e com a base principiológica Constitucional pertinente, especialmente no que se refere ao primado da máxima proteção social.

A questão central reside em definir o que seriam “mínimas condições de admissão” nos casos em que o segurado requer o seu benefício no INSS sem a representação de um advogado e não recebe uma orientação clara e didática dos servidores da Autarquia sobre quais documentos deve apresentar. Além disso, como harmonizar uma interpretação conforme a Constituição e a norma processual de regência com a tese firmada pelo STJ no Tema 1.124 quando a atividade instrutória exigida do segurado se revela muito onerosa, em ofensa ao que reza o art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99? É preciso analisar essa circunstancialidade para, então, se definir se é o caso de acertamento da relação jurídico-previdenciária ou se, realmente, houve o chamado “indeferimento forçado”.

O cerne da solução está em reconhecer a hipossuficiência técnica e econômica do segurado frente à Administração Pública. O art. 88 da Lei n.º 8.213/91 impõe o dever de o INSS fornecer “orientação e informação” sobre os direitos e os meios de exercê-los, obrigação que não se restringe à mera entrega de formulários. Quando essa orientação é falha ou inexistente, o “documento minimamente suficiente” deve ser interpretado com a máxima flexibilidade.

Ademais, o art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99 estabelece o imperativo de que os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados se realizem “do modo menos oneroso para estes”. Essa regra é um limite legal à inércia do INSS. Se a documentação pendente ou o saneamento do vício formal exige do segurado uma diligência que seria excessivamente custosa ou de difícil execução (como buscar documentos junto a empregadores falidos, fiscalizar o recolhimento de contribuições, ou obter informações em repartições públicas distantes), o INSS tem o dever de assumir a instrução de ofício, utilizando seus poderes administrativos e fiscais, em vez de simplesmente indeferir o pedido. A inobservância desse dever configura um “indeferimento forçado” ou, pior, uma negativa de prestação administrativa que viola o direito fundamental.

Quando a judicialização do pleito ocorre após uma omissão clara do INSS em cumprir seus deveres de instrução e orientação, o Judiciário não pode simplesmente referendar o ato administrativo pela ausência de um documento. A tese do acertamento da relação jurídico-previdenciária, já acolhida pelo STJ, deve prevalecer.

O Judiciário, nesse contexto, atua como corretor da falha administrativa, impulsionando a fase instrutória que deveria ter sido realizada pelo INSS. Se a documentação inicial, mesmo imperfeita, contém elementos indiciários do direito do segurado, ela deve ser considerada o “mínimo suficiente” para deflagrar o dever de instrução do órgão. A negativa do benefício sem que o INSS tenha esgotado as diligências que lhe cabiam, especialmente aquelas onerosas ao segurado, torna o processo administrativo nulo ou ineficaz para o fim de proteção social, justificando a intervenção judicial com ampla investigação probatória para a concretização do direito.

Em defesa do princípio da máxima proteção social e da hipossuficiência do segurado, a interpretação dos termos “mínimas condições de admissão” e “documento minimamente suficiente” não pode ser pautada por um formalismo excessivo. O dever de orientação (Lei n.º 8.213/91) e o princípio da menor onerosidade (Lei n.º 9.784/99) devem nortear a análise, impondo ao INSS o ônus de instruir o processo de ofício, especialmente quando a diligência for custosa para o administrado. O indeferimento administrativo fundado na omissão instrutória da própria Autarquia configura um “indeferimento forçado” que deve ser sanado pela aplicação da teoria do acertamento judicial, garantindo-se a primazia do direito fundamental previdenciário sobre o rigor formal.

 

 

TRECHO DO VOTO
1.3. O indeferimento de requerimento administrativo por falta de documentação mínima, configurando indeferimento forçado ou omissão do segurado na complementação da documentação, após ser intimado, impede o reconhecimento do interesse de agir do segurado. Ao reunir a documentação necessária, o segurado deverá apresentar novo requerimento administrativo.

 

 

Ancorado nas premissas que nortearam as interpretações anteriores, é preciso reforçar que a classificação de “falta de documentação mínima” deve ser interpretada em sentido sistemático, à luz do Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 (dever de orientação), dos dispositivos da Lei n.º 9.784/99 que se referem ao dever de instrução do INSS e aos demais primados Constitucionais que regem a matéria, notadamente a máxima proteção social.

Após essa ponderação, o juiz deve observar se é o caso, de fato, de extinguir o feito sem resolução do mérito (com base no Tema 629 do STJ) ou de promover o acertamento da relação jurídico-previdenciária em decorrência da falha, omissão ou negligência informativa e instrutória do INSS. A extinção só deve ocorrer se ficar comprovado que o INSS cumpriu integralmente seus deveres legais e que a ausência documental é unicamente imputável ao segurado, sem que tenha havido onerosidade excessiva na exigência probatória.

Noutro turno, o segurado pode optar, nesses casos, por ajuizar uma nova ação, entrar com novo requerimento administrativo, ou mesmo requerer uma revisão de Processo Administrativo Previdenciário (PAP), pautado no Art. 583 da Instrução Normativa PRES/INSS n.º 128/2022 e no Art. 1º da Portaria DIRBEN/INSS n.º 997/2022.

A revisão de processo administrativo previdenciário constitui um dos instrumentos mais importantes à disposição do advogado previdenciário para a proteção dos direitos dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Este procedimento representa a materialização de princípios constitucionais fundamentais no âmbito da administração previdenciária, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. A revisão não se trata de mera liberalidade da Administração Pública, mas sim de um direito fundamental do segurado, disciplinado em uma complexa estrutura normativa que vai desde a Constituição Federal até as instruções normativas e portarias do INSS.

O segurado, por seu advogado, pode optar por pedir a revisão do PAP em detrimento de um novo requerimento administrativo para tentar demonstrar, naquele procedimento, que houve falha do INSS no dever de esclarecimento (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91) e de instrução de ofício (Art. 29 da Lei n.º 9.784/99) ou, ainda, onerosidade excessiva na produção de determinada prova (§ 2º do Art. 29 da Lei n.º 9.784/99). O foco é demonstrar que o INSS já tinha ciência dos fatos declarados e que eventual oportunidade de prazo para atendimento de diligência não foi verificada, ou a atividade exigida foi muito onerosa, o que deve atrair a retroação da Data de Entrada do Requerimento (DER) ao primeiro pedido administrativo.

A estratégia de revisão administrativa visa essencialmente proteger o patrimônio jurídico do segurado, garantindo que o benefício seja concedido com efeitos financeiros desde a primeira DER, e não a partir de um novo requerimento. A Instrução Normativa n.º 128/2022 trata do tema, sendo crucial a correta exegese de seus dispositivos, como o Art. 587, I e II, à luz do Art. 53 da Lei n.º 9.784/99. Este último estabelece o dever de a Administração Pública anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade.

A anulação do indeferimento viciado, seguido da instrução probatória adequada (com base nos poderes instrutórios do INSS), resulta na concessão do benefício com a retroação da DER. Caso o indeferimento inicial tenha sido motivado pela omissão do INSS em orientar ou instruir de ofício (falha nos deveres do Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 e do Art. 29 da Lei n.º 9.784/99), a nova documentação apresentada em sede de revisão deve ser considerada como mera complementação ao requerimento original, e não como um novo pedido. Esse entendimento é o único que se alinha à máxima efetividade do direito social e à proteção do hipossuficiente.

Em suma, a aplicação do Tema 629 do STJ (falta de interesse de agir por ausência de requerimento administrativo) deve ser temperada pela verificação do efetivo cumprimento, por parte do INSS, dos seus deveres constitucionais e legais de orientação e instrução de ofício. O conceito de “documentação mínima” não pode ser um escudo para a inação administrativa. Onde houver falha do INSS — seja na clareza da orientação ou na exigência de prova excessivamente onerosa ao segurado hipossuficiente — o indeferimento administrativo deve ser considerado viciado. Nesses casos, o caminho da revisão administrativa se mostra um poderoso instrumento para demonstrar a falha do órgão, obrigando-o a corrigir o ato e a retroagir a DER ao primeiro pedido. Essa interpretação sistemática garante a máxima proteção social ao segurado, evitando a perda de valores retroativos e reafirmando a natureza fundamental do direito previdenciário.

 

 

TRECHO DO VOTO

1.4. Quando o requerimento administrativo for acompanhado de documentação apta ao seu conhecimento, porém incompleta para a concessão do benefício, o INSS tem o dever legal de intimar o segurado a complementar a documentação ou a prova por carta de exigência ou outro meio idôneo. Caso o INSS não o faça o interesse de agir estará configurado.

 

 

Este dispositivo do voto amarra a interpretação defendida nos tópicos anteriores. A existência de “documentação apta ao seu conhecimento, porém incompleta” já é suficiente para deflagrar o dever legal de intimação do segurado. Essa obrigação decorre de uma interpretação sistemática do Direito Previdenciário à luz de seus princípios constitucionais e da legislação infraconstitucional de regência.

O dever de intimar e de abrir prazo para diligências está contido não apenas no Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 (que impõe o dever de orientação e esclarecimento), mas é reforçado pelos deveres de instrução, de notificação e de diligências previstos nos Arts. 29, 36, 37, 38 e § 2º, 39 e parágrafo único, 41 e 44 da Lei n.º 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal). A inobservância desse dever de notificação e diligência por parte do INSS configura, automaticamente, a resistência à pretensão do segurado, caracterizando o interesse de agir para a busca do direito na via judicial.

Este entendimento garante a moralidade, a razoabilidade e a proporcionalidade do ato administrativo, observando a lógica da hipossuficiência do segurado em relação à Administração Pública e o natural dever de orientação por parte do INSS.

É fundamental que a interpretação desse trecho do voto seja extensiva, à luz do Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 e do Art. 29, § 2º, e Art. 39 da Lei n.º 9.784/99. A intimação do segurado para cumprimento de diligências deve ser clara, didática e não excessivamente onerosa, a ponto de inviabilizar o atendimento da exigência.

É preciso levar em conta a dificuldade prática do segurado em obter determinada prova. Nesses casos, deve-se observar, também, o dever de fiscalização do INSS em relação às atividades dos empregadores no preenchimento da documentação. Se a prova é de difícil obtenção pelo particular, mas facilmente acessível pelo poder público (ou se sua ausência decorre da falha de fiscalização da própria Autarquia), o ônus da diligência não pode recair sobre o segurado.

Além disso, é necessário verificar se o INSS não poderia ou não deveria agir diretamente (dever de instrução de ofício) na obtenção do referido esclarecimento, tal como preconiza a Lei n.º 9.784/99 e, especificamente, o Art. 573 da Instrução Normativa n.º 128/2022, que prevê a “pesquisa externa” como forma de diligência para atualização do CNIS, o reconhecimento, manutenção e revisão de direitos. A pesquisa externa é um exemplo claro de como o INSS pode e deve cumprir seu papel instrutório sem onerar o segurado. A omissão em realizar a pesquisa, exigindo-se a prova do hipossuficiente, é o que configura a ilegalidade e a resistência que leva à judicialização.

Quando a documentação inicial, embora incompleta, apresenta indícios do direito do segurado (por exemplo, informações conflitantes no CNIS, mas complementadas por documentos básicos de comprovação de vínculo), ela cumpre sua função social de deflagrar o dever instrutório do INSS. O propósito do direito previdenciário não é criar obstáculos formais, mas sim proteger o trabalhador. O ato administrativo que indefere o pedido sem antes esgotar o dever de intimação, de forma clara e não onerosa, ou sem realizar as diligências que lhe competem de ofício, viola a máxima efetividade do direito fundamental à previdência social.

Portanto, o dispositivo do voto em análise representa a consolidação da interpretação que busca a máxima proteção do segurado hipossuficiente. A configuração do interesse de agir na ausência de intimação do INSS é o reconhecimento de que a Administração Pública não cumpriu seu dever de colaboração e de instrução de ofício. O INSS deve emitir cartas de exigência claras, didáticas e não onerosas. Se a prova é de obtenção difícil ou dispendiosa para o segurado, a obrigação de diligência, inclusive por meio de pesquisa externa, recai sobre a Autarquia.

 

 

TRECHO DO VOTO

1.5. Sempre caberá análise fundamentada pelo juiz sobre se houve ou não desídia do segurado na apresentação dos documentos ou de provas de seu alegado direito; ou, por outro lado, uma ação não colaborativa do INSS ao deixar de oportunizar ao segurado a complementação da documentação à produção da prova.

 

 

 

Esse dispositivo do voto confere ao Poder Judiciário a responsabilidade de sopesar as condutas das partes no processo administrativo previdenciário. Essa análise não pode ser superficial; ela exige uma ponderação profunda da conduta do segurado versus a atuação da Autarquia, sempre à luz do princípio da máxima proteção social e da reconhecida hipossuficiência do trabalhador.

A desídia do segurado, para ser reconhecida e justificar a extinção do processo sem resolução do mérito (conforme a interpretação do Tema 629 do STJ), deve ser demonstrada com fundamento na razoabilidade e proporcionalidade. Ela não pode ser presumida pela mera ausência de um documento, especialmente quando a orientação do INSS foi vaga, ambígua ou inexistente, violando o Art. 88 da Lei n.º 8.213/91.

O juiz deve verificar se o segurado, em sua condição de leigo e vulnerável, teve condições reais e claras de atender às exigências. Se o esforço exigido para a obtenção da prova era excessivamente oneroso ou se dependia de informações que estão sob a guarda de terceiros ou sob a fiscalização do próprio INSS, a atitude do segurado deve ser vista não como desídia, mas como a limitação decorrente de sua hipossuficiência, o que transfere o ônus da prova para a Autarquia.

O contraponto à desídia é a “ação não colaborativa do INSS“, um conceito que abrange a falha em oportunizar a complementação documental e, mais gravemente, a inércia em cumprir seu dever de instrução de ofício. O Art. 29 da Lei n.º 9.784/99 impõe ao administrador o dever de investigar e comprovar os dados necessários à decisão, e o seu § 2º reforça que a atuação do segurado deve ser a “menos onerosa”. A recusa em realizar diligências simples, como a pesquisa externa (Art. 573 da IN 128/2022), ou a emissão de cartas de exigência genéricas e obscuras, configura essa ação não colaborativa. Nesses casos, a falha administrativa é o que deflagra o interesse de agir, justificando o ingresso na via judicial para o acertamento da relação jurídico-previdenciária.

A análise judicial, portanto, deve ser orientada pela flexibilização probatória e pela teoria do acertamento judicial, conforme precedente do STJ (RESp n.º 1.727.063-SP), no qual ficou consignado, em síntese, que  “ A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito – observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior”.

Se o requerimento administrativo continha indícios mínimos do direito, o juiz deve reconhecer que a documentação foi “minimamente suficiente” para acionar o dever instrutório do INSS. O Judiciário deve, então, atuar como supridor da omissão administrativa, determinando a produção das provas que o INSS deveria ter feito de ofício, em vez de penalizar o segurado com a extinção do processo.

Ao constatar a ação não colaborativa do INSS, o juiz não apenas deve reconhecer o interesse de agir, mas também deve guiar a decisão no sentido de que o novo acréscimo documental, trazido em juízo, retroaja seus efeitos à Data de Entrada do Requerimento (DER) original. Isso se alinha à possibilidade de revisão administrativa (Art. 583 e seguintes da IN 128/2022), onde o segurado demonstraria a falha instrutória do INSS para manter a DER inicial. O Judiciário, ao fazer o acertamento, deve garantir que o trabalhador não seja prejudicado financeiramente pela negligência do órgão público.

A determinação de que “sempre caberá análise fundamentada pelo juiz” é uma garantia de que o formalismo não prevalecerá sobre a justiça material. O juiz previdenciário tem o dever de ser um garante da máxima proteção social, interpretando a “desídia do segurado” de forma restrita e a “ação não colaborativa do INSS” de forma ampla, englobando todas as omissões nos deveres de orientação, fiscalização e instrução. Em nome da hipossuficiência do segurado e da natureza fundamental do direito previdenciário, a regra deve ser sempre a prioridade do acertamento da relação em detrimento da extinção do feito, forçando a Autarquia a cumprir o seu papel legal.

 

 

TRECHO DO VOTO

1.6.   O interesse do segurado se configura quando este levar a juízo os mesmos fatos e as mesmas provas que levou o processo administrativo. Se desejar apresentar novos documentos ou arguir novos fatos para obter seu benefício deverá apresentar novo requerimento administrativo (Tema 350 do STF). A ação judicial proposta nessas condições deve ser extinta sem julgamento de mérito por falta de interesse de agir. A exceção a este tópico ocorrerá apenas quando o segurado apresentar em juízo documentos tidos pelo juiz como não essenciais, mas complementares, em reforço à prova apresentada na via administrativa e considerada pelo juiz como apta por si só a levar à concessão do benefício.

 

 

A tese firmada no Tema 350 do Supremo Tribunal Federal (STF), que exige o prévio requerimento administrativo como condição para o interesse de agir, não pode ser interpretada de forma puramente literal ou formalista, sob pena de violar a máxima proteção social que deve ser a luz para orientar as decisões dos juízes de primeiro e segundo graus.

A regra de que o segurado deve levar a juízo os mesmos fatos e provas apresentados na via administrativa pressupõe que o INSS tenha cumprido integralmente seus deveres legais de orientação, instrução de ofício e intimação clara e não onerosa.

Conforme argumentado alhures, a falha do INSS em qualquer desses pontos (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 e Art. 29 da Lei n.º 9.784/99) desnatura o processo administrativo, tornando-o um “indeferimento forçado” e, por consequência, legitimando a busca judicial.

O ponto central da exceção reside no poder conferido ao juiz para classificar os documentos apresentados em juízo como “não essenciais, mas complementares“. Essa discricionariedade judicial deve ser exercida com base no princípio da máxima proteção ao hipossuficiente. Um documento que foi oneroso para o segurado obter, mas cuja busca era dever instrutório do INSS (como informações junto a empregadores ou pesquisa externa), deve ser visto como complementar à instrução falha do órgão administrativo, e não como um “novo fato” ou “nova prova essencial” que exija um novo requerimento.

Como já dissemos, se o INSS deixou de intimar o segurado ou emitiu uma carta de exigência vaga, o segurado, ao obter e apresentar em juízo o documento faltante, está apenas suprindo a omissão administrativa. Nesses casos, a documentação levada a juízo, mesmo que tecnicamente “nova”, deve ser considerada um reforço à prova “minimamente suficiente” (ou indiciária) apresentada originalmente na via administrativa. O juiz deve aplicar , portanto, a “Teoria do Acertamento” e reconhecer que o interesse de agir estava configurado desde o início, pois a resistência do INSS era injustificada, decorrendo de sua ação não colaborativa.

A distinção entre documentos “essenciais” e “complementares” deve, portanto, ser interpretada sob a ótica da onerosidade da prova. Documentos essenciais seriam aqueles cuja ausência torna o requerimento ininteligível. Documentos complementares, mesmo que decisivos para a concessão, são aqueles que o segurado não conseguiu obter devido à sua hipossuficiência ou que dependiam de um dever de diligência ou fiscalização do INSS. Exigir um novo requerimento administrativo nessas circunstâncias seria premiar a inércia do INSS e punir o segurado, violando o princípio da economia processual e o direito fundamental à tutela tempestiva.

Em síntese, o dispositivo em comento deve ser lido com a flexibilidade que a natureza social do Direito Previdenciário exige. A rigorosa aplicação do Tema 350 do STF é mitigada pela falha do INSS em cumprir seus deveres de orientação (Art. 88/91) e instrução (Art. 29/99). O juiz, ao analisar o caso, deve priorizar a máxima proteção do segurado hipossuficiente e classificar a prova nova como complementar sempre que sua ausência original for atribuível à ação não colaborativa do INSS ou à onerosidade excessiva para o trabalhador. Dessa forma, o interesse de agir é preservado, permitindo-se o acertamento da relação jurídico-previdenciária e garantindo que o segurado obtenha seu benefício retroativo à DER original, corrigindo a ineficiência administrativa.

 

2. Data de Início do benefício e dos efeitos financeiros

 

 

TRECHO DO VOTO

2.1. Configurado o interesse de agir por terem sido levados a juizo os mesmos fatos e as mesmas provas apresentadas ao INSS no processo administrativo, em caso de procedência da ação, o magistrado fixará a data do início do benefício na data da entrada do requerimento, se entender que os requisitos já estariam preenchidos quando da apresentação do requerimento administrativo, a partir da análise da prova produzida no processo administrativo ou da prova produzida em juizo que confirme com o conjunto probatório do processo administrativo. Se entender que os requisitos foram preenchidos depois, fixará a DIB na data do preenchimento posterior dos requisitos, nos termos do Tema 995 do STJ.

 

 

A primeira parte deste dispositivo está em consonância com o princípio da tutela do direito em sua integralidade, ao reconhecer que, se os requisitos já estavam preenchidos na Data de Entrada do Requerimento (DER), a Data de Início do Benefício (DIB) deve ser fixada nessa data. Contudo, é preciso aplicar uma crítica a essa redação, ancorando-a na máxima proteção do segurado e no dever de instrução do INSS.

A regra que exige que os fatos e provas sejam os “mesmos” levados ao INSS deve ser mitigada, conforme discutido. Não nos custa repetir o que já pontuamos nos comentários aos demais dispositivos, a prova “nova” ou “complementar” apresentada em juízo, cuja obtenção foi dificultada pela ação não colaborativa do INSS (omissão no dever de orientação ou onerosidade excessiva), não deve, em regra, afastar a fixação da DIB na DER. S

Ora, se o documento “novo” apenas suplanta a falha instrutória do INSS, ele deve retroagir para confirmar o direito que já existia na data do requerimento original. Exigir um novo requerimento para a DIB seria premiar a inércia da Autarquia e penalizar o segurado hipossuficiente com a perda dos valores retroativos.

A prova produzida em juízo deve ser vista, prioritariamente, como parte do processo de ajustamento da relação jurídico-previdenciária. Quando o juiz determina a produção de provas que o INSS tinha o dever legal de produzir de ofício (pesquisa externa, intimação clara), a DIB deve ser fixada na DER. Isso ocorre porque o vício que impediu a concessão estava na instrução administrativa e não na inexistência do direito material. A intervenção judicial corrige o vício, mas não altera o momento em que o segurado reuniu as condições para o benefício, garantindo a integralidade do direito social.

O dispositivo faz menção ao Tema 995 do STJ, que trata da possibilidade de o segurado apresentar em juízo um documento novo para comprovar o preenchimento de requisito posterior à DER (o que levaria à fixação da DIB na data do preenchimento posterior). Embora a tese seja tecnicamente correta, sua aplicação no contexto da falha do INSS deve ser cuidadosa. Se o segurado apresenta em juízo um documento que comprova que ele já preenchia os requisitos na DER, mas cuja obtenção foi onerosamente dificultada pelo INSS, a DIB deve ser a DER, e não a data do documento ou a data da sentença. O Tema 995 deve ser estritamente reservado para os casos em que o direito material efetivamente se constituiu após a DER, e não para sanar a falha administrativa.

Em última análise, para se manter fiel à máxima proteção do segurado hipossuficiente, o magistrado, ao fixar a DIB, deve dar um peso preponderante à falha no dever de instrução do INSS (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91 e Art. 29 da Lei n.º 9.784/99). A regra de fixação da DIB na DER deve prevalecer sempre que a prova complementar, trazida em juízo, apenas confirma o direito já existente e cuja documentação faltante foi fruto da omissão ou da ação não colaborativa da Autarquia. O ajustamento judicial deve retroagir a DIB à DER, garantindo a efetividade do direito social e impedindo que a ineficiência administrativa penalize o trabalhador com a perda de valores retroativos.

A introdução da técnica do distinguishing (distinção) na análise judicial é crucial para a preservação da máxima proteção social e da hipossuficiência do segurado. O juiz não pode ser um mero aplicador automático da tese firmada. Seu papel é analisar se as circunstâncias fáticas e valorativas do processo que tem em mãos se enquadram na  ratio decidendi que fundamentou a conclusão do tema repetitivo.

No contexto previdenciário, o distinguishing torna-se a ferramenta essencial para afastar a aplicação rígida do Tema (exigência dos mesmos fatos e provas) quando o caso concreto revelar a ação não colaborativa do INSS. Reitera-se, pois, também nesse dispositivo, que se o INSS falhou no dever de orientação, ou se a prova nova apresentada em juízo era de obtenção excessivamente onerosa para o segurado, o juiz deve usar a técnica do distinguishing, reconhecendo que o caso não trata de desídia, mas sim de uma falha instrutória administrativa que não foi objeto de análise detalhada no precedente repetitivo.

A distinção vai impor ao juiz o dever de fazer uma análise fundamentada sobre o conteúdo valorativo das provas. O magistrado deve argumentar por que, naquele caso específico, a tese do precedente (por exemplo, extinguir o feito por falta de interesse de agir) não é adequada. É fundamental que o juiz destaque as especificidades que tornam a situação do segurado distinta do precedente, como por exemplo: a) a Hipossuficiência: O segurado estava desacompanhado de advogado ou recebeu orientação falha (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91); b) a onerosidade: A diligência exigida pelo INSS era excessivamente custosa, violando o Art. 29, § 2º, da Lei n.º 9.784/99; c) a omissão Instrutória: O INSS se absteve de realizar diligências de ofício, como a pesquisa externa (Art. 573 da IN 128/2022).

Ao identificar esses fatores, o juiz utiliza o distinguishing exatamente para mitigar o rigor textual da tese repetitiva, priorizando a busca da verdade material e o acertamento da relação jurídico-previdenciária ( que é princípio constantemente aplicado pelo STJ e que tem hierarquia superior na intepretação das normas).

 

 

TRECHO DO VOTO

2.2. Quando o INSS , ao receber um pedido administrativo apto, mas com instrução deficiente, deixar de oportunizar a complementação da prova, quando tinha obrigação de fazê—lo e a prova for levada a juizo pelo segurado ou produzida em juizo, o magistrado poderá fixar a data de início do benefício na data de entrada do requerimento administrativo, quando entender que o segurado já faria jus ao benefício nesta data, ou em data posterior em que os requisitos para o benefício teriam sido cumpridos, ainda que anterior à citação, reafirmando a DER, nos termos do Tema 995 do STJ.

 

 

Este dispositivo é o ponto de convergência de toda a argumentação protetiva ao segurado (  a parte hipossuficiente da relação jurídico-previdenciária)  desenvolvida até agora Ele amarra as conclusões em favor do segurado ao reconhecer a primazia do direito material sobre o formalismo e a falha administrativa.

A essência do trecho reside no reconhecimento de que, se o INSS recebeu um “pedido administrativo apto, mas com instrução deficiente” e “deixou de oportunizar a complementação da prova, quando tinha obrigação de fazê-lo“, a falha na instrução é da Autarquia. Essa omissão viola o dever de orientação (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91), o dever de instrução de ofício (Art. 29 da Lei n.º 9.784/99) e o princípio da menor onerosidade (§ 2º do Art. 29/99). A ação judicial, nesse cenário, é vista como o acertamento da relação jurídico-previdenciária, suprindo a ineficiência administrativa.

Não é demais, pois, repetir o que já dissemos, dada a reiteração dos dispositivos do voto com conteúdos semelhantes, de que, quando o magistrado verifica que a prova nova, produzida em juízo, apenas confirma que os requisitos já estavam preenchidos na Data de Entrada do Requerimento (DER), a fixação da Data de Início do Benefício (DIB) na DER é uma medida de justiça material e reparação integral. Trata-se de reconhecer que o direito existia, mas foi negado por uma falha formal e instrutória do órgão público. Não fixar a DIB na DER seria, repita-se,  chancelar o erro do INSS e penalizar o segurado hipossuficiente com a perda de valores retroativos, o que é incompatível com o primado da  máxima proteção social e da moralidade administrativa.

O dispositivo, ao mencionar a possibilidade de fixar a DIB em data posterior, reafirmando a DER nos termos do Tema 995 do STJ, incorpora a flexibilidade necessária. Contudo, essa parte deve ser interpretada de forma crítica e restritiva: a ) Reafirmação como Exceção: A reafirmação da DER para data posterior à inicial só deve ser aplicada quando o direito material efetivamente se constituiu em momento posterior (ex.: o segurado só completou o tempo de carência ou idade após a DER); b) Proteção contra a Falha: Nos casos em que a prova levada a juízo corrige uma falha instrutória do INSS (documento oneroso ou que o INSS deveria ter diligenciado), o magistrado deve se valer do dever instrutório da Autarquia para afastar a necessidade de reafirmação e fixar a DIB na DER original. A nova prova é vista como complementar à instrução, e não como comprovação de um requisito preenchido posteriormente; c) Distinguishing: O juiz deve usar a técnica do distinguishing para diferenciar o seu caso do ratio decidendi  do Tema 995, que trata de situações onde o segurado preenche o requisito após o primeiro pedido e antes do julgamento. Quando a prova faltante era responsabilidade do INSS, o distinguishing deve garantir a DIB na DER original.

Este dispositivo pode ser tratado como um  fechamento protetivo da tese, se corretamente interpretado. Ele pode consagrar a ideia de que a falha do INSS em cumprir seu dever de instrução e orientação não pode prejudicar o segurado hipossuficiente. O magistrado, por meio do ajustamento judicial, tem o poder-dever de fixar a DIB na DER original sempre que a prova produzida em juízo apenas corrige o vício da instrução administrativa. A aplicação da reafirmação da DER deve ser uma exceção, reservada aos casos em que o direito foi constituído de fato em momento posterior.

 

 

TRECHO DO VOTO
2.3. Quando presente o interesse de agir e for apresentada a prova somente em juízo, não levada ao conhecimento do INSS na via administrativa, porque surgida após a propositura da ação ou comprovada impossibilidade de material ( ex: perícia judicial reconhecendo a atividade especial, PPP novo, reconhecimento de vínvulo trabalho rural para fim de prova surgida após a propositura da ação) , o juiz fixará a data do início do benefício na citação válida ou em data posterior, em que preenchidos os requisitos, nos termos do Tema 995.

 

 

 

Embora o trecho busque harmonizar a jurisprudência (Tema 995 do STJ) com a realidade fática (prova superveniente), ele merece uma crítica à luz dos deveres de diligência e instrução do INSS. A fixação da Data de Início do Benefício (DIB) na citação válida, quando a prova é apresentada apenas em juízo, pressupõe que a Autarquia não teve culpa por não ter conhecido tal prova na via administrativa. No entanto, é aqui que reside o ponto de tensão com a moralidade administrativa e a máxima proteção do segurado.

A crítica central é: Em muitos casos, a “impossibilidade de material” para a prova na via administrativa não decorre de um fato novo e inevitável, mas sim da negligência do INSS em cumprir seus deveres. Se a prova (como o reconhecimento de vínculo rural) poderia ter sido obtida por “justificação administrativa” (Art. 55, §3º e Art. 108, da Lei 8.213/91,; Art. 142 do Decreto nº 3.048/1999) , por  “pesquisa externa” (Art. 573 da IN 128/2022) ou se o PPP novo (Perfil Profissiográfico Previdenciário) surge após uma determinação judicial que o INSS tinha o dever de fiscalizar e exigir do empregador, a Autarquia não pode se beneficiar de sua omissão.

Deve-se ponderar se a prova era realmente impossível de ser materializada administrativamente ou se a impossibilidade foi criada pela falha do INSS em exercer o seu dever de instrução de ofício (Art. 29 da Lei n.º 9.784/99) e de orientação do segurado (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91).

Se o segurado, hipossuficiente, não foi orientado claramente sobre a necessidade de um PPP ou se o INSS, com seu poder de fiscalização, negligenciou a obtenção de informações junto à empresa, a fixação da DIB na citação é uma penalidade indevida. A moralidade administrativa exige que a Autarquia arque com as consequências de sua negligência em não ter: a) Requerido especificamente a prova em carta de exigência clara; b) Promovido pesquisa externa para suprir a lacuna documental; c) Aberto oportunidade de perícia administrativa (quando cabível).

A prova surgida em juízo, cuja ausência administrativa foi causada pela ação não colaborativa do INSS, deve retroagir à DER original, com base no dever do Poder Judiciário em promover o ajustamento da relação jurídico-previdenciária, afastando-se a regra da citação.

A solução para a correta aplicação deste dispositivo é, como já dissemos alhures, o uso da técnica do distinguishing. O juiz deve distinguir os casos de prova superveniente inevitável (como o início de uma doença grave após a DER) dos casos de prova superveniente cuja ausência é atribuível à falha administrativa. No segundo caso, a distinção permite afastar a regra da citação válida e fixar a DIB na DER original, pois o direito material existia desde o requerimento, e o INSS tinha o dever de instruir o processo até a sua comprovação.

A regra de fixar a DIB na citação válida, portanto, nos termos do Tema 995 do STJ, para provas apresentadas apenas em juízo, deve ser aplicada apenas quando a prova é genuinamente nova e inevitável após a DER. O magistrado, em todos os casos, deve exercer o juízo crítico e utilizar a ponderação para afastar a aplicação da citação sempre que a prova nova for resultado da negligência do INSS em cumprir seus deveres de diligência, fiscalização e instrução de ofício. Ressalta-se, portanto, em repetição necessária, que o rigor da moralidade administrativa exige que a DIB seja fixada na DER original para que a Autarquia não se beneficie de sua própria inércia, garantindo a integralidade dos direitos sociais do trabalhador.

 

 

TRECHO DO VOTO

2.4. Em qualquer caso, deve ser respeitada a prescrião das parcelas anteriores aos 5 últimos anos, contados da propositura da ação.

 

 

Embora a prescrição quinquenal seja uma regra de ordem pública, seu reconhecimento no contexto das discussões anteriores sobre a máxima proteção social e a falha administrativa possui um papel peculiar. A prescrição limita o efeito financeiro da ineficiência do INSS, mas não afeta o reconhecimento do direito material do segurado. Ou seja, mesmo que o INSS tenha negligenciado a instrução e negado o benefício indevidamente na DER, o trabalhador, ao buscar o Judiciário, terá as parcelas vencidas anteriores aos últimos cinco anos contados da propositura da ação judicial fulminadas pela prescrição.

No entanto, a prescrição não incide sobre o fundo do direito, que é o benefício em si, tampouco sobre a fixação da DIB (Data de Início do Benefício) na data correta do preenchimento dos requisitos. A DIB serve como marco inicial para o cálculo das parcelas, e apenas as que recaírem fora do quinquênio serão atingidas. Este dispositivo, portanto, apenas delimita a responsabilidade financeira retroativa da Administração Pública, mantendo-se a essência da discussão focada no dever de instrução e na necessidade de acertamento da relação jurídico-previdenciária.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os comentários e as análises jurídicas aqui desenvolvidas referem-se aos dispositivos do voto proferido no julgamento do Tema 1.124 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizado em 08 de outubro de 2025. Conquanto o acórdão e as teses ainda não tenham sido publicados oficialmente, os referidos dispositivos foram gentilmente fornecidos nas redes sociais pelo Juiz Federal componente da TNU e Professor Fábio Souza, que teve a grandeza de acompanhar a sessão e transcrever, em primeira mão, o conteúdo principal que será consolidado, eventualmente com ajustes na redação, mas sem modificação do núcleo jurídico essencial.

A análise sistemática dos dispositivos do voto revela o esforço do STJ em estabelecer diretrizes para os julgamentos por instâncias inferiores, mas com a devida observância às regras principiológicas que regem a matéria. Os conceitos de “documento apto” e “minimamente suficiente”, por claro, não podem ser barreiras formais.

A tese, a nosso sentir, reafirma que a apresentação de uma documentação indiciária pelo segurado deve ser o ponto de partida para o dever de orientação (Art. 88 da Lei n.º 8.213/91) e o dever de instrução de ofício (Art. 29 da Lei n.º 9.784/99) do INSS.

A postura não colaborativa da Autarquia – seja pela omissão em emitir cartas de exigência claras e não onerosas, seja pela negligência em promover diligências (como a pesquisa externa) – não pode penalizar o trabalhador hipossuficiente. A falha administrativa gera o interesse de agir para a busca judicial, legitimando o acertamento da relação jurídico-previdenciária.

A melhor intepretação do julgamento ora comentado deve ser aquela em que o magistrado deve exercer um juízo crítico e fundamentado, utilizando o distinguishing para afastar a aplicação rígida de teses fixadas pelo STF e pelo STJ quando o caso concreto demonstrar que a prova faltante decorreu da ação não colaborativa do INSS. A prova produzida em juízo, nesses casos, não deve ser vista como “nova,” mas como a complementação da instrução que a Autarquia tinha o dever de realizar.

O ápice dessa proteção reside na regra de fixação da Data de Início do Benefício (DIB) na DER original, sempre que a prova levada a juízo apenas confirmar um direito já existente. Essa orientação, que harmoniza o Tema 995 do STJ com os deveres do INSS, é crucial para garantir que a negligência administrativa não resulte em perdas financeiras (pacelas retroativas) para o segurado. A prescrição quinquenal, embora aplicável, apenas limita o efeito financeiro, mas não mitiga a necessidade de o Judiciário corrigir a omissão do INSS.

Em suma, os dispositivos do Tema 1.124 do STJ, conforme revelados, devem ser interpretados no sentido de se tentar consolidar uma interpretação jurídica que eleva o princípio da moralidade administrativa e a dignidade da pessoa humana a pilares inegociáveis do Direito Previdenciário, assegurando que a vulnerabilidade do segurado seja tratada com o devido amparo legal e constitucional.

TNU reconhece certidão eleitoral e declaração sindical como prova de segurado especial rural

 

TNU decide que certidão eleitoral e declaração de sindicato valem como prova da qualidade de segurado especial rural

 

A Turma Nacional de Uniformização (TNU) admitiu e deu provimento ao PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 1001544-94.2022.4.01.3904/PA, firmando tese de que a certidão eleitoral com indicação expressa de profissão rural e a declaração de sindicato de trabalhadores rurais, ainda que não homologada pelo INSS, constituem início de prova material para o reconhecimento da qualidade de segurado especial rural.

 

O julgamento foi unânime, em sessão virtual realizada em agosto de 2025, sob a relatoria do Juiz Federal Ivanir Cesar Ireno Junior e presidência do Ministro Rogério Schietti Machado Cruz.

 

No caso concreto, a Turma Recursal de origem havia desconsiderado a certidão eleitoral e a declaração sindical não homologada como início de prova material da atividade de pescadora artesanal, o que levou à negativa do benefício por incapacidade por ausência de comprovação da qualidade de segurada especial.

A TNU, então, reconheceu a divergência em relação à jurisprudência dominante do STJ e aos precedentes da própria TNU e, por isso, proveu o pedido de uniformização.

 

“Tese de julgamento: 1. A certidão eleitoral que indique expressamente a profissão rural e a declaração de sindicato de trabalhadores rurais, ainda que não homologada pelo INSS, constituem início de prova material para reconhecimento da qualidade de segurado especial rural, devendo ser analisadas em conjunto com os demais elementos dos autos.”

 

A decisão amparou-se, especificamente, na orientação consolidada do STJ (EREsp 1.171.565/SP) e da TNU (PUIL 5000019-34.2019.4.04.7136/RS), segundo a qual não se exige homologação pelo INSS da declaração do sindicato para fins de início de prova material.

Reafirmou-se, na mesma assentada , que esse início de prova deve ser cotejado com os demais elementos dos autos e pode ser corroborado por prova testemunhal, à luz do art. 55, §3º, da Lei 8.213/91 e da Súmula 149/STJ (bem como a Súmula 27 do TRF1).

 

A TNU, no caso concreto, também aplicou a Questão de Ordem nº 20, para determinar o retorno dos autos à origem.

 

Essa decisão corrobora o que há muito defendemos sobre as terminologias “ início” e “ indício” de prova material, muitas vezes ignorado por juízes de primeiro e segundo graus . (leia mais)

 

Alcance da decisão para a advocacia previdenciária

Para os processos envolvendo segurado especial rural, o entendimento reitera o que já estava tranquilo na jurisprudência sobre a aceitação de certidões eleitorais com profissão rural e declarações sindicais sem homologação do INSS como documentação idônea para início de prova material, exatamente no contexto terminológico de que o início de prova material é apenas um “ indício” um cheiro de prova e não a prova plena como entendem muitos juízes.

Essa decisão deve orientar o afastamento de negativas baseadas exclusivamente na falta de homologação administrativa do documento sindical e fortalece a estratégia probatória, desde que o conjunto probatório (inclusive testemunhal) corrobore o vínculo ao labor rural.

 

A Dra Fernanda Carvalho Campos e Macedo, Presidente do IPEDIS, ressalta que : “ Para os processos envolvendo segurado especial rural, o entendimento reitera o que já estava tranquilo na jurisprudência sobre a aceitação de certidões eleitorais com profissão rural e declarações sindicais sem homologação do INSS como documentação idônea para início de prova material, exatamente no contexto terminológico de que o início de prova material é apenas um “ indício” um cheiro de prova e não a prova plena como entendem muitos juízes.
Essa decisão deve orientar o afastamento de negativas baseadas exclusivamente na falta de homologação administrativa do documento sindical e fortalece a estratégia probatória, desde que o conjunto probatório (inclusive testemunhal) corrobore o vínculo ao labor rural”.

 

 

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O Acórdão pode ser lido na integra no link: clique aqui!

Fonte: TNU – Pedilef nº 1001544-94.2022.4.01.3904/PA.

 

 

Equipe de Comunicação IPEDIS

Direito à Saúde e Acesso a Medicamentos: uma contribuição do IPEDIS para Juiz de Fora

 

O IPEDIS – Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais – acaba de lançar a Nota Técnica nº 01/2025, intitulada “O Direito Fundamental à Saúde e o Acesso a Medicamentos: um imperativo constitucional e um desafio de cidadania no Município de Juiz de Fora-MG”.
O documento técnico , coordenado por Fernanda Carvalho Campos e Macedo (Presidente do IPEDIS) e Alan da Costa Macedo (Coordenador Científico), contou ainda com a autoria de Milene Lima  Acosta, Davi Gravino Coellho, Samantha Maria Borchear e Viviane Goliath Araújo Terror , membros da Comissão de Direito Médico e da Saúde do IPEDIS.
O que a Nota Técnica traz de novo?
O trabalho apresenta uma análise jurídico-científica abrangente sobre os obstáculos enfrentados pela população de Juiz de Fora para ter acesso a medicamentos que já estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mas que, na prática, muitas vezes acabam sendo adquiridos pelos cidadãos com recursos próprios.
Entre os pontos centrais, destacam-se:
•O paradoxo da desinformação: muitos cidadãos não sabem que os medicamentos estão disponíveis gratuitamente, o que leva àquilo que os autores chamam de “negação por omissão informacional”.
•A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial: a saúde é apresentada como núcleo essencial para o exercício de todos os outros direitos.
•Percurso do cidadão: o estudo detalha o caminho entre a prescrição médica e a efetiva entrega do medicamento, identificando falhas burocráticas e barreiras que desestimulam a população.
•Judicialização da saúde: a Nota aponta que recorrer ao Judiciário deve ser a última alternativa, quando o sistema administrativo falha, mas reconhece a importância da atuação da Justiça para garantir direitos.
•O papel da advocacia e do Direito Médico: mais do que ações judiciais, é preciso investir em educação em direitos, mediação de conflitos e fortalecimento da sociedade civil .
Para além da Nota Técnica
Este documento é apenas o primeiro passo de um projeto maior do IPEDIS para ampliar a consciência cidadã sobre o direito à saúde e fortalecer a efetividade das políticas públicas.
Já estão em andamento:
•Formulação de uma cartilha popular para orientar a população sobre o acesso a medicamentos;
•Série de podcasts com membros da Comissão de Direito Médico e da Saúde do IPEDIS e convidados;
•Articulação com o Legislativo e Executivo municipais para propostas de planos de ação concretos.
Conclusão
Com esta Nota Técnica, o IPEDIS reforça seu compromisso em transformar conhecimento acadêmico em ação social, aproximando o Direito das necessidades reais da população. Trata-se de um chamado à cidadania ativa e à corresponsabilidade entre poder público, profissionais de saúde, operadores do Direito e sociedade civil.
A saúde não pode ser apenas uma promessa constitucional: deve ser uma realidade cotidiana para cada cidadão.
Leia a íntegra da nota técnica aqui : Clique aqui para baixar
Equipe de Comunicação IPEDIS

Majoração de honorários e apresentação de contrarrazões.

🚨🚨Para Majoração dos Honorários Sucumbenciais, quando do recurso interposto pela parte adversa, é necessário que se tenha interposto as Contrarrazões?

 

O Professor Alan Macedo , Coordenador Científico do IPEDIS e a Dra Fernanda Carvalho Campos e Macedo, Presidente do IPEDIS, escreveram sobre o tema e tiveram um artigo publicado no renomado site do Migalhas. Se o assunto te interessa, basta clicar no link a seguir:

 

https://www.migalhas.com.br/depeso/425335/majoracao-de-honorarios-e-apresentacao-de-contrarrazoes

 

Equipe de Comunicação IPEDIS

Compras Internacionais – Programa “Remessa Conforme” e Tributação do Consumo

 

Alan da Costa Macedo, Coordenador Científico do IPEDIS

 

 

O que são esses “impostos” adicionais que aparecem nas minhas compras internacionais?

Muita gente tem dúvida do “porquê” de aparecem nas suas compras internacionais alguns impostos que outrora não eram cobrados e muito menos discriminados. Nesse artigo de opinião, vamos tecer algumas considerações para tentar explicar.

 

O passado recente e a fiscalização sobre tributação internacional.

Muitas pessoas dizem que, em um passado recente, fizeram compras em sites internacionais e não eram obrigadas a pagar  impostos. Isso, no entanto, é um equívoco. Nós já tínhamos imposto de importação, porém a fiscalização não era tão eficaz, o que fazia com que várias pessoas conseguissem receber as suas compras (produtos que não eram barrados na alfândega) e tinham a impressão de que não eram cobrados os referidos tributos.

Foram muitos cidadãos, de outro lado, que tiveram seus produtos apreendidos pela Receita Federal, a qual só os liberava o produto após o pagamento da tributação e da multa correspondente.

Hoje a realidade é bem diferente de outrora:  a ECT ( Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos)  e Receita Federal  processam 100% dos pacotes que chegam ao País.

Há algum tempo, a Câmara dos Deputados propôs o PL 914/2024, de autoria do Poder Executivo Federal, posteriormente convertido na Lei 14.902/2024, a qual, com alguns acréscimos redacionais e alguns vetos do Presidente da República, instituiu que o consumidor pagaria 20% de Imposto de Importação para mercadorias até US$ 50 e que acima desse valor e, até US$ 3 mil, o imposto seria de 60%, com desconto de US$ 20 do tributo a pagar.

Na época, no Senado Federal, o relator do projeto, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), havia retirado a referida cobrança incluída pelos deputados no texto original, mas a maioria dos senadores votou para mantê-la.

A instituição da cobrança, desta forma, atendeu a uma demanda do setor empresarial brasileiro, que afirmava estar ameaçado pela concorrência com produtos estrangeiros mais baratos e que isso estava comprometendo, inclusive, a oferta de empregos no Brasil.

Para além desse argumento, o Governo Federal precisava aumentar a arrecadação para manter os serviços públicos, sem cortar gastos orçamentários, razão pela qual se empenhou muito na aprovação da referida Lei.

Assim, além da além da taxa de 20% (que se refere à maioria das compras internacionais de pequenos produtos, com valor inferior a R$ 50 US$) , o consumidor que faz compras internacionais também deve pagar 17% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados.

 

E o que é esse tal de “Programa Remessa Conforme”?

O Programa Remessa Conforme (PRC) é um programa que foi criado após as discussões sobre o  PL 914/2024, pela Receita Federal, que certifica empresas de comércio eletrônico que seguirão regras de importação diferenciadas.

Comprando nesses sites, o consumidor paga os impostos antecipadamente, no ato da compra dos produtos. Com a informação chegando mais rapidamente à Receita Federal, a encomenda, em geral, fica menos tempo nas alfândegas e é entregue mais rapidamente, o que incentivou que as grandes empresas de importação aderissem ao referido programa.

Se o consumidor fizer uma compra em um site certificado pelo Programa Remessa Conforme, o imposto sobre compras até US$ 50,00 encontra-se reduzido a 20%. Mas além de tal imposto, ainda é cobrado o ICMS, que é o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias, tributo esse que é destinado ao Estado Federado.

Assim, ao comprar até o equivalente a US$ 50 em sites certificados no Programa Remessa Conforme (clique aqui para saber quais são as empresas cadastradas), o consumidor pagará diretamente, no ato da compra do produto:

  • 20% de I.I. = Imposto de Importação – Imposto federal administrado pela Receita Federal do Brasil
  • 17% de ICMS = Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – imposto estadual, repassado aos cofres do Estado de residência do comprador.

 

No fechamento de sua compra o site cadastrado no Programa “ Remessa Conforme” deverá lhe mostrar o que está sendo cobrado de imposto estadual.

Observação importante: se o site no qual o consumidor está efetuando a compra não cobrar os referidos impostos, “desconfie” e “recuse a compra”, pois o seu produto pode ficar apreendido na Alfândega e para retirá-lo, terá que pagar o imposto de importação sem a redução, ou seja, os 60% + o ICMS e mais a multa correspondente.

 

Os cálculos são complicados. Existe alguma calculadora específica que nos permita conferi-los?

Sim.   Se você, nosso leitor, quiser saber quanto pagará de impostos em sua compra, seja no Programa “Remessa Conforme” ou fora dele, clique aqui  e consulte a Calculadora de Impostos deste Portal Compras Internacionais disponibilizada pela Receita Federal do Brasil.

IPEDIS APOIA O PL Nº 2803/2024 DA ALMG – CRIAÇÃO DA FOTOTECA ESTADUAL DE MG

O PL 2803/2024, decorrente de uma inciativa da Rese de Produtores Culturais da Fotografia do Brasil- RPCFB, cria a Fototeca Mineira, um grande projeto de caráter estrutural que se insere num conjunto de políticas públicas para a manutenção da memória do nosso Estado de Minas Gerais.

 

A criação da Fototeca Estadual de Minas Gerais visa a preservação de um vasto e diversificado conjunto de imagens fotográficas que contam a história de Minas Gerais.

 

A proposta é de que a Fototeca seja também um espaço para a realização de exposições, palestras, workshops e atividades educativas que promovam o entendimento e a valorização da história do nosso Estado, bem como os elementos que cercam nossa identidade, incentivando a participação ativa da comunidade, tanto na formação de público quanto na capacitação daqueles que queiram se aprofundar na linguagem fotográfica.

 

Atualmente a proposta está tramitando na CCJ e a ALMG abriu um canal para que a sociedade se manifeste com relação ao PL.

 

O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais, além de apoiar tal iniciativa, faz um convite a todos os seus seguidores para que se cadastrem no site da ALMG, comente e vote a favor do projeto, pois a nossa manifestação é crucial para sensibilização e aprovação do projeto por parte dos Deputados Mineiros.

 

Entre no Link a seguir e dê o seu apoio: https://www.almg.gov.br/painel/14710

 

Alan da Costa Macedo
Coordenador Científico do IPEDIS

INSS passa a receber, presencialmente ou pela internet, atestado médico para concessão de auxilio doença sem perícia médica.

Nova Portaria implementa o acesso simplificado para o requerimento de benefício por incapacidade temporária- auxilio doença

 

Por: Alan da Costa Macedo- Coordenador Geral Científico do IPEDIS; Mestre em Direito Público; Especialista em Direito Constitucional, Previdenciário, Processual Civil e Penal. Professor de Direito Constitucional e Previdenciário. Palestrante, conferencista. Autor de diversas obras jurídicas.

 

OS REQUISITOS CONTIDOS NA PORTARIA MPS/INSS 38 DE JULHO DE 2023

Em  20/07/2023, o Ministério do Estado da Previdência Social e o INSS já haviam publicado a Portaria Conjunta MPS/INSS nº 38/2023, que disciplinou as condições de dispensa da emissão de parecer conclusivo da Perícia Médica Federal quanto à incapacidade laboral e a concessão do benefício por meio de análise documental pelo Instituto Nacional do Seguro Social, de que trata a Lei Nº 8.213/1991.

Naquela Portaria, disciplinou-se que concessão de benefício de auxílio por incapacidade temporária por meio documental ficaria condicionada à apresentação de documentação médica ou odontológica para fins previdenciários, física ou eletrônica, legível e sem rasuras, contendo, obrigatoriamente, os seguintes elementos:

 

I – Nome completo;

II – Data de emissão do(s) documento(s) médico(s) ou odontológico(s), a qual não poderá ser superior a 90 (noventa) dias da data de entrada do requerimento;

III – Diagnóstico por extenso ou código da Classificação Internacional de Doenças (CID);

IV – Assinatura do profissional emitente, que poderá ser eletrônica e passível de validação, respeitados os parâmetros estabelecidos pela legislação vigente;

V – Identificação do profissional emitente, com nome e registro no Conselho de Classe (Conselho Regional de Medicina ou Conselho Regional de Odontologia), no Ministério da Saúde (Registro do Ministério da Saúde), ou carimbo, legíveis;

VI – Data de início do repouso ou de afastamento das atividades habituais; e

VII – Prazo estimado necessário, preferencialmente em dias.

 

 

Além disso, ficou normatizado que os beneficiários que tiverem auxílios por incapacidade temporária concedidos na forma daquela Portaria, ainda que de forma não consecutiva, não poderiam ter a soma de duração dos respectivos benefícios superior a 180 (cento e oitenta) dias e quando não fosse possível a concessão do benefício de auxílio por incapacidade temporária por meio documental, em razão do não atendimento dos requisitos, bem como quando ultrapassado o prazo máximo estabelecido para a duração do benefício, seria facultado ao requerente a opção de agendamento para se submeter a exame médico-pericial.

 

A NOVA PORTARIA PRES/INSS/SRGPS/MPS Nº 37 DE OUTUBRO DE 2023

No último dia 16/10/2023, foi publicada a nova Portaria conjunta PRES/INSS/SRGPS/MPS nº 37, a qual implementou o acesso simplificado para o requerimento de análise documental do Benefício por incapacidade temporária- ATESTMED.

A principal norma trazida por esta nova Portaria é a possibilidade de utilização de dados básicos do cidadão com as informações validadas da Receita Federal do Brasil, como forma de autenticação simplificada e que a identificação do requerente para fins de pagamento no caso de concessão do benefício por incapacidade temporária será feita pela instituição bancária.

Com a medida, servidores do INSS poderão cadastrar o Atestmed na plataforma nas Agências da Previdência Social. A medida foi necessária, uma vez que para fazer o requerimento era preciso utilizar a conta Gov.br e, para acessar os requerimentos, eram exigidos níveis de segurança complexos de acordo com cada tipo de serviço.

Com a publicação da portaria, agora serão utilizados os dados básicos do cidadão com as informações validadas da Receita Federal, como o CPF, como forma de autenticação simplificada.

Objetivamente, não será exigido nível bronze, prata ou ouro para que o acesso à plataforma seja realizado e o Atestmed seja cadastrado. Agora, de forma simplificada, o servidor do INSS poderá, mediante pedido do segurado, fazer esse cadastro nos postos porque não será necessária a utilização de níveis de segurança. O acesso também poderá ser feito na página inicial do Meu INSS, sem necessidade de entrar com senha.

 

PRINCIPAIS DÚVIDAS DOS SEGURADOS SOBRE O ATESTMED

1) Em quais canais o segurado pode solicitar o benefício, apresentando apenas o atestado médico?

R: Pelo site meu.inss.gov.br ou APP Meu INSS, já que é preciso anexar ao requerimento documentos médicos ou odontológicos que indiquem necessidade de afastamento das atividades habituais. Solicitações de benefício por incapacidade realizadas pela Central 135 serão agendadas e poderão ser transformadas em AtestMED, desde que o cidadão anexe a documentação necessária para a análise de forma remota.

 

2) O pedido de benefício por incapacidade pode ser indeferido mediante uma análise exclusivamente documental?

R: Segundo informações oficiais do INSS, não. Entretanto, no próprio site do Ministério da Previdência Social consta a informação de que “caso não seja possível conceder o benefício pela conformação dos documentos médicos ou odontológicos será indicado ao cidadão que agende uma perícia presencial”.

3) O auxílio doença condido apenas com atestado médico está disponível em todo território nacional?

R: Sim. Qualquer cidadão pode pedir por meio do “ Atestmed” o seu benefício por incapacidade, desde que não tenha recebido o referido benefício por meio de análise exclusivamente documental por mais de 180 dias.

4) Quais os requisitos do Atestado médico e quais os problemas práticos disso.

R: O  atestado médico deve ter sido emitido há menos de 90 dias da Data de Entrada do Requerimento (DER), estar legível e sem rasuras, além de conter as seguintes informações: a) nome completo do segurado; b) Data de início do afastamento e prazo estimado necessário, mesmo que a informação contenha “ prazo indeterminado”; c) Assinatura do Médico e carimbo de identificação com sua CRM ( que poderão ser eletrônicos ou digitais); d) CID- Classificação internacional das doenças diagnosticadas.  Abaixo, um Modelo de Atestado médico que atenda os requisitos normativos do INSS:

 

 

ATESTADO MÉDICO

 

Atesto  que examinei o paciente _________________________________________ ( Nome Completo;  e constatei que o examinado é portador da(s) patologia(s) relacionada(s) adiante, com as respectivas CID’s:

____________________________________________________________________________________________ necessitando de ______ dias de afastamento do trabalho, tendo como data de início de afastamento o seguinte: ____/______/_______ e estimativa de  para o retorno ao trabalho no prazo  ___________________________________________.

 

____________________ (cidade/Estado)________ ( Dia) de ____________ de 20____.

 

____________________________________________

Assinatura do Médico

 

Carimbo com CRM

 

4) Qual a duração máxima do benefício concedido com base no ATESTMED?

R: Para o benefício concedido pela simples análise documental, a duração máxima será de 180 dias. Caso o segurado permaneça incapaz, terá que pedir a prorrogação do benefício mediante perícia médica presencial.

5) A concessão do benefício por incapacidade será automática no caso da análise documental sem perícia?

R: Não. O atestado médico e eventuais documentos complementares comprobatórios da doença serão submetidos à Perícia Médica Federal do INSS, que realizará a análise documental. Por isso, sempre falamos da importância do segurado estar acompanhado do seu advogado de confiança, uma vez que a simples juntada do atestado, sem exames complementares, pode não ser suficiente à concessão do benefício. A norma contida na Portaria não diz isso, mas nossa experiência prática diz que isso é o que acontece no dia a dia.

6) Em quais situações o segurado ainda vai precisar se submeter à perícia presencial?

R: Nas situações em que o documento médico não contiver os requisitos mínimos para a concessão do benefício, nos casos em que o benefício seria indeferido após a análise documental e nos casos em que já recebeu o benefício por meio do ATESTMED em prazo superior a 180 dias.

7) E como o segurado ficará sabendo que precisa passar pela perícia presencial, ou seja, que os seus documentos não foram aceitos para fins de concessão do benefício?

R:  O segurado será comunicado via “Meu INSS” para providenciar o agendamento de perícia médica presencial, por meio do serviço “Perícia Presencial por não conformação da documentação médica”. Nesse caso, é importante que o segurado leve toda a documentação médica original e comprobatória do seu problema de saúde.

8) Qual o prazo para o segurado agendar a perícia após ser informado que seus documentos médicos não foram aceitos sob a análise meramente documental?

R: Segundo informações do Ministério da Previdência Social, o prazo é de 30 dias. Se o segurado não realizar o agendamento neste prazo, será considerado que ela desistiu do pedido e o processo será arquivado.

9) Quantas vezes é possível pedir o benefício pela via exclusiva do atestado médico?

R: Não há limite. Entretanto, o requerimento de novo benefício por meio de análise documental somente será possível após 15 dias da última análise realizada ou no dia seguinte após a data da cessação do benefício – DCB, caso o afastamento seja superior a 15 dias.

10) E quando o segurado fez o pedido pelo Atestmed e já está há meses sem resposta, constando que o pedido está “em análise”?

R: Nesses casos, recomendamos que o segurado procure advogado da sua confiança para , eventualmente, estar entrando com Mandado de Segurança a obrigar o INSS a julgar o seu pedido no prazo razoável.

 

 

E COMO ANEXAR O ATESTMED PELO APLICATIVO “ MEU INSS” SEM LOGIN?

O cidadão ou advogado com procuração específica e de confiança do segurado poderão acessar o aplicativo do MEU INSS pelo site ou aplicativo para Android e iOS. Não precisa fazer login.

Na página inicial, deve-se selecionar :  “Pedir benefício por incapacidade”. Em seguida abrirá uma tela, para o preenchimento do nome, CPF e data de nascimento do segurado.

A pessoa, então, deverá marcar a opção:  “Não sou um robô” e continuar selecionando: “Benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença)” e dando ciência.

Em seguida, vai aparecer a seguinte informação: “Se você tem documento médico (laudo, relatório ou atestado), pode fazer a perícia sem sair de casa. A análise documental a distância é bem mais rápida, pois não depende de vagas em agências, já que você não precisa ir ao INSS“.

O cidadão que já tem o atestado e não quiser ir à agência do INSS vai ter que selecionar a opção: “Avançar”.

Confira os dados que vão aparecer na tela e selecione se foi acidente de trabalho ou não. Importante: acidente de trabalho ainda não está habilitado para o uso do Atestmed

Em seguida virá a seguinte orientação que deve constar no atestado médico: nome do profissional CRM/CRO/RMS, identificação da doença e prazo de afastamento.

A partir disso, o cidadão tem que anexar os seus documentos (identidade e documentação médica) clicando no “+”, em seguida, clicar em “avançar”, ler as informações e clicar em “avançar/finalizar” para enviar o pedido.

 

 

NOSSA OPINIÃO

Como já defendemos em construção anterior, a nós nos parece que a necessidade de concurso público para o INSS se tornou uma conclusão que não permite relativizações. As portarias que tentam mitigar o problema das filas para acesso aos benefícios trazem medidas paliativas para um problema muito grave que é a falta de concurso para o quadro de técnicos (técnicos e analistas) e, também, para o quadro de médicos peritos federais.

A análise documental não nos parece adequada para constatação da incapacidade atual.

Sempre defendemos a necessidade/possibilidade de analise indireta (em todos os casos de benefícios por incapacidade) justamente para a fixação da data de início de incapacidade com base em fatos pretéritos (através de um juízo de probabilidade do médico perito).

Entretanto, a análise direta do perito com o segurado sendo examinado, com o uso de testes que verificam sintomas álgicos, com a resposta do periciando sobre questões formuladas pelo perito são fundamentais para um juízo mais próximo da verdade.

Enquanto não houver recomposição do quadro de servidores do INSS, sejam os técnicos administrativos, sejam dos médicos peritos, não nos parece que a normalidade seja efetivamente alcançada em médio prazo. É essencial que reservem orçamento para realização de mais concursos, sem os quais, teremos uma sucessão de normas que, literalmente, apenas “empurram o problema com a barriga”.

FICOU COM ALGUMA DÚVIDA? Pode escrevê-la no WhatsApp e a nossa equipe de Comunicação estará pronta para lhe responder:

 

 

 

 

 

TST Muda Orientação Jurisprudencial Sobre Cálculos das Horas Extras Habituais

TST MUDA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE CÁLCULOS DAS HORAS EXTRAS HABITUAIS E REFLEXOS NAS VERBAS DE NATUREZA SALARIAL

Por: Alan da Costa Macedo. Coordenador Geral Científico do IPEDIS. Mestre em Direito Público. Especialista em Direito Previdenciário, Constitucional, Processual, Trabalhista e Penal.

No último dia 23/03/2023, o Tribunal Superior do Trabalho-TST Julgou Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos -10169-57.2013.5.05.0024, em torno da controvérsia que gravitava sobre o tema:

“Repouso semanal remunerado – RSR – integração das horas extraordinárias habituais – repercussão nas demais parcelas salariais – bis in idem – Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST.

A majoração do valor do repouso semanal remunerado, em razão da integração das horas extras habitualmente prestadas, não repercute no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, sob pena de caracterização de ‘bis in idem’.” (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010).”

A motivação pautou-se, em síntese, no confronto entre o conteúdo da Súmula 19 do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que entendia pela repercussão das horas extras habituais no repouso semanal remunerado para os cálculos sobre as demais verbas salariais, e o teor da Orientação Jurisprudencial 394 da SbDI-1 do TST2, que dizia o seguinte: ” REPOUSO SEMANAL REMUNERADO – RSR. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. NÃO REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, DO AVISO PRÉVIO E DOS DEPÓSITOS DO FGTS”.

A Orientação Jurisprudencial 394 do TST, ao prever que a majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, não devia repercutir no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS, fundava-se, expressamente, no axioma jurídico que veda a ocorrência de “bis in idem”, que tem a ver com dualidade, ou seja, “dupla incidência da mesma parcela sobre o valor de outra”.

Entretanto, no julgamento do comentado Incidente, um magistério foi trazido à tona com a dicção de que “os reflexos sucessivos incidentes nessa operação não se revestem de idêntica natureza” e que tais reflexos derivariam de causas diversas, sendo a primeira repercussão decorrente do labor extraordinário e a segunda, ao seu turno, resultante da remuneração do repouso.

Na primeira repercussão (a hora extra) o fato gerador é a remuneração do trabalho; na segunda ( descanso semanal remunerado- DSR), a remuneração do descanso. A questão fora muito bem posta no julgamento com a exposição do seguinte precedente:

“A partir do momento em que as horas extraordinárias refletem no repouso semanal remunerado, essa parcela perde a sua natureza jurídica de remuneração do trabalho extraordinário e passa a ser tratada como diferenças de repouso semanal remunerado. São estas diferenças de repouso, que não se confundem com as horas extraordinárias originais, que, por sua vez, repercutirão, por força de lei, no cálculo das férias, 13º salário, aviso prévio e FGTS.” (TST-E-ED-RR-4900-20.2001.5.02.0031, SbDI-1, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT de 30/03/2010).

Ao se estudar o inteiro teor do Incidente, fica bem clara a visão de que os valores reflexos ( nas demais parcelas salariais) não conservam a natureza da verba que os gerou, mas, ao contrário, assumem a identidade da parcela sobre a qual incidiram, passando, de forma efetiva, a integrá-la.

O exemplo trazido no voto do Eminente Relator AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR foi muito pedagógico e merece transcrição:

Dessa forma, quando, por exemplo, as horas extras refletem sobre o 13º salário, os respectivos valores passam a caracterizar-se como parte da remuneração da gratificação natalina, e não mais como contraprestação pelo sobrelabor. Igualmente, os reflexos das horas extras sobre o FGTS assumem a identidade dessas contribuições, devendo, exatamente por isso, serem depositados na conta vinculada do trabalhador. Mais além, sabe-se que o adicional de periculosidade repercute no cálculo das horas extras. A partir dessa integração, os respectivos valores, na linha do quanto se expôs, perdem sua identidade originária e passam a caracterizar-se como remuneração do sobrelabor, razão por que se somam ao próprio adicional de periculosidade e ao salário básico para, em conjunto, refletirem sobre férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio e FGTS + 40%, sem que se cogite de “dupla incidência de reflexos do adicional de periculosidade”. Com a devida vênia, a hipótese é a mesma! E se se admite que a majoração das horas extras, quando decorrente da integração do adicional de periculosidade, repercuta, juntamente com este, no cálculo das demais parcelas salariais, por que razão se vedam os reflexos da majoração dos repousos semanais remunerados quando decorrentes da integração das horas extraordinárias? Em ambos os casos, não há “identidade” (bis in idem), mas “sucessividade” de reflexos. E essa sucessividade, conquanto possa causar estranheza, constitui mera decorrência do chamado “efeito expansionista circular dos salários”, definido por GODINHO como sua “(…) aptidão de produzir repercussões sobre outras parcelas de cunho trabalhista e, até mesmo, de outra natureza, como, ilustradamente, previdenciária” .

O importante julgamento do incidente mencionado fez justiça a uma situação que era indevidamente objeto de muita insegurança jurídica. A lógica materializada nos cálculos sob a OJ 394 era patentemente injusta.

Segundo o Calculista da Justiça do Trabalho de Juiz de Fora e Professor de Cálculos trabalhistas, Alexandre Magnus Melo Martins, a fórmula de cálculo simplificada era realizada antes de uma forma e a partir da mudança de orientação do TST passa a ser de outra. Nesse sentido:

 

ANTES – DE Acordo com a OJ 394-TST

1) Liquida as HE ( Horas extra)

2) e em seguida os reflexos : DSR, 13º, férias, AP e FGTS+40%

 

A partir de 20/03/23 com o julgamento do Incidente pelo TST

 

1) Liquida  as HE ( Horas Extra)

2) Apura os DSR ( Descanso Semanal Remunerado)

3) e com a soma das HE e DSR,  se calcula os reflexos em 13º, férias, AP e FGTS+40%

 

 

Enfim, publicado o inteiro teor do acordão nos autos do Processo TST-IncJulgRREmbRep-10169-57.2013.5.05.0024, acordaram os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, reconhecendo o conflito de teses a justificar a submissão do incidente ao Tribunal Pleno e, por maioria, alterar a redação da Orientação Jurisprudencial nº 394 da SBDI-I do TST, atribuindo à referida orientação a seguinte redação:

“REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. INTEGRAÇÃO DAS HORAS EXTRAS. REPERCUSSÃO NO CÁLCULO DAS FÉRIAS, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO E DEPÓSITOS DO FGTS. I – A majoração do valor do repouso semanal remunerado, decorrente da integração das horas extras habituais, deve repercutir no cálculo, efetuado pelo empregador, das demais parcelas que têm como base de cálculo o salário, não se cogitando de ‘bis in idem’ por sua incidência no cálculo das férias, da gratificação natalina, do aviso prévio e do FGTS; II – O item I será aplicado às horas extras trabalhadas a partir de 20/3/2023”.

Ficaram vencidos, naquela assentada, os  Ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Dora Maria da Costa e Sergio Pinto Martins, que votaram no sentido da manutenção da orientação jurisprudencial com a sua redação atual.

Como se pôde observar, ao modular os efeitos da decisão para que os novos cálculos fossem feitos somente a partir de 20/03/2023, a preocupação do TST foi em preservar a segurança jurídica, no sentido de que as empresas não seriam condenadas a pagar eventuais diferenças decorrentes daquela fórmula de cálculo.

Certamente, a preocupação que remanesce com tal decisão é com a folha de pagamento de muitas empresas que já trabalham com pouca margem diante dos custos operacionais. Com muito mais perspicácia, os setores jurídicos e advogados das referidas empresas terão que replanejar as formas de contratação de mão de obra e recalcular o custo pelas eventuais horas extras necessárias na linha de produção e os seus reflexos nas demais parcelas salariais.

Esperamos que tenham gostado do nosso conteúdo. O Professor Alan Macedo, autor do artigo, é coordenador Geral científico do IPEDIS e caso tenham alguma dúvida, ele está a disposição para, na medida do possível, responder-lhes. Basta mandar uma mensagem clicando no link a seguir.

 

MEDIDA PROVISÓRIA 1113/22 PROMETE REDUZIR A FILA DO INSS, MAS REVELA OS PREJUIZOS DA FALTA DE CONCURSO PÚBLICO

 

 

Por: Alan da Costa Macedo- Coordenador Geral Científico do IPEDIS; Mestre em Direito Público; Especialista em Direito Constitucional, Previdenciário, Processual Civil e Penal. Professor de Direito Constitucional e Previdenciário. Palestrante, conferencista. Autor de diversas obras jurídicas.

 

A Medida Provisória 1113/2022, de autoria originária da Presidência da República, foi aprovada na forma de Projeto de Lei de Conversão e tem prazo até 02/09/2022 para veto ou sanção do Presidente da República.

A referida Medida Provisória altera Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a Lei 8.742/93  e a Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, para dispor sobre o fluxo de análise de benefícios previdenciários e assistenciais sob avaliação do Instituto Nacional do Seguro Social, da Perícia Médica Federal e do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Na exposição de motivos da referida MP, o seu objetivo seria de reduzir a fila do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da Subsecretaria da Perícia Médica Federal (SPMF); e racionalizar o fluxo dos recursos administrativos do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), promovendo maior agilidade no atendimento dos requerentes e beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e demais benefícios concedidos e pagos pelo INSS.

Alguns pontos importantes daquela norma serão destacados nos itens a seguir.

 

DISPENSA DE EMISSÃO DE PARECER CONCLUSIVO DA PERÍCIA MÉDICA QUANTO A INCAPACIDADE LABORAL- CONCESSÃO DE BENEFÍCIO POR SIMPLES ATESTADO MÉDICO

Uma das alterações trazidas no texto da MP é a possibilidade do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência estabelecer as condições de “ dispensa da emissão de parecer conclusivo da perícia médica federal quanto à incapacidade laboral”, hipótese esta que permitirá a concessão do benefício através de simples análise documental ( atestados médicos, laudos e exames).

 

SUBMISSÃO A ANÁLISES REVIONAIS DE BENEFÍCIOS CONCEDIDOS NA VIA JUDICIAL E ADMINSTRATIVA

O texto final da MP 1113/2022, encaminhado à Presidência para sanção,  trouxe a obrigatoriedade do segurado que teve concessão anterior de benefício por incapacidade temporária ou permanente e auxilio acidente de submeter a novos exames médicos a cargo da Previdência Social para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção. Segundo o texto da MP, nesses casos, por ato infralegal, podem-se regulamentar hipóteses em que tal exame não precise ser presencial, podendo ser realizado de forma remota.

 

PARCERIAS DO INSS COM ENTIDADES PARA REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO SOCIAL SOB SUPERVISÃO DA AUTARQUIA

A Medida provisória 1113/2022 trouxe a possibilidade do INSS celebrar parcerias para realização da avaliação social nos casos de Benefícios de Prestação Continuada ( BPC) da LOAS ( Lei Orgânica da Assistência Social).

Tal medida recebeu críticas de muitos juristas que, apesar de entenderem a necessidade urgente atenção com as “filas” do INSS e com a demora na análise de pedidos acumulados, defendem a imediata abertura de concurso público para recomposição do deficitário quadro de servidores da Autarquia previdenciária.

 

A ASSISTÊNCIA TÉCNICA PERICIAL PELO INSS EM AÇÕES JUDICIAIS E O DESEQUILIBRIO DE FORÇAS NO CASO DO SEGURADO

Uma das alterações trazidas pela MP 1113/2022 que passou um tanto despercebida da maioria foi a retomada da participação dos médicos peritos do INSS nas perícias médicas judiciais na qualidade de assistentes técnicos periciais. Consta o seguinte na referida MP: “(…) §4º. Integrarão o Programa de Revisão: “ I- O acompanhamento por médico-perito de processos judiciais de benefícios por incapacidade;…”

Sim, tal possibilidade não é nova e há algum tempo o INSS se usa dessa possibilidade processual. Entretanto, diante da deficiência no quadro de servidores médicos peritos, ultimamente, na prática, a assistência técnica do INSS não estava mais funcionando em muitas regiões do país.

Trata-se de uma grande vantagem processual da Autarquia previdenciária no processo judicial, uma vez que a maioria dos segurados não tem condições de contratar um médico para lhe assistir durante a realização da perícia médica judicial. Em muitos casos em que o INSS levava seu assistente técnico, este tinha a condição de persuadir racionalmente o perito e leva-lo à conclusão favorável à Autarquia e desfavorável ao segurado.

Não se sabe como o Ministro de Estado do Trabalho e Previdência vai conseguir recompor o quadro para dar materialidade a esta norma, mas o fato é que tudo indica se tratar de mais uma “colcha de retalhos” para protelar uma necessidade premente: a realização de concurso público urgente para recomposição dos quadros.

 

NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO PARA SERVIDORES DO INSS

Parece que a necessidade de concurso público para o INSS se tornou uma conclusão que não permite relativizações. A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados realizou, em maio deste ano, uma audiência pública) sobre as atuais condições de trabalho dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Na época, os servidores do INSS fizeram greve e denunciaram o sucateamento do órgão e as péssimas condições de trabalho. Entretanto, ao invés de tomarem providências urgentes para o lançamento imediato do concurso público, editou-se a MP 1113/22 que, princípio, pareceu mais um “ empurrar o problema com a barriga” do que, de fato, buscar uma solução para o grande problema das filas geradas pelas operações pente-fino, acumulado com as questões da Pandemia de Covid-19.

Sim, o Concurso para o INSS foi, finalmente, autorizado.  Por meio do Diário Oficial da União do dia 13 de junho, o Ministério da Economia deu aval para o novo edital de concurso público que terá algo em torno de 1.000 vagas para técnicos  efetivos em todo o país. Entretanto, as 1.000 vagas que serão ofertadas não são minimamente suficientes para recomposição do quadro. O próprio Ministro do Trabalho e Previdência ( José Carlos Oliveira), em 2021, disse que o pedido era para 7,5 mil vagas. Não se falou, em momento algum, de concurso para o cargo de médico perito federal.

Espera-se que, em 6 meses aproximadamente, sejam abertas as inscrições para o concurso para o cargo de técnico (nível médio) com a definição da banca organizadora. Entretanto, infelizmente, a oferta do concurso apenas para técnicos, sem a disponibilização de vagas para médicos peritos não vai trazer resultados positivos em curto e médio prazos.

 

IPEDIS LANÇARÁ CURSO SOCIAL PARA O CONCURSO DO INSS

O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais, atento às questões relacionadas ao alto índice de desemprego do pais e à falta de oportunidades para o público mais necessitado, abrirá, em breve, vagas para cursos preparatórios sociais. O curso para o concurso para o INSS já está todo formatado e será lançado nas próximas semanas pelo site do Instituto.

 

 

 

O TRABALHO TEMPORÁRIO NO SETOR PÚBLICO – DIREITOS E DEVERES

 

 

Por: Alan da Costa Macedo. Coordenador Geral Científico do IPEDIS. Professor de Direito Constitucional, Administrativo, Processual, Previdenciário e Trabalhista. Mestre em Direito Público, especialista em diversas áreas do direito.  Autor de diversos livros na área de Direito do Trabalho e Previdenciário. Palestrante e conferencista em diversas OAB’s do brasil. Servidor da Justiça Federal, exercendo, atualmente, a função de Oficial de Gabinete na Presidência do TRF1.

O QUE É A CATEGORIA DE SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO?

O servidor público temporário é o agente público definido em regime especial de contratação provisória, conforme previsto no artigo 37, IX da Constituição Federal de 1988:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(…)

IX – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (Vide Emenda constitucional nº 106, de 2020, grifos nossos)

EXISTE UMA LEI GERAL SOBRE A CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO?

A Lei 8.745/93 dispõe sobre a contratação por tempo determinado, no âmbito da União Federal, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Nesse sentido, é o seu Art. 1º:

Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei. (grifos nossos)

O artigo segundo da Lei 8.745/93 define, de forma expressa, o que se considera “necessidade temporária de excepcional interesse público”, especificando, de forma taxativa, quais são essas hipóteses no âmbito da Administração Direta e Indireta Federal.

Tem muita gente que pensa, equivocadamente, que a Lei 8.745/93 é a norma geral do contrato temporário para o serviço público em geral. O Art. 37, IX, da CF/88 é bem claro ao afirmar o “pacto federativo”, dando autonomia aos Estados e Municípios para legislar sobre o tema de forma autônoma e independente, mas, por claro, observando todos os primados que orientam a administração pública como um todo, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Além daqueles princípios, os Entes Estaduais e Municipais devem observar os subprimados da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação na elaboração das suas próprias normas.

QUAL O TEMPO MÁXIMO DO CONTRATO TEMPORÁRIO DE SERVIDOR PÚBLICO?

Uma questão que sempre gera dúvidas interpretativas é justamente a leitura que se faz do art. 37, IX, da CF/88 é o que se refere a temporalidade da contratação e do excepcional interesse público.

Não se poderia, por lógica, admitir que a previsão de regulamentação legal para cada ente da Federação pudesse criar um mecanismo de flexibilidade ilimitada para viabilizar a sua organização de pessoal. A exigência de uma lei específica atende a um limite formal.

Mas também há uma limitação material bem clara, quando se interpreta o dispositivo constitucional mencionado, no que se refere a exigência cumulativa na discriminação de cada hipótese autorizadora da contratação temporária: (a) tempo determinado; (b) necessidade temporária de excepcional interesse público.

O CARÁTER GENÉRICO DO ART. 37, IX, DA CF/88 GERA DÚVIDAS NA ELABORAÇÃO DAS LEIS INFRACONSTITUCIONAIS?

A Constituição vedou, com certa clareza, a edição de normas que permitam modalidades gerais de burla ao concurso público. Apesar do seu caráter genérico e pouco analítico, o texto constitucional do Art. 37, IX, ainda que permita a elaboração de normas infraconstitucionais extremas e de clara inconstitucionalidade, resultou na criação de uma certa moldura de gradações na definição do excepcional interesse público.

Nesse contexto, surgem uma série de questionamentos, tais como:

  1. a) qual a referência temporal que permita dizer que determinada necessidade de excepcional interesse público é efetivamente temporária? Um ano, dois anos, cinco anos, seis anos?

A Lei 8.745/93, nesse sentido, apesar de não os vincular, pode ser um bom parâmetro para o legislador municipal e estadual na elaboração da sua própria norma, no que se refere a questão da temporalidade da contratação. Outras questões materiais, entretanto, podem fundamentar o aumento daquele tempo de contratação sem que, necessariamente, se tenha algum vício de inconstitucionalidade.

É sempre necessário que se observe, nessa seara, a razoabilidade e proporcionalidade que justifiquem, com certa clareza, a qualquer um que analise a norma, a sua adequação aos demais primados constitucionais reitores de um Estado Democrático de Direito. É na exposição de motivos de cada lei que o legislador deve fundamentar os parâmetros utilizados para edição da norma e os seus motivos determinantes.

  1. b) E o que define o excepcional interesse?

Nesses casos de indeterminação do sentido do texto constitucional, ou seja, quando este não apresenta um expresso comando quanto a marcos temporais e outras restrições, exige-se maior esforço da atividade do legislador e na demonstração (pela exposição de motivos da norma) da razoabilidade e da proporcionalidade de certas ampliações de abrangência ou até mesmo restrições a determinado preceito constitucional. Isso, pois, nos casos de ausência clara desse dever de motivação, ainda que determinada administração esteja passando por dificuldades logísticas e orçamentárias, não há outra opção ao Judiciário que não seja de anulação do referido ato legislativo. O “excepcional interesse público”, portanto, depende de ampla e convincente fundamentação.

  1. c) As remunerações dos servidores temporários devem ser os mesmos dos servidores efetivos em atenção ao princípio da igualdade? Ou os direitos dos servidores temporários são os mesmos dos Celetistas?

 

 

A diferenciação entre servidores públicos efetivos e servidores públicos temporários, pelo intérprete das normas de caráter constitucional, administrativo, previdenciário e trabalhista é importante para se determinar a gama de direitos que cada um dos grupos faz jus. O artigo 39, § 3º, da Constituição Federal indica um rol de direitos trabalhistas (artigo 7º da CF/88) inerentes aos servidores ocupantes de cargo público efetivo, que ingressaram por meio de concurso público e é necessário que se saiba quais os direitos são intocáveis para ambas modalidades de servidores e quais podem ser diferentes sem que se fira a Constituição.

A contratação por tempo determinado, realizada com base no atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público não investe o contratado de cargo público típico (resultante de concurso público para cargo efetivo) e nem mesmo como empregado celetista, o que não lhe garante automaticamente o gozo aos direitos previstos no artigo 7º nem os previstos no § 3º do artigo 39, ambos da Constituição Federal.

Apesar disso, a outorga constitucional para que o legislador de cada ente federado crie suas próprias regras para esse tipo de contratação não pode ser utilizada como um “aval” para que a Administração Pública negligencie direitos básicos dos trabalhadores vinculados a ela. Assim, contratar alguém sob a justificativa de interesse excepcional e realizar reiteradas prorrogações da referida contratação pode ser uma clara demonstração de burla ao concurso público, bem como ao contrato formal de trabalho (celetista) e desvirtuamento da contratação temporária a ensejar responsabilização indenizatória e até mesmo administrativo-penal do administrador.

Em maio de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou o Tema 551 da repercussão geral e fixou a seguinte tese: “Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações”.

A causa piloto que deu origem ao tema de repercussão geral foi relacionada a uma servidora temporária que ajuizou ação de cobrança contra o Estado de Minas Gerais, alegando ter sido contratada para a função de “Agente da Administração” e ter exercido a referida função entre dezembro de 2003 e março de 2009, sem nunca ter recebido 13º salário ou férias remuneradas. Ocorre que a contratação da profissional se deu por meio de contratos sucessivos com inúmeras prorrogações. Ou seja, após a contratação inicial fundada numa necessidade temporária e de excepcional interesse público, ocorreram diversas prorrogações por mais de 5 anos.

A ratio decidendi (razão principal de decidir), conforme se depreende da tese apresentada no voto do relator daquele julgado do STF, é de que servidores temporários, em regra, não fazem jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos, porém, haveria exceções:  a) nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual; b) em caso de desvirtuamento da contratação temporária.

Dessa forma, o entendimento Constitucional sobre  os direitos reservados aos servidores públicos efetivos é de que estes não são estendidos aos servidores temporários ( inclusive no que se refere ao salário e aos direitos trabalhistas), a menos que tais direitos sejam reconhecidos pela própria lei do município, do Estado ou da União, ou mesmo no instrumento contratual que institui o vínculo temporário, ou ainda que a contratação temporária seja desvirtuada em decorrência de sucessivas renovações ou prorrogações contratuais.

A remuneração dos servidores públicos depende, via de regra, da complexidade do trabalho, atribuições do cargo, natureza das funções, jornada de trabalho, grau de responsabilidade, dentre outros fatores (art. 39, §1º, I da CF/88). Assim, por esta prima, cargos com as mesmas funções, responsabilidades e complexidade deveriam ter remunerações similares. Entretanto, a própria Constituição também diz que a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará os requisitos para a investidura no cargo (art. 39 §1º, II da CF/88). Assim, é possível fixar remuneração diversa para servidores que ocupam a mesma função, em razão de um ser efetivo e outro temporário.

Ao analisar norma de ente público estadual que previa a distinção remuneratória em virtude da investidura no cargo, o Supremo Tribunal Federal assentou que “a justificativa para a diferença dos critérios de remuneração existente entre o cargo de professor efetivo e a função exercida pelo professor temporário encontra respaldo na própria Constituição Federal (art. 37, II, IX, X), considerando que regimes jurídicos distintos comportam tratamentos diversos”.

 

Com isso, em tese, não se poderia dizer que uma determinada norma municipal, por exemplo, seria inconstitucional por que fixa a remuneração do servidor contratado por tempo determinado em valor inferior ao do efetivo, ainda que ambos desempenhem a mesma função pública. Abaixo, recente decisão do STF que enfrenta a matéria:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR 87/2000 DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ESTATUTO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI COMPLEMENTAR 266/2019. SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS E TEMPORÁRIOS. FUNÇÃO DE DOCÊNCIA. REMUNERAÇÃO. NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ESPECÍFICA (ART. 37, X, DA CF). NÃO CABIMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (ARTS. 5º E 7º, XXXIV, CF). VIOLAÇÃO AO DIREITO ADQUIRIDO E À IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS (ARTS. 5º, XXXVI, E 37, XV, DA CF). NÃO OCORRÊNCIA. CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

        1. A jurisdição constitucional abstrata brasileira não admite o ajuizamento ou a continuidade de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido, independentemente do fato de terem produzido efeitos concretos residuais. Perda de objeto parcial da ação em relação ao inciso V do § 2º do art. 49 da LC 87/2000. Precedentes.
        2. Constitucionalidade do dispositivo legal que prevê a fixação da remuneração de servidores públicos temporários por meio de ato infralegal.
        3. A justificativa para a diferença dos critérios de remuneração existente entre o cargo de professor efetivo e a função exercida pelo professor temporário encontra respaldo na própria Constituição Federal (art. 37, II, IX, X), considerando que regimes jurídicos distintos comportam tratamentos diversos.
        4. É vedado ao Poder Judiciário, por não ter função legislativa, conceder aumento de vencimentos de servidores públicos com base no princípio da isonomia. Entendimento da Súmula Vinculante 37 do STF.
        5. Não afronta o direito adquirido e a irredutibilidade salarial (arts. 5º, XXXVI, e 37, XV, da CF) a norma estadual que, alterando calendário de integralização de piso salarial da categoria profissional, apenas prorroga o reajuste por mais três anos até alcançar o limite máximo previsto, como medida de austeridade adotada para equilibrar as contas públicas.
        6. A jurisprudência desta CORTE orienta que o direito adquirido não pode ser oposto a regime jurídico ou a forma de cálculo da remuneração de servidor público, desde que preservada a irredutibilidade salarial. Precedentes.
        7. Conhecimento parcial da ação. Ação direta julgada improcedente. (ADI 6196, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 01-04-2020 PUBLIC 02-04-2020, grifamos)

 E QUAL O PARÂMETRO REMUNERATÓRIO ADEQUADO PARA SERVIDORES TEMPORÁRIOS?

 

Na ausência de norma constitucional que fixe tal parâmetro ao legislador de cada ente, na matéria em estudo, entendemos que o piso de categorias de trabalhadores celetistas, que exercem funções análogas ao cargo público temporário,  poderia ser um bom parâmetro para a administração pública. O ente, entretanto, tem a liberdade para fixar as remunerações da forma que melhor lhe aprouver, usando, inclusive, o padrão remuneratório dos cargos efetivos. Tal tratamento pode ser um bom incentivo para que o servidor temporário realize o seu trabalho de forma mais motivada e eficiente.