Campanha de ajuda humanitária à população de Petrópolis – RJ

O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais vem à público anunciar a campanha de doação de alimentos, roupas e outros produtos de necessidade básica para serem entregues a órgãos e organizações sociais de Petrópolis – RJ em atenção à catástrofe ocorrida naquela cidade nos últimos dias.

Se você vem acompanhando os desdobramentos do ocorrido e se sensibiliza com a situação das famílias residentes naquela cidade, fique a vontade para nos procurar e fazer a sua doação.

Em uma semana, faremos contato com as organizações daquela cidade de forma entregar os produtos arrecadados e, de alguma forma, podermos ajudar a quem tanto precisa neste triste momento.

Por não estarmos, ainda, na nossa sede social, estamos disponibilizando uma sala do nosso escritório profissional, que também presta serviços para o IPEIDS, para armazenar os donativos.

O Endereço para doação é: Rua Santo Antônio, nº42, Centro, Juiz de Fora-MG.

Os Telefones de contatos são: (32) 3212-4083 ou  (32) 988404083

Caso queira fazer a doação em dinheiro (via PIX), não estipulamos quantia mínima, todos os valores doados ajudarão na compra de alimentos e outros itens, pagamento de frete pra entrega dos produtos etc.
Nosso PIX é o CNPJ do IPEDIS, sendo este: 33254240000171

 

Fernanda Carvalho Campos e Macedo

Presidente do IPEDIS

INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 7º E § 2º DO ART. 22 DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA PROCLAMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

J.E. Carreira Alvim, Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; professor-adjunto de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


RESUMO: Há várias décadas, escrevi um artigo doutrinário sobre o tema “Elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica”, em que sustentei que a lei ordinária não tinha força constitucional para impor restrições ao juiz na concessão de liminares em qualquer setor do direito, fosse no mandado de segurança, fosse nas tutelas de urgência, ou em qualquer outra ação (civil pública, popular etc.), pelo que, se o fizesse, tais vedações seriam “inconstitucionais”. Apesar da força dos argumentos por mim utilizados na defesa dessa tese, mostrava-me incrédulo quanto ao seu acolhimento pelos juízos e tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, que sempre se mostrou conservador nessa área, em face da jurisprudência que nele se formou, com apoio na exegese apoiada pela doutrina tradicional, capitaneada pelos antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.). Essa doutrina sustentava que podia, sim, a lei ordinária impor restrições na concessão de medidas liminares, porquanto a parte (impetrante) continuava titular do direito de ação, que era a garantia outorgada pela Constituição. Nessas lições, sempre sustentei que, quando a Constituição concedia ao titular o direito de ação, compreendia “a ação com todos os seus elementos constitutivos”, inclusive a garantia da medida liminar. Nas presentes considerações, trago de novo à baila as limitações inconstitucionalmente impostas pela Lei 12.016/2009 (disciplinadora do mandado de segurança), especialmente a proibição de liminar na compensação de créditos tributários, na entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior e na reclassificação ou equiparação de servidores e aumento ou extensão de vantagens, bem assim na concessão de liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. Com rara felicidade, vivi para ver o STF declarar, ainda que por maioria, a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2021, o que supus que dificilmente aconteceria, mas felizmente aconteceu no julgamento da ADI 4296/DF.

 RESUMEN: Hace varias décadas, escribí un artículo doctrinal sobre el tema “Elementos connaturales (o componentes esenciales) del sistema de tutela legal”, en el que sostenía que el derecho común no tenía fuerza constitucional para imponer restricciones al juez en el otorgamiento de medidas cautelares. en cualquier sector de la ley, ya sea en el mandato de mandamus, o en el socorro de emergencia, o en cualquier otra acción (civil, pública, popular, etc.), por lo que, si lo hiciera, tales prohibiciones serían “inconstitucionales”. A pesar de la solidez de los argumentos que utilicé en la defensa de esta tesis, me mostró incrédulo su aceptación por parte de los juzgados y tribunales, especialmente por parte de la Corte Suprema, que siempre ha sido conservadora en este ámbito, a la vista de la jurisprudencia que se formó en ella. , sustentada en una exégesis sustentada en la doctrina tradicional, liderada por ex procesalistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa, etc.). Esta doctrina sostenía que el derecho común sí podía imponer restricciones al otorgamiento de las medidas cautelares, ya que la parte (demandante) seguía ostentando el derecho de acción, que era la garantía que otorgaba la Constitución. En estas lecciones, siempre he sostenido que, cuando la Constitución otorgó al titular el derecho de acción, incluyó “la acción con todos sus elementos constitutivos”, incluida la garantía de la medida cautelar. En estas consideraciones, vuelvo a plantear las limitaciones inconstitucionales impuestas por la Ley 12.016/2009 (disciplinaria del mandamiento judicial), en especial la prohibición de una medida cautelar sobre la compensación de créditos fiscales, sobre la entrega de bienes y mercancías del exterior y sobre la reclasificación o equiparación de servidores públicos y aumento o ampliación de ventajas, así como el otorgamiento de una medida cautelar sujeta a la manifestación previa de la persona jurídica pública. Con rara alegría, viví para ver al STF declarar, aunque por mayoría, la inconstitucionalidad del § 2 del art. 7 y § 2 del art. 22 de la Ley 12.016/2021, que asumí difícilmente sucedería, pero afortunadamente sucedió en la sentencia de ADI 4296 / DF.

PALAVRAS CHAVE: Medidas liminares – Proibição de concessão – Lei 12.016/2009 –    Compensação de créditos tributários – Entrega de mercadorias e bens vindos do exterior – Reclassificação ou equiparação e aumento ou extensão de vantagens – Posição dos antigos processualistas – Elemento conatural do sistema de tutela jurídica – Componente essencial do sistema de tutela jurídica – Medidas de contracautela – Manifestação prévia da pessoa jurídica pública – Inconstitucionalidade – Arts. 7º, § 2º e 22, § 2º da Lei 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Supremo Tribunal Federal. Superior Tribunal de Justiça – Súmulas 212 e 213.

PALABRAS CLAVES: Medidas preliminares – Prohibición de concesión – Ley 12.016/2009 – Compensación de créditos fiscales – Entrega de bienes y bienes desde el exterior – Reclasificación o igualación y aumento o extensión de ventajas – Posición de ex procesalistas – Elemento connatural del sistema de tutela legal – Componente esencial del sistema de protección legal – Medidas contra cautelares – Manifestación previa de la persona jurídica pública – Inconstitucionalidad – Arts. 7, § 2 y 22, § 2 de la Ley 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Tribunal Supremo Federal – Tribunal Superior de Justicia – Antecedentes 312 y 313 – Medida preliminar sobre leyes extravagantes.

Sumário: 1. Introdução. 2. Proibição de concessão de medidas liminares.  3. Reflexos da decisão do STF na ADI 4296-DF na legislação infraconstitucional. 3.1. Vedação de concessão de liminares em tutelas de urgência por leis extravagantes. 3.2 Compensação de créditos tributários. 3.3 Entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior. 3.4 Reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. 4. Execução (rectius, cumprimento) da sentença mandamental. 5. Equívoco dos antigos processualistas no tocante às restrições à concessão de medidas liminares. 6. Restrições de liminares e o elemento conatural do sistema de tutela jurídica. 7. Fundamentos metajurídicos dos elementos conaturais do sistema de tutela jurídica. 8. Contracautela na concessão de medidas liminares. 9. Liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. 10. Novo posicionamento do STF sobre o tema. 11. Conclusão.

  1. INTRODUÇÃO

Nestas considerações, exponho as coincidências das minhas lições, sobre a inconstitucionalidade da proibição de concessão de medidas jurisdicionais, por lei ordinária, porque, desde a vigência da vetusta Lei 8.437, de 30 de junho de 1992, que vedava “a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público”, sustentei, não solitariamente –, Teresa Arruda Alvim[1] também pensa assim, e, no passado também Hely Lopes Meirelles –, que, diante do art. 5º, LXIX da Constituição, eram inconstitucionais quaisquer preceitos legais que impusessem restrição na concessão de medidas liminares, qualquer que fosse o objeto da ação, comum ou mandamental, principal ou incidental, e vi, enfim, décadas mais tarde, essa exegese coincidir com a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.296-DF,  declarando a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e § 2º do art. 22 da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009 –, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo (LMS) –, estando essas ideias expostas nas minhas obras doutrinárias, especialmente nos Comentários ao Novo Código de Processo Civil e nos Comentários à Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), editados pela Juruá.

  1. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

 Estabelece o § 2º do art. 7º da Lei 2.016/2009, que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo, que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”.

Esta norma incorpora preceitos constantes da legislação extravagante, que se aplicava ao antigo mandado de segurança, ainda ao tempo da Lei 1.533/51, preceitos esses que impuseram restrições à concessão de medida liminar em determinadas hipóteses, tendo todas essas leis, ou apenas alguns de seus artigos, sido expressamente revogados pela Lei 12.016/09[2], à exceção de uma, que, por cochilo do legislador,  deixou de ser revogada, que é a Lei 2.770/56, que “suprime a concessão de medidas liminares nas ações e procedimentos judiciais de qualquer natureza que visem a liberação de bens, mercadorias ou coisas de procedência estrangeira”; mas cuja revogação tácita resultou da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ao declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança.

A proibição de concessão de medida liminar nas ações que tenham por objeto a compensação de créditos tributários vinha expressa no § 5º do art. 1º da Lei 8.437/92 –, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/01 –, consagrando, em nível de direito positivado, o entendimento firmado na Súmula 212 do STJ, segundo o qual: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.

Essa era a posição de antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) que endossavam, equivocadamente, as restrições impostas por leis ordinárias na concessão de medidas liminares.

Com a transformação da Súmula 212 do STJ em direito positivado –, dizia eu naquela época –, tudo ficava mais difícil, para não dizer impossível, a uma, porque modificar (revogar) uma lei é muito mais complexo do que revisar uma súmula, pois depende da atividade de outro Poder (o Legislativo), ou, eventualmente, de vir a norma a ser declarada inconstitucional pelo STF. Como não acontecerá nem uma nem outra coisa –, assim pensava eu naquela época –, a partir do disposto no § 2º do art. 7º da LMS, cessa tudo quanto a musa canta: se algum contribuinte for também credor da Fazenda Pública, deverá continuar pagando seus tributos, até que venha a ser proferida a sentença de mérito, e possa proceder à compensação, se ela lhe for favorável. Como, na Justiça, mesmo na via mandamental, o impetrante sabe o dia em entra, mas nunca o dia em que sai, dificilmente conseguirá fazer uma compensação de créditos tributários, mesmo que a sentença seja a seu favor, a não ser após o trânsito em julgado, porque a Fazenda Pública se valerá do privilégio de pedir (e obter) a sua suspensão ao presidente do tribunal (art. 15, caput)[3].

  1. REFLEXOS DA DECISÃO DO STF NA ADI 4296-DF NA LEGISLAÇÃO

     INFRACONSTITUCIONAL

 

A partir da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ficou completamente esvaziado, por perda de objeto, o art. 15 e §§ 1º a 5º da LMS, que era o bunker do poder público, na sua oposição à concessão das medidas liminares no mandado de segurança e em outros procedimentos (como nas tutela de urgência).

Nos termos do art. 15, caput da LMS, “quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (art. 15, caput). “Se indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário” (art. 15, § 1º). “É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo” (art. 15, § 2º). “A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo” (art. 15, § 3º). “O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida” (art. 15, § 4º). “As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original” (art. 15, § 5º). 

Todas esses “puxadinhos” legais, com repercussão nos regimentos internos dos tribunais, que davam suporte aos pedidos de suspensão de segurança e de tutela de urgência pelo poder público perderam, definitivamente, seu suporte legal e constitucional, o qual não pode mais se valer desses “expedientes”, que sempre estiveram num extremo e injustificável descompasso com os princípios da isonomia (CF: art. 5º, caput) e da inafastabilidade da jurisdição (CF: art. 5º, XXXV).

O fato de haver o STF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009 não significa que tenha a parte, numa ação de tutela de urgência (cautelar ou antecipada), ou o impetrante, numa ação mandamental, o direito de obter a tutela liminar para o seu alegado direito, em qualquer circunstância, estando a sua concessão a depender dos fundamentos invocados no caso concreto

3.1 VEDAÇÃO DE CONCESSÃO DE LIMINARES EM TUTELAS DE

      URGÊNCIA POR LEIS EXTRAVAGANTES

 

A decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, relativamente ao § 2º do art. 7º da LMS, declarado inconstitucional, alcança, por tabela, o disposto no seu § 5º, segundo o qual as vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273[4] e 461[5] da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 [CPC/1973], que correspondem aos arts 300, caput[6] e 497, caput[7] da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 [CPC/2015], devendo essas correspondências ser observadas na aplicação da Lei mandamental e da nova exegese sobre o tema adotada pela Suprema Corte.

A nova orientação firmada na ADI 4296-DF, alcança, igualmente por tabela, o disposto no art. 1º da Lei 9.494/1997, que manda, também, aplicar à tutela antecipada prevista nos arts. 273 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.

Desses diplomas legais, as Leis 4.348/1964 e 5.021/1966 foram expressamente revogadas pela Lei 12.016/2009 –, que disciplina o mandado de segurança –, restando em vigor apenas a Lei 8.437/1992, que, no seu art. 1º, dispõe que “não será cabível medida liminar contra atos do poder público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautela ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”; e, no seu art. 4º, caput, dispõe que “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Todas essas disposições legais pertencem, hoje, ao museu da exegese, por estarem todas implicitamente revogadas pela nova orientação firmada pelo STF na ADI 496-DF.

3.2  COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

 

Em face da decisão do STF na ADI 4296-DF, se a pretensão da parte for a “compensação de créditos tributários”, a Fazenda Pública (Fisco) poderá invocar, como defesa processual, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou da liminar mandamental, e, como defesa de direito material, o disposto no art. 170-A da Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) –, que não foi declarado inconstitucional –, segundo o qual: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Com base nesse preceito, poderá o poder público se opor à compensação, mas, não mais com base no § 2º do art. 7º da LMS, mas com suporte no retrocitado artigo do CTN.

Embora este preceito seja obstáculo à “compensação” do crédito tributário, não impede a concessão de liminar para “suspender” a sua exigibilidade, ou mesmo a “compensação”, mediante a prestação de garantia, nos termos do inc. III, parte final, do art. 7º da LMS[8].

Caso o direito à recuperação do crédito tributário tenha sido reconhecida judicialmente por decisão transitada em julgado, e houver obstáculo da Fazenda Pública (Fisco) à compensação judicial, nada impede que lhe seja deferida a “compensação” por decisão liminar, fazendo prevalecer a decisão do STF na ADI 4296-DF sobre o disposto no art. 170-A do CTN.

Com a decisão proferida na ADI 4296-DF, ficou superada a Súmula 212 do STJ, dispondo que a compensação de crédito tributário não poderia ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória, pelo que ela deverá ser “cancelada” pelo Superior Tribunal de Justiça.

Se a pretensão à compensação do tributo ocorrer em sede de tutela provisória (antecipada ou cautelar), a sua contestação advirá apenas num momento posterior à eventual concessão da medida liminar, pelo que, se tal ocorrer, a alternativa possível à Fazenda Pública (Fisco) é a interposição de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I), invocando o disposto no art. 170-A do CTN, para obter, eventualmente, no tribunal a suspensão da eficácia da medida liminar, até o trânsito em julgado da decisão de mérito.

Também não será impossível a “compensação” em sede de tutela da evidência, mormente a prevista no inc. II do art. 311 do CPC e parágrafo único[9], desde que, em vez de postular, desde logo, a extinção do crédito tributário, na forma do art. 156, II[10] do CTN, o demandante pleitear a declaração do seu direito de proceder à compensação, e, concomitantemente, a concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade desse crédito, com base no art. 151, IV e V[11] do CTN.

Se a compensação do crédito tributário for postulado judicialmente, por ter sido negada em sede administrativa, também não impedirá a concessão da liminar, porquanto, nos termos do art. 170-A do CTN, somente é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Nesta hipótese, se for concedida a medida liminar, o Fazenda Pública (Fisco) terá, igualmente, a chance de modifica-la em sede de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I).

Em se tratando de ação de repetição de indébito, tem cabimento, também, a tutela da evidência, com a concessão da medida liminar, desde que o autor da demanda pleiteie, em vez do pedido de restituição do indébito, a declaração de que essa restituição é devida, por analogia com o disposto na Súmula 213 do STJ – “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária” –, para futura compensação do crédito tributário.

3.3 ENTREGA DE MERCADORIAS E BENS PROVENIENTES DO

      EXTERIOR

 

Após a decisão do STF na ADI 4296-DF, caso a pretensão da parte seja a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a defesa de natureza processual pela Fazenda Pública (Alfândega) será, também, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou liminar mandamental, bem assim, a exigência de prestação, pelo impetrante, de garantia (caução, fiança ou depósito), determinada pelo juiz, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, nos termos do art. 7º, III, parte final da Lei mandamental.

Há quem (Ubirajara Casado),[12] no entanto, invoque como fundamento de defesa material, nessa hipótese, o disposto no § 3º do art. 1º da Lei 8.437/1992 – “Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” –, mas essa Lei restou tacitamente revogada, pela decisão do STF na ADI 4296/DF, na medida em que o seu art. 1º, caput, determinava que não seria cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não pudesse ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal; pelo que, tendo essa restrição perdido eficácia no mandamus, com a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei mandamental–, que vedava a concessão de medida liminar, tendo por objeto “a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior” –, perdeu eficácia, igualmente, a expressão “toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”, constante do art. 1º, caput da Lei 8.437/1992.

Como essa entrega de mercadorias e bens importa na sua retirada da Alfândega e sua entrega ao importador, não será possível a sua recuperação na hipótese de vir a ação cautelar ou mandamental a ser julgada improcedente, se não houver a prestação de garantia (caução, fiança ou depósito) pelo interessado. Aliás, essa restrição na concessão de liminar na importação de bens do exterior resultou de fatos concretos, numa época em que muitos importavam veículos “cadillacs”, e os liberavam na Alfândega por força de medida liminar em mandados de segurança, os quais, uma vez liberados, eram vendidos a terceiros, tomando destinos ignorados, e tornando impossível sua localização, quando a segurança era denegada.

3.4 RECLASSIFICAÇÃO OU EQUIPARAÇÃO DE SERVIDORES

      PÚBLICOS OU CONCESSÃO DE AUMENTO OU EXTENSÃO DE

      VANTAGENS OU PAGAMENTO DE QUALQUER NATUREZA

 

Por força da decisão do STF na ADI 4296-DF, na hipótese de ser a pretensão baseada na reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou na concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, a defesa de natureza processual será, também, a falta de requisitos para a concessão da antecipação da tutela ou da liminar mandamental, porque, em se tratando de medida liminar, não entra em cena o precatório, conforme precedente do STJ no REsp 834.678/PR, apontando haver incompatibilidade na submissão das tutelas antecipadas ao sistema de precatórios, visto que estas não podem ser postergadas em face da “efetividade, auto-executoriedade e mandamentalidade ínsita aos provimentos de urgência”.

No entanto, em sede doutrinária, há quem entenda (Ubirajara Casado) que a e a defesa de direito material alcançará “valores que importarem em pagamento por meio de precatório” –, salvo as requisições de pequeno valor (CF: art. 100, § 3º) –, por exigir o sistema constitucional o trânsito em julgado da sentença (CF: art. 100, § 5º);[13] salvo o pagamento relativo a parcela incontrovérsia, que independe do trânsito em julgado (RE 1205530/SP, com repercussão geral).

Nos demais casos, não existe fundamento de direito material para obstaculizar, sequer temporariamente, a eficácia da medida liminar (cautelar ou mandamental), pelo que, se o servidor beneficiado pela liminar perder a demanda, a alternativa possível para a Administração reaver o que pagou, procedendo ao desconto em folha de pagamento. Não seria contrário ao poder geral de cautela do juiz, nesses casos, alertar o beneficiário da liminar, mesmo de ofício, de que, se a sentença não confirmá-la, a Administração pública poderá se valer do desconto em folha para se ressarcir do prejuízo.

  1. EXECUÇÃO (CUMPRIMENTO) PROVISÓRIA DA

   SENTENÇA MANDAMENTAL

 

Registro, por oportuno, que ao permitir o § 3º do art. 14 da Lei mandamental a execução provisória da sentença concessiva do mandado de segurança, restou igualmente esvaziada, por perda de objeto, a expressão da sua parte final “salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar”, por haver a ADI 4296-DF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º dessa mesma Lei.

  1. EQUÍVOCO DOS ANTIGOS PROCESSUALISTAS NO TOCANTE ÀS

    RESTRIÇÕES À CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

As restrições à concessão de liminares, como as contempladas em leis extravagantes[14] e na Lei 2016/2009, disciplinadora do Mandado de Segurança, sem dúvida, eram inconstitucionais, e assim pensava, também, o administrativista Hely Lopes Meirelles[15], para quem a inconstitucionalidade resultava do fato de desigualar os impetrantes no mandado de segurança, em detrimento do servidor público, quando a Constituição não faz essa distinção ao instituir o mandamus; em outros termos, havia afrontosa ofensa ao princípio constitucional da “isonomia”. Entre os processualistas da nova geração, esse era também o pensamento de Teresa Arruda Alvim[16].

Quem faz a defesa da constitucionalidade das restrições impostas à concessão de liminares contra a Fazenda Pública –, como faziam os clássicos do direito processual civil (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) –, argumentava que elas não atingiam o direito de ação mesmo, de fundo constitucional, vez que não impediam o seu exercício (pela via comum, cautelar ou mandamental), vedando apenas a concessão de liminar.

Esse pensamento era, sem dúvida, um equívoco exegético, que, até então, não fora percebido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo assim mantido, inclusive pelo STJ e pelo STF, ao longo de mais de seis décadas.

  1. RESTRIÇÕES DE LIMINARES E O ELEMENTO CONATURAL DO

    SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

Em princípio, pode até parecer que a restrição apenas de concessão de liminares mandamentais (ou antecipatórias) não seriam inconstitucionais, como defendiam dos antigos processualistas, o que poderia ser defensável, nos casos em que a liminar não fosse  necessária à preservação do direito subjetivo material, feito valer através da ação, pois, se o fosse, haveria ofensa a um “elemento conatural (ou componente essencial) do sistema de tutela jurídica”, consistente na medida liminar, pois vedar prima facie essa possibilidade, ou impor restrições à concessão da liminar, fazendo-a depender de caução, de forma que a ação se revele inadequada à defesa do direito, na forma prevista pela Constituição, constitui uma ofensa ao direito subjetivo à jurisdição e ao devido processo legal, de fundo constitucional.

Na Itália, a Corte constitucional enfrentou esse problema, considerando ilegítima, no âmbito das tutelas de urgência, por violação a preceito constitucional, determinadas normas de leis limitativas do poder do juiz de suspender por meio de cautelar a execução de provimentos declaratórios de utilidade pública, quando constatado erro grave e evidente na individualização dos imóveis ou na [determinação] das pessoas dos proprietários. Afirmou a Corte, na ocasião, que, sendo o poder de suspender a execução do ato administrativo um elemento conatural ao sistema de tutela jurisdicional, no controle dos atos da Administração pública, deve ser exercido com a avaliação, caso por caso, dos graves e irreparáveis danos que possam resultar na execução do ato, pelo que a exclusão do próprio poder de fazê-lo ou a limitação do seu exercício, relativamente a determinada categoria de atos administrativos ou ao tipo de vício denunciado, contrasta com o princípio da igualdade, quando não ocorra uma razoável justificação dessa diversidade de tratamento[17].

Na doutrina, Pace aplaudiu a decisão da Corte, entendendo que, em sede cautelar, na avaliação dos interesses em conflito, quanto à irreparabilidade dos danos, não devia prevalecer, sempre, o interesse público sobre o particular do recorrente, tendo, também, Proto Pisani[18] admitindo a suspensão (do ato administrativo), como elemento conatural da tutela jurisdicional, tanto na presença de lesão a um direito fundamental da personalidade, não suscetível de reparação pelo equivalente, quanto a um direito patrimonial a que se contraponha outro de igual hierarquia constitucional, havendo um altíssimo grau de probabilidade de que a lesão venha a ser considerada ilegítima na decisão final.

  1. FUNDAMENTOS METAJURÍDICOS DOS ELEMENTOS CONATURAIS DO

     SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

 

Para entender melhor o que são esses elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica, costumo me valer de fundamentos metajurídicos[19], comparando a ação processual (de fundo constitucional), destinada a matar a sede de justiça, com a água potável, elemento natural que mata a sede do sedento, “tanto quanto a medida liminar (como elemento natural), preserva íntegro o direito da parte”.

Quando uma pessoa física tem sede, é preciso que lhe seja dada água potável (H2O) para matar a sua sede, e exatamente a água, ou seja, todos os elementos da água (2 parcelas de hidrogênio e 1 de oxigênio), da mesma forma que, se alguém precisa da ação (direito de ação) para preservação do seu direito (material), é preciso dar-lhe a ação, também com todos os seus elementos, inclusive a medida liminar, pois, de outro modo, não cumpre a ação o objetivo constitucional. Reconhecer ao jurisdicionado o direito de ação, mas desprovido da possibilidade de obter a liminar, quando necessária, é o mesmo que pretender dar a quem tem sede, a “água potável”, desprovida de um de seus componentes essenciais (dar, por exemplo, apenas H1O), porque não se estará dando a água; na verdade, não estará dando nada. Também não seria possível dar mais (H2O2), porque estaria dando “água oxigenada”, que, se ingerida, intoxicaria (ou até mataria) o sedento.

Esta é uma realidade tão gritante do ponto de vista lógico-dogmático, que é difícil entender como possa o legislador pretender limitar a atividade jurisdicional, quando esteja em jogo a lesão a um direito subjetivo, porquanto tais restrições não encontram respaldo na Constituição, pelo que não se trata de simples ilegalidade, mas de verdadeira e própria inconstitucionalidade[20].

Fico pensando se, num caso concreto, algum juiz seria insensível a ponto de negar uma liminar para internação de um paciente na UTI[21] por conta do SUS[22], em havendo urgência, porque alguma lei, como tantas neste País, lhe imponha não outorgar liminar contra o poder público, ou outorgá-la apenas depois de ouvir o ente público interessado.

Também para Teresa Arruda Alvim[23], “todas as leis restritivas à concessão de liminares são inconstitucionais”, e, no que tange ao mandado de segurança, as liminares lhe são conaturais. No entanto, para que se evitem abusos e para não se correr o risco de a liminar ser efetivamente satisfativa (não no sentido jurídico, mas no plano empírico), diante da irreversibilidade fática da situação, a prestação de caução, quando de liminar em cautelar se tratar;[24] garantia esta expressamente contemplada pelo inciso III do art. 7º da LMS, facultando ao juiz exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

  1. CONTRACAUTELA NA CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

Ao facultar o inc. III do art. 7º da LMS, que possa o juiz exigir garantia do impetrante (caução, fiança ou depósito), com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, essa garantia alcança apenas a compensação de créditos tributários e a liberação de mercadorias provenientes do exterior, mas não a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, concessão de aumento ou extensão de vantagens e pagamento de qualquer natureza, por ser com ela incompatível.

  1. LIMINAR CONDICIONADA À MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DA PESSOA

     JURÍDICA PÚBLICA

Nos termos do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, no mandado de segurança coletivo, “a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

Regra semelhante compõe, também, o art. 2º da Lei 8.437/1992 –, não revogada, e, portanto, ainda em vigor –, que, “no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas”. Esta norma foi, também por tabela, implicitamente revogada pela decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF.

Normas legais desse jaez têm o indisfarçável propósito de beneficiar o poder público, embora o faça em linguagem afirmativa –, a liminar só poderá ser concedida (LMS: art. 2º) ou a liminar será concedida, quando cabível (Lei 8.437/1992: art. 2º) –, pois, na verdade, veda a concessão de medida liminar inaudita altera parte,[25] ou seja, sem, antes, ouvir o representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

No mandado de segurança, seja individual ou coletivo, manda o inc. II do art. 7º da LMS que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada – seja pública, ou privada no exercício de atribuições públicas –, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.

O § 2º do art. 22 da LMS, em vez de pessoa jurídica interessada, fala em pessoa jurídica de direito público, que não inclui as pessoas jurídicas privadas no exercício de atribuições do poder público, devendo a interpretação ser feita de forma restrita, porque o legislador não desconhecia a diversa natureza jurídica dessas pessoas, e, no entanto, aludiu apenas àquelas de direito público: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações públicas.[26]

Não é preciso ser adivinho para concluir que, ao ser a pessoa jurídica ouvida a respeito da liminar, será, sempre, contra a concessão, porque a sua função, no mandado de segurança, na qualidade de parte passiva, é a de fazer a defesa do ato coator, e ninguém –, além do legislador –, suporia que viesse ela a manifestar-se a favor da liminar, para, mais tarde, na defesa do ato coator, sustentar a legalidade deste e a falta de suporte para a liminar.

Para agilizar o mandamus, é aconselhável que o juiz, ao determinar a manifestação da pessoa jurídica de direito público, para os fins do § 2º do art. 22 da LMS, cuide, nessa oportunidade, de lhe dar ciência da impetração, mediante remessa de cópia da petição inicial, sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito (art. 7º, II); porque, assim, a pessoa jurídica já estará de posse da inicial, que contém as alegações do impetrante, para fazer aquilo que se sabe, de antemão, irá fazer, que é  se pôr contra a concessão da liminar.

O legislador, muitas vezes, estabelece o prazo em horas, para dar a impressão de que está agilizando o processo, mas a fixação de prazo em horas só é recomendável quando se trata de intimação (ou notificação) por mandado, através de oficial de justiça, pois, sendo por ofício, pelo correio, como é no mandado de segurança –, e, agora, também por meio eletrônico, por força de alteração do art. 246 do CPC, pela Lei 14.195/2021, aplicável subsidiariamente –, é difícil, saber o exato momento em que o prazo começou a correr, porque os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto (Cód. Civil: art. 132, § 4º). Na citação pelo correio, por exemplo, se o carteiro não anotar, como não anota, no aviso de recebimento (AR), o dia, hora e minuto em que a correspondência (contendo a intimação) foi entregue, será tecnicamente impossível aferi-lo na forma prevista no § 2º do art. 22 da Lei do Mandado de Segurança.

Nesse caso, duas soluções são possíveis: a) ou o juiz manda que se faça a notificação (rectius, intimação) por mandado, pelo oficial de justiça, com a determinação de que se anote o momento exato do recebimento (dia, hora e minuto), e, assim, o termo inicial do prazo de 72 horas, para a pessoa jurídica pública se manifestar; b) ou o juiz manda que seja intimada por ofício, com a entrega pelo correio ou por meio eletrônico, mas, nesse caso, as 72 horas devem soar como 3 (três) dias, excluindo-se, na contagem, o dia do começo e incluindo-se o do vencimento (CPC: art. 224, caput, subsidiariamente aplicável).[27]

O prazo de 72 horas é um prazo meramente recomendatório, pois, mesmo que a manifestação da pessoa jurídica pública seja extemporânea, deve o juiz considerá-la, para formar a sua convicção, sobre a concessão ou denegação da liminar, não estando, porém, adstrito a ela, podendo concedê-la ou denegá-la conforme o seu convencimento.

Se, por acaso, houver uma situação de risco, que não permita ao juiz ouvir, previamente, a pessoa jurídica pública, no prazo de 72 horas (ou 3 dias), nada impede que mande ouvi-la em prazo menor, ou até dispense a sua prévia manifestação, concedendo a liminar, e sujeitando-a a reexame num momento posterior.

Ao mandado de segurança coletivo se aplicam todas as demais regras da Lei 12.016/09, no que forem com ele compatíveis[28].

  1. NOVO POSICIONAMENTO DO STF SOBRE O TEMA

 

No julgamento da ADI 4296/DF, coincidentemente com as premissas retro, por mim sustentada há várias décadas – e, também, por Teresa Arruda Alvim,[29] mais recentemente, e, no passado, por Hely Lopes Meirelles, o que confirma o acerto da tese – o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º[30], e do art. 22, § 2º[31], da Lei nº 12.016/2009, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos parcialmente o Ministro Marco Aurélio (Relator), que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º[32], da expressão “sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento a pessoa jurídica” constante do art. 7º, inc. III[33], do art. 23[34], e da expressão “e a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé” constante do art. 25[35], todos da Lei nº 12.016/2009; o Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente o pedido; o Ministro Edson Fachin, que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º, e da expressão constante do inc. III do art. 7º; e os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente), que julgavam parcialmente procedente o pedido, dando interpretação conforme a Constituição ao art. 7º, § 2º, e ao art. 22, § 2º, da mesma lei, para o fim de nele ler a seguinte cláusula implícita: “salvo para evitar o perecimento de direito”, nos termos dos respectivos votos proferidos.

  1. CONCLUSÃO

 

Espero que estas considerações sirvam de subsídios na exegese que se seguirá à declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, porquanto as hipóteses reguladas por essa Lei e os preceitos julgados pelo STF serão considerados nos pretórios nas ações concretas que se seguirão a esse momento histórico, tanto na esfera processual comum, como na cautelar e antecipatória, e mesmo na própria esfera mandamental.

[1] ALVIM, Teresa Arruda. Medida Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial. São Paulo: RT, 1994, p. 33.

[2]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[3] Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (…). 

[4]     “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (…)”.

[5]     “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…)”.

[6]     “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
(…)
”.

[7]     “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (…)”.

[8]Art. 7º (…) III – (…) sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…)”

[9]  “Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…)  II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (…) Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (…)”

[10] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação; (…)”

[11]Art. 151. (…) Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (…)”

[12]  https://www.youtube.com/watch?v=hT3V0q37oB4

[13] “Art. 100 (…) §5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (…)”    

[14]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 59.

[16] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[17] Corte Cost. 27, dicembre, 1974, n. 284. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[18] Proto Pisani contestou que a suspensão (do ato administrativo) cautelar fosse um elemento conatural da tutela jurisdicional à anulação, mas admitiu a existência desse elemento conatural da tutela jurídica. PISANI, Proto. Una macroscopica manifestazioni. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[19] Estes elementos são, na verdade, baseados na química, ou, mais precisamente, na composição da água potável.

[20] CARREIRA ALVIM, J. E. “Medidas Liminares e Elementos Conaturais do Sistema de Tutela Jurídica.” In: O

      Direito na Doutrina. 1. ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 173-181.

[21] Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

[22] Sistema Único de Saúde (SUS).

[23] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[24] Ibidem.

[25] Sem audiência da parte contrária.

[26]Dec.-Lei 200/67 – Art. 5º. (…) IV – Fundação Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”. Apesar de as fundações públicas terem personalidade de direito privado, vêm sendo beneficiadas com todos os privilégios reconhecidos às autarquias.

[27]Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.”

[28] Ao mandado de segurança, aplicam-se, subsidiariamente, as normas das Leis 8.078/90 (CDC), 7.347/85 (Ação Civil Pública) e Lei 9.507/97 (Habeas Data), no que forem compatíveis com o mandamus.

[29] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[30]Art. 7º (…) § 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.(…)”

[31] Art. 22 (…) § 2o No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.” 

[32]Art. 1º, (…) § 2o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. (…).”

[33]Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:  (…) III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…).”

[34]Art. 23.  O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”

[35] Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”

Ensaio Sobre o Dano Existencial no Direito Previdenciário

Por:  Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro:  Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018.

Palavras Chave: Dano Existencial; Dano Moral; Direito Previdenciário; INSS; Dignidade da pessoa humana; Poder Judiciário; Juizado Especial Federal; Devido Processo Legal.

Questões gerais sobre o dano existencial

O dano existencial é um tipo de lesão, de caráter subjetivo, extrapatrimonial, que advém, basicamente, de qualquer ofensa relacionada a direito humano e fundamental da pessoa.

Verifica-se este tipo de dano a partir de uma ação (dolosa ou culposa) que acaba gerando, na vítima, uma mudança agressiva no seu cotidiano normal, trazendo bruscos reflexos na sua relação com a família, com os amigos e com a sociedade de uma maneira geral.

Trata-se de um dano relacionado à própria “existência da pessoa” em condições normais. Muito ligado à dignidade da pessoa humana, o dano existencial ocasiona a deterioração da “ felicidade”, da projeção de um projeto de vida pessoal ou familiar.

Apesar de guardar certa similitude, em termos característicos, com o dano moral, o dano existencial vai além de um sofrimento, consternação ou abalo da honra, pois se refere a uma frustração de uma expectativa de poder exercer algo que se projeta no campo pessoal, familiar ou social.  Trata-se de uma lesão a um “projeto de vida”.

Em alguns casos concretos, é possível identificar lesões à honra subjetiva ( dano moral) e ofensas diretas à existência ou projeto de vida da pessoa ( dano existencial), o que permite dizer que há possibilidade de cumulação de danos e , igualmente, de dever reparatório pelo agente agressor.

Apesar da clara distinção, a jurisprudência dos Tribunais ainda é tímida na diferenciação entre institutos. A maior parte dos precedentes trata o dano existencial como uma espécie do gênero dano moral.

O direito do trabalho já enfrentou a questão do dano existencial em inúmeros casos concretos em que este tipo de lesão é verificada. Muitas vezes, um acidente de trabalho, por exemplo, frustra um projeto de vida a própria existência digna e feliz de um ser humano.

No campo do direito Civil, por se tratar de direito de personalidade, o dano existencial também é objeto de estudo e reflexão diante das divisões conceituais que envolvem os danos patrimoniais e os extrapatrimoniais.

Objeto de reparação na esfera Cível, o dano de natureza extrapatrimonial tem sido questão pesquisada, em grande medida, a partir de uma perspectiva da função social do instituto da responsabilidade civil e é, aqui, que as vertentes trabalhistas e cíveis se encontram para uma tese acerca do espraiamento do instituto para a esfera previdenciária.

No capítulo adiante, traremos algumas breves reflexões sobre a possibilidade de se reconhecer dano existencial no contexto da seguridade social, mormente no pilar da previdência social.

O dano Existencial no Direito Previdenciário – reflexões sobre hipóteses e a responsabilidade indenizatória do Estado.

No Brasil, a previdência social organiza-se como um subsistema do Sistema Nacional de Seguridade Social no qual convivem três regimes, quais sejam: o regime geral da previdência social; os regimes próprios de previdência social, relativo aos servidores públicos da União, Estados e Municípios e o regime de previdência complementar. (MACEDO e MACEDO, 2018, p.14)

O direito a benefício previdenciário, no contexto da seguridade social, é um direito fundamental social. A sua finalidade é, precipuamente, proteger o segurado de riscos inerentes a sua sobrevivência digna, ou seja, são garantidores de um mínimo existencial daqueles.

Os Benefícios previdenciários são reconhecidos pelo sistema normativo internacional de direitos humanos e fundamentais como bens jurídicos indispensáveis para garantir, entre outros, a própria existência da pessoa (vida no trabalho, convivência em sociedade).

Nesse contexto, os embaraços ou chicanas injustificadas à concessão ou à manutenção dos benefícios previdenciários acabam expondo o segurado a situações extremamente degradantes do ponto de vista humano. As pessoas, em situação de aviltamento moral pela denegação do direito que lhe é assegurado, também são expostos a danos psicossomáticos e a danos irreparáveis relacionados aos seus propósitos de vida digna.

Em muitos casos, os danos causados pela obstrução de acesso a bens jurídicos fundamentais e existenciais não podem ser reparados do mesmo modo como são os danos causados a outros bens jurídicos não diretamente relacionados com a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, a simples restituição de parcelas não pagas no momento devido não é capaz de assegurar a justa compensação pelos danos sofridos.

O Direito a um benefício previdenciário está intimamente relacionado ao Direito fundamental da “Liberdade”. Um tipo de “liberdade real” que contempla não apenas o direito de ir e vir, mas sim o de projetar como quer viver dignamente e quando poderá, então, exercer o direito ao descanso remunerado. Nessa perspectiva, o Professor Savaris ( 2011) foi pontual:

A liberdade real só pode ser exercida pela pessoa com recursos mínimos para sobreviver, planejar sua vida e dela fazer algo valioso. Se a liberdade física, traduzida no direito de ir e vir, é vista como uma inegociável expressão da dignidade humana, da mesma forma a liberdade real, em oposição à liberdade formal, deve ser pensada como um direito inalienável do ser humano, o direito de ir e vir, e viver. De que liberdade se fala afinal quando o indivíduo é cercado pela destituição, subnutrição e apenas com esforço extraordinário consegue ―vender sua força de trabalho‖ para prover seu sustento imediato? (SAVARIS, 2011 a, p. 88).

Entretanto, não apenas na perspectiva de ofensa indireta à liberdade do cidadão que se pauta a questão do dano existencial, mas no sentimento social de que há um certo “desrespeito” por parte do Estado por questões coletivas existenciais e de dignidade. Um tipo de insegurança que atinge a todos, mesmo aqueles que ainda não foram afetados por alguma daquelas ofensas, mas que, por alteridade ou empatia, se colocam no lugar das vítimas.

É consternador saber que o titular de direitos previdenciários, em muitos casos, por sua condição de hipossuficiência intelectual, ao ter seu pedido rejeitado, sequer tem entendimento sobre o tipo de lesão que pode ter sofrido, pois desconhece a questão da extensão dos seus direitos fundamentais, os quais são precedentes dos seus direitos securitários.

O dano existencial, então, bem próximo, mas diferente do dano moral previdenciário seria, exatamente aquele que não pode ser medido com uma régua objetiva, pois atinge núcleos relacionados a direitos humanos e fundamentais ligados à “expectativa de felicidade”.  

Assim, embaraços ou impedimentos arbitrários ao usufruto das prestações previdenciárias que afetarem a possibilidade de manutenção da vida digna, afetam a capacidade de autodeterminação e projeção de futuro da pessoa humana e a sua existência condigna com os seus iguais, podem causar danos patrimoniais, morais e existenciais de forma cumulativa, em determinadas situações.

Partindo-se do pressuposto de que o dano existencial não tem origem interna e que é causado por uma ofensa que atinge, frontalmente, o interesse de um indivíduo, impedindo-o de realizar um projeto de vida feliz (aquilo que cada um idealiza como felicidade), fica mais fácil entender que o dano existencial não se confunde com o dano moral e vai além deste.

Não se pode dizer que o “impedimento de um projeto de vida” seja apenas uma simples “perda de chance” (instituto comum às esferas cíveis e trabalhistas) ou de uma mera lesão que gerou um atraso na realização de um sonho; e sim uma decretação de “fim de linha” ou a declaração de que um “projeto de vida” não pode ser mais realizado.

O dano ao “projeto de vida”, é, por conseguinte, um tipo de lesão que transcende a esfera psicossomática da pessoa humana. Atinge a alma, consterna e faz desacreditar no ideário de justiça. Trata-se de algo tão radical que compromete o sentido de vida justa e as expectativas existenciais do indivíduo.

O dano que frustra o projeto de futuro, a expectativa de uma vida menos sofrida e mais confortável e que obriga o ser humano a resignar-se com um futuro que lhe foi imposto pelo agente agressor, certamente, deve ser bem mais grave do que diversas condutas consectárias do dano moral.

Como se sabe, a “pessoa humana” deve ter lugar central na elaboração das normas, na ideia de Estado, de Nação e de Governo. Sem a valoração do ser humano como causa e razão de existir do próprio Estado, há de se questionar qual a lógica civilizatória se procura na construção dessas abstrações.

É justamente, nesse contexto, que o texto Constitucional adota o ser humano como prioridade e assegura a ele o pleno exercício dos seus direitos existenciais e fundamentais, imputando ao Estado o dever de zelar pela sua segurança e pelo pleno exercício daqueles direitos. Tal dever do Estado é o que se revela na sua “responsabilidade” jurídica de não permitir que qualquer ato dos seus agentes possa gerar lesões que comprometam os projetos de futuro das pessoas.

Assim, o direito previdenciário, como algo que se relaciona intrinsecamente com o “projeto de vida” de milhares de pessoas que sonham em um dia, depois de muito trabalho, conquistar a proteção social da aposentadoria e do devido descanso, pode e deve ser trazido ao debate sobre o dano existencial.

Em algumas situações, o segurado da previdência social, preenchendo todos os requisitos necessários ao  recebimento de um benefício temporário ou permanente por incapacidade laboral, de posse de documentos robustos que demonstram a referida incapacidade ( laudos de médicos especializados, receitas farmacológicas  e exames de imagem, laboratoriais e físicos), por embargos administrativos injustificados, não conseguem exercer o direito à prestação pecuniária correspondente e entram em completa falência material, psicológica e moral.

Na maioria das vezes, a frustação do direito decore de erro médico ou “má vontade” pericial, de equivocada exegese das normas, da inobservância de direitos já interpretados por jurisprudência dominante, de extravio de processos e até por descumprimento de decisões recursais administrativas e, em alguns casos, judiciais.

Casos como estes deixam o segurado em situação de verdadeiro “ drama existencial”, tendo que retornar ao trabalho sentindo dores e prejudicando ainda mais suas condições físicas e psicológicas decorrentes da incapacidade laboral ou mesmo tendo que contar com a caridade dos familiares, amigos e terceiros para não sucumbir, literalmente, à fome e a mendicância.

Como bem dito pelo Professor José Antônio Savaris (SAVARIS, 2011a, p. 60)  , a concessão de um benefício previdenciário se refere ao direito de não depender da benevolência ou da misericórdia e a ofensa a tal direito gera um dano irreparável à sua condição de ser humano que precisa manter o mínimo para uma vida digna.

Podemos exemplificar, aqui, como hipótese lógico-indutiva  e no contexto de ensaio, algumas  possibilidades de ofensa aos núcleos de direitos humanos e fundamentais que podem ser classificados como dano existencial.

Em alguns expedientes normativos do próprio Conselho Federal de Medicina, há menção a atentado a dignidade da pessoa humana quando se força alguém a trabalhar quando se está doente e incapaz para o trabalho.

Entretanto, há situações em que a concessão de aposentadoria por invalidez (um benefício de caráter mais permanente), sem uma tentativa de reabilitação ou readaptação profissional também frustra expectativas e atrapalha, completamente, o projeto de vida de um segurado.

Existem casos em que o segurado, jovem, iria se desenvolver em alguma carreira, conseguir vantagens financeiras para aí, sim, conquistar o descanso remunerado digno. Os processos de reabilitação ou readaptação profissional poderiam permitir que aquele jovem permanecesse contribuindo para os cofres da previdência, evoluindo em alguma carreira (e aumentando o salario de contribuição) e , ao fim, podendo realizar o seu projeto de aposentadoria. Uma vez que, indevidamente a Administração Pública frustra esse direito, em alguns casos pode-se cogitar a existência de um dano existencial.

Há casos em que a responsabilidade civil pelo dano existencial é da entidade empregadora, mas a consequência jurídica se espraia para o direito previdenciário. O benefício previdenciário concedido seria uma consequência da conduta do empregador e as discussões sobre as responsabilidades cumuladas acabam fazendo parte do cotidiano forense.

A jurisprudência do STJ e do TST nos parecem consonantes no sentido de que as prestações pagas pelos órgãos previdenciários em razão de incapacidades decorrentes de acidentes do trabalho ou de doenças de caráter laboral não devem ser consideradas para efeito de fixação da indenização pelos danos materiais, morais e existenciais devidas pelo empregador em caso de dolo ou culpa daquele.

Os posicionamentos do TST e STJ parecem estar alinhados na coerência argumentativa de que as ações por acidentes de trabalho ou doenças de causas profissionais por serem de natureza alimentar, podem ostentar caráter compensatório e indenizatório, mas sem guardar relação com a responsabilidade securitária do Estado (natureza jurídica de seguro propriamente dita, que não se confunde com compensação ou indenização decorrente de responsabilidade civil).

Uma coisa é o dever de concessão do benefício previdenciário pela Administração Pública independente da responsabilidade pela ocorrência da incapacidade laboral do segurado e outra é a configuração de ação ou omissão do órgão previdenciário a gerar um segundo direito, desta vez indenizatório por eventual dano gerado ( dano existencial, por exemplo).

Ainda, em termos hipotéticos, podemos cogitar a existência de dano existencial de responsabilidade do Estado Administrador ( órgão previdenciário que nega um beneficio devido na esfera administrativa) e do Estado Juiz ( que, com sua morosidade, acaba frustrando a percepção do benefício) quando um segurado, ao ter seu beneficio previdenciário indevidamente indeferido, uma vez buscando a tutela judicial, passa anos e anos sem exercer o seu direito em função da morosidade do processo judicial e acaba falecendo no curso do processo.

Vejam-se que houve a “frustração de um projeto de vida” e isso nos parece irrefutável. Imagine se a concessão do beneficio previdenciário no momento devido não podia ter dado mais qualidade de vida ao segurado e, inclusive, contribuído para a não ocorrência da morte precoce? Seria plausível dizer que, se no caso de dano moral à pessoa falecida (atributos como: nome, reputação dignidade, imagem etc), haveria legitimidade dos parentes colaterais, o mesmo poder-se-ia aplicar a hipótese do dano existencial de natureza previdenciária? São questões que merecem ser melhor analisadas em outros trabalhos.

Certa feita, observamos um caso concreto, em que um senhor que havia trabalhado a maior parte da sua vida como gerente de banco, ganhando alto salário e tendo contribuído durante longos anos para o INSS, foi demitido e teve que, diante do desemprego e falta de vagas no mercado para o exercício de função similar a que tinha outrora, trabalhar como frentista, ganhando pouco mais do que o salário mínimo nacional.

Quando completou o  tempo de contribuição necessário para a aposentadoria, o INSS lhe calculou o salário de benefício e, para sua tristeza, deixou de considerar o período de frentista como trabalho especial e ainda lhe apresentou a RMI (renda mensal inicial) um pouco acima do salário mínimo, concedendo-lhe, há época, a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional.

Aquele senhor, que trabalhou a vida quase toda contribuindo sobre alto salário, tinha a expectativa de se aposentar com um provento digno, que lhe permitisse o descanso honrado ao lado de sua esposa (que a vida toda se dedicou aos trabalhos do lar), mas foi frustrado pela conclusão do INSS.

Irresignado, o cidadão, então, procurou a tutela judicial para revisar aquele ato, o qual considerava equivocado e injusto. Ocorre que, diante da possibilidade garantida em lei de buscar a tutela judicial sem advogado ( Ius postulandi) nos Juizados Especiais Federais, a partir de um “indevido processo legal”, sem uma correta atividade instrutória, de forma lacônica e superficial, teve o seu caso equivocadamente analisado e seu pedido julgado improcedente, tendo o feito transitado em julgado.

Apesar das possibilidades jurídicas (em tese) para rediscutir o caso (relativização da coisa julgada secundum eventus probationes, por exemplo), nossa hipótese, aqui, revela o dano existencial na esfera previdenciária.

O Estado Administrador, personificado pelo INSS, teria dado o “primeiro tiro” no projeto de vida daquele Senhor e o Estado Juiz, personificado pelo Juizado Especial Federal, teria dado o “tiro fatal”.

Se as teses que podem ser trazidas para que o Judiciário reaprecie os fatos e provas não forem acatadas, terá aquele cidadão sofrido um dano existencial pelo impedimento de um projeto de vida feliz a partir da sua tão sonhada aposentadoria, a qual lhe daria a dignidade de um bom descanso e de uma boa qualidade de vida na velhice.

Seria possível, então, mediante a apresentação de um bom contexto fático-probatório, imputar a responsabilidade ao Estado pelo dano existencial verificado?

Nós, os operadores cotidianos do direito, sabemos que, a cada dia, a luta por justiça (aquela que na sua concepção mais simples e bela se traduz na “ entrega do direito a quem o tem”) tem sido tarefa cada vez mais difícil.

O Poder Judiciário que deveria ser “o grande herói” guardião da justiça, em alguns casos, passa a ser o grande vilão, maculador daquela. Sob as premissas de “celeridade”, atacam mortalmente a “efetividade”. Sob o primado da eficiência (destaque pela busca constante de cumprimento de metas), atropelam do devido processo legal.

Nesse contexto, é bem difícil que eventual lesão a direito existencial no contexto previdenciário seja reconhecida e atribuído o dever indenizatório ao Estado, seja ele administrador ou Juiz.

E quando o Poder Judiciário é a última fronteira, a quem recorrer?  Esse será o tema do nosso próximo ensaio.

REFERÊNCIAS

MACEDO, Alan da Costa; MACEDO, Fernanda Carvalho Campos e. Ônus da prova no processo judicial previdenciário. Curitiba: Juruá, 2018.

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2011a.

A intervenção Federal no Rio e sua relação com a Reforma da Previdência

20/02/2018 – Por Rafael Cimino Moreira Mota

Muito se tem ouvido no sentido de que a Intervenção Federal no Rio de Janeiro teria jogado por terra as pretensões do Governo Federal de discutir e aprovar a Reforma da Previdência. Assim sendo, o presente texto tem a função de esclarecer a população acerca desta situação e explicar, com breves e simples palavras, a relação entre esses dois pontos que, aos olhos do leigo, são tão distantes.

A PEC 287, que pretende “deformar” a Previdência Social Brasileira é uma proposta de Emenda Constitucional que, conforme diversas publicações mídia afora, pretende promover a destruição do que hoje conhecemos como Previdência, gerando uma série de distorções sociais.

O art. 60 §1º da Constituição Federal dispõe que, no curso de Intervenções Federais, tal qual está ocorrendo no Rio de Janeiro, a Constituição Federal não poderá ser emendada. Em outras palavras, a Reforma da Previdência – que é uma proposta de emenda constitucional – não pode ser aprovada durante a Intervenção (guarde a palavra “aprovada”). Diante desta vedação, vários estudiosos afirmaram que a Reforma estaria superada e que o Governo estaria “jogando a toalha”. Contudo, este autor prega cautela, pois este governo (sim, em letras minúsculas) já deu provas de que é capaz de tudo para ver seus interesses satisfeitos.

Vejamos o cenário que se apresenta: o governo federal tem 83% de rejeição e o índice de criminalidade no Rio, em que pese ser muito alto, é apenas metade do que se vê em outros estados como Sergipe ou Rio Grande do Norte, por exemplo. No Rio Grande do Norte, há pouco tempo atrás, vimos a desordem tomar conta e o governo federal pouco ou nada fez.

Vamos aos fatos: Rio Grande do Norte e Sergipe – em que pese serem ótimos estados, cheios de cidadãos de bem, que pagam os mesmos tributos que eu e você, e que votam como eu e você – não dão Ibope, mas o Rio de Janeiro sim. Há holofotes para as ações praticadas no Rio, por uma série de fatores que não vêm ao caso. Fato é que a Intervenção Federal no Rio pode soar como “uma decisão acertada do governo”, sugerindo que reformar da Previdência também o seria, e que a população deveria apoiá-la.

Não digo que a intervenção não deveria ocorrer, mas digo que há situações tão importantes e necessárias quanto esta que deveriam ter sido enfrentadas muito antes por um governo que busca, de todas as formas, se manter no poder e vender uma imagem de que está fazendo o certo, da forma certa.

Pois bem. Feitas estas ponderações, voltemos ao art. 60, §1º da Constituição e à palavra “aprovada”. Observe que vedar a Emenda à Constituição não é vedar a discussão da proposta de emenda. Ou seja, o Congresso Nacional pode sim colocar o assunto em pauta e discuti-lo durante o período da Intervenção Federal. O que não se pode é concluir o processo legislativo da Emenda.

Vou além. Pode ser que, de fato, a Reforma saia da pauta desta semana na Câmara e que, como havia se ventilado anteriormente, seja colocada em discussão em Novembro. Enxergo esta possibilidade como real e prego que devemos ficar ainda mais atentos, pois com a passagem das eleições, o cenário político estará menos conturbado, sem o incômodo grito popular que diz que “quem votar não vai voltar”.

Feitas estas considerações, digo que a Intervenção Federal pode soar como uma cortina de fumaça sobre uma das maiores bandeiras do governo federal: a Reforma da Previdência. Não podemos cessar a luta em favor da Previdência e da manutenção dos direitos sociais. A Reforma da Previdência deve ainda ser combatida e a população precisa estar atenta para o quão lesiva ela se apresenta.

[1] Advogado especialista em Direito Previdenciário, sócio da Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados, com atuação nas cidades de Barbacena, Barroso, São João del Rei e Carandaí. Advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção e do Mobiliário de Barroso/MG, Procurador da APAE de Barbacena/MG, Procurador do Instituto Bom Pastor. Professor de Direito Previdenciário na Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena/MG e em cursos preparatórios para concursos. Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados – Rua Freire de Andrade, nº 15, Lj 04, Centro, Barbacena/MG. (32) 3362-9787, 9.8818-0246 e 9.9947-4847.

FICOU COM ALGUMA DUVIDA SOBRE O ARTIGO

O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade

Fernanda C. Campos e Macedo ¹

O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade

Fernanda Carvalho Campos e Macedo[1]

Ab initio

Tentamos trazer nesse texto uma visão sociológica do Direito dos infratores no atual sistema policial, penal e carcerário Brasileiros sob a luz dos Direitos Humanos e da visão deturpada de parte da sociedade sobre Direitos Humanos e seus destinatários.

Partimos da premissa de que há de se respeitar os Direitos Humanos para todo e qualquer destinatário, defendendo-se o direito a um meio ambiente penal e carcerário equilibrado, essencial para a salvaguarda da Dignidade da Pessoa Humana e a possibilidade de reinserção do infrator na sociedade.

DAS RAZÕES DE DIREITO E A NOSSA VISÃO SOBRE O TEMA:

Nem sempre os Direitos feitos pelos homens para os homens foram resultado de processo legislativo formal. Muitas conquistas foram alcançadas através de guerras, com conquistas de territórios e promessas de legislações mais garantistas pelos conquistadores.

Em tempos remotos, a humanidade não estava muito preocupada com a definição de regras que pudessem protegê-la como “seres humanos” em si, mas com a criação de uma disciplina coletiva capaz de assegurar-lhes organização a partir de sistemas hierarquizados de poder.

A partir do momento em que os seres humanos se reconhecem como tal, principalmente no diz respeito à capacidade de agir de forma racional, dialogar, sentir, fazer e transformar – podemos dizer que teve inicio as lutas por seus direitos em diferentes frentes e contextos.

Apesar do homem ter se reconhecido como “ser de direitos relativos a sua natureza e sua essência humana” é notório que a sociedade ainda tem muito que caminhar e conscientizar quem ainda não se incluiu ou não se percebeu enquanto ser humano na escala de direitos existências.

A tortura, a violência física e psicológica, a submissão do ser humano a condições degradantes são exemplos mais drásticos de que é preciso avançar na educação e aculturamento de massas manobradas por um sistema excludente e apresentador de soluções rápidas para questões sociais tão difíceis, advindas de contextos antropológicos, históricos e culturais.

Os direitos humanos buscaram “aperfeiçoar a própria humanidade”. Nesse passo, não se trata apenas de um movimento social que almeja criação de novas garantias, mas a proteção de direitos naturais ligados à própria existência humana.

Diante do saber coletivo de que os Direitos Humanos foram formalizados em normas jurídicas e de que é preciso cumprir tais normas a luz da legislação pátria e internacional incorporada ao ordenamento, a constatação de que seres humanos são submetidos a violências físicas e psicológicas por autoridades constituídas, a ambientes e degradantes das mínimas condições de dignidade humana, requer mais pesquisa e mais problematização a fim de que tais linhas de estudo alcancem os responsáveis pela materialização do direito.

Não seria demais lembrar que a violação aos direitos humanos é um problema do Estado Brasileiro enquanto nação e enquanto Administração Pública. À nação se cobra o cumprimento dos pactos internacionais que foram celebrados para garantia da proteção àqueles direitos e à Administração Pública o cumprimento das Leis com a interpretação garantista da Constituição Federal de 1988.

O que se pretende, aqui, é chamar a atenção do leitor para um tema que é de difícil compreensão por grande parte da sociedade. Em cenário de antagonismo político e de dualidade de posições, ser a favor da proteção aos Direitos Humanos é “ser defensor de bandido” e ser contra os direitos Humanos é ser “defensor da moral e dos bons costumes”.

Somos a favor da tese em que a punição de infratores pode ser feita de forma rígida e eficaz sem que lhe sejam usurpados os Direitos Humanos. Defenderemos a aplicação rigorosa de penas; a atuação firme das polícias; a mão firme do Estado contra o crime; a proporcionalidade na repressão policial em Estado de Guerra urbana; a salubridade física e psicológica do sistema carcerário para fins de ressocialização do indivíduo e da Responsabilização do Estado na comissão ou omissão relacionadas a salvaguarda dos Direitos Humanos.

Nossa Constituição Federal de 1988 diz em seu art. 5º, III:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;” ( grifamos)

A Lei 7210/84, Lei de Execução Penal diz nos artigos abaixo relacionados:

“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III -jurídica;IV – educacional;V – social; VI – religiosa.

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)”

Ocorre que, conforme amplamente noticiado, os estabelecimentos prisionais estão, em sua maioria, superlotados, de modo que não tem sido garantida a segurança pessoal dos que lá vivem, além de frequente surgimento de problemas de saúde, brigas e mortes dentro desses locais. Dirão: “mas o preso tem mesmo que sofrer, lá não é colônia de férias”.

Tal visão nos parece extramente “ignorante” do ponto de vista científico das matérias: criminologia; sociologia; Direito Constitucional; Antropologia e História. É evidente que a “dignidade da pessoa humana” não pode ser relativizada. As penas existem para punir os infratores e, nelas, já existe a carga de cerceamento de direitos e liberdades entre as quais não se incluem o “tratamento desumano”.

Aqueles que defendem a “degradação do ser humano” que pratica ilícitos penais não tem a menor ideia de que a evolução da sociedade com o consenso sobre o respeito a garantias mínimas e universais de todo ser humano é que lhes garante a coexistência pacífica.

Ao Estado incumbe o dever constitucional e legal de preservar a integridade física, moral e psíquica dos condenados, apesar do seu direito de punir( ius puniendi) a quem infringe as normas impostas.

Ocorre que as prisões brasileiras, cronicamente, submetem os presos a condições sub-humanas, como se fossem verdadeiros “depósitos de gente” com superlotação, estrutura ambiental insalubre, ausência de serviços de saúde entre outros.

O tempo passa e o homem continua sendo “o lobo do próprio homem”. Já tinha dito Jesus há muito tempo: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.

A sociedade moderna que deveria cobrar, sim, mais segurança e menos violência, deveria também entender que a diminuição daqueles índices passa pela maior participação do Estado na manutenção das “ famílias”; do fomento à educação e profissionalização; do investimento em prevenção da violência; da oferta de direitos iguais para todos. O Estado é, sim, co-culpado pela situação da violência no Brasil e pelo estado de “selvageria” em que estamos. Muitos são os infratores que são segregados por cometerem crimes bárbaros, os quais geram repulsa coletiva. No entanto, muitos e talvez a maioria são vítimas da própria omissão estatal.

Quando se instalou, no Rio de Janeiro, o programa de UPP’s ( Unidades de Policia Pacificadoras), era certo que tal ingerência do Estado nas comunidades deveria vir acompanhada de um projeto de inclusão social e de prevenção na formação de novos infratores.

Ora, se um infante de 12 anos de idade estivesse sendo assediado pelo tráfico de drogas, sua mãe estivesse desempregada e doente e aquele menor fosse órfão de pai (traficante morto em confronto com a polícia), que destino ele teria senão se submeter ao assédio dos criminosos? Tivesse o Estado instalado um projeto como o SENAI naquela comunidade e ofertado cursos profissionalizantes já com perspectiva de emprego para aqueles menores órfãos do tráfico, poder-se-ia dizer que tiveram uma oportunidade de escolha? Se justificaria mais o Ius puniendi depois de tal tentativa?

Como um pai que diz: “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” tem sido o Estado. Enquanto se noticia que os políticos investem alto em “ corrupção” e usurpam os recursos que eram destinados para inclusão social, discutem uma legislação penal mais abrangente e não tem na sua pauta a questão do sistema carcerário.

E a retórica daqueles políticos cada vez mais persuadem a sociedade: “ lugar de bandido é na cadeia ou na vala” e “presídio é lugar para o bandido sofrer”. Dizem isso, pois é fácil, depois de um grande histórico de alienação de grandes massas, incentivar a “guerra de todos contra todos” para passarem ilesos os seus próprios crimes contra a humanidade. Resolvem os seus problemas, legislam para quem paga mais e induzem as suas vitimas a digladiarem-se entre si para que estejam bem ocupados e não os incomodem.

Os Agentes da Polícia, também vítimas desse sistema, são atacados por todos os lados. Sobrevivem com baixos salários para colocar suas vidas em risco em prol da segurança pública. Doentes psicologicamente, fragilizados e acuados, revidam as injustas agressões com “injustas agressões”. Às vezes revidam o ataque de forma “proporcional” e, em outros casos, de maneira “ desproporcional”. E quem é o culpado dos desvios? “Quem apertou o gatilho”, de fato?

Parte da Sociedade pede uma Polícia mais criminosa: “bandido bom é bandido morto”. Outra parte acusa a Polícia de praticar excessos e imputam a responsabilidade, exclusivamente, ao Policial.

Do lado oposto, o infrator chama o policial de “verme” e coloca o seu extermínio como uma das suas pautas principais. O criminoso acha que o Policial é o seu principal inimigo, mas não consegue discernir que aquele ser humano que o combate é a personificação do Estado que, além de se omitir na sua função social de inclusão, ainda o reprime para dar uma resposta a parte da sociedade.

Enfim, como no filme “Tropa de Elite 2”, acreditamos que o problema da violência e da “ guerra de todos contra todos” tem um culpado principal: os nossos representantes da Classe Política.

Hoje, o sistema de freios e contrapesos tenta se impor com uma ação do Estado- Juiz sobre o Estado-Legislador e Administrador, nas pessoas dos seus membros. No entanto, ainda há muito a se fazer e a se conscientizar. O Sistema já vem, há tempos aparelhando, o Poder Judiciário com o sistema de “nomeação de membros” nas altas Cortes do país.

Quando a ação de um grupo de Procuradores da República e alguns juízes de primeiro grau passa a ser a grande esperança do povo (Operação Lava Jato), nossa preocupação passa ser a outorga de “super poderes” para um só corpo do Estado que, formalmente, não representa a vontade do povo, que seria o titular do” poder”.

Doutro lado, quando se constatam decisões das Cortes Supremas atuando como extensões da vontade dos demais poderes e seus representantes, a esperança daquele povo se esvazia.

Quando o “arbítrio” em decisões de primeiro grau se tornam a referência de boas práticas, conseguimos compará-las à súplica da sociedade à polícia: “ matem os bandidos, pois bandido bom é bandido morto”.

Terminamos parafraseando o Personagem do Filme Tropa de Elite 2, Capitão Nascimento: “O Sistema é F…, parceiro. Entra político, sai político, continua tudo na mesma, nada muda. Ainda vai levar muito tempo para consertar essa p…., e muita gente inocente vai morrer no meio do caminho”. Basta saber que é o inocente e quem é o culpado nessa história.

[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista

FICOU COM ALGUMA DUVIDA SOBRE O ARTIGO

Aspectos sociológicos da coisificação da pessoa no contexto da Reforma Trabalhista e Previdenciária

Fernanda C. Campos e Macedo[1]

O conceito de pessoa, especialmente naquilo que tem relação com o começo e o fim da vida, sempre teve importante relevância no campo do direito.

Se, de fato, o direito é construído por pessoas e para as pessoas, a formação de um senso comum sobre quando começa a vida e quando ela termina tem importância não apenas no campo da metafísica, mas abstratamente no conceito filosófico do que é “vida” e o que é “viver e morrer com dignidade”.

O direito, nesse contexto, deve ser visto, como uma ferramenta feita pelo homem e para o homem e, desta forma, deve assegurar àquele o status jurídico compatível a sua existência humana. Tal primado advém da sua própria consideração de pessoa: ser digno de proteção e respeito.

Apesar deste reconhecimento de que o homem é pessoa de direitos, a história comprova que nem sempre foi assim. A escravidão foi a maior prova de que o homem nem sempre foi tratado como pessoa. Naquele período, de forma expressa e sem pudores, havia a legitimação da “coisificação do homem” (homem como coisa e não como pessoa) enquanto ser passível ser comercializado, explorado e destruído por outros homens.

Com o avanço do capitalismo exacerbado, minimização do Estado e programas de alienação de grandes massas, alguns projetos de Poder, infelizmente, retomam a ideia de que o homem pode ser tratado como “ coisa”, só que desta vez de uma maneira disfarçada. Eis aí as ideias propostas nas Reformas da Previdência e trabalhistas apresentadas pelos partidos que pretendem se consolidar e aparecer como salvadores do Brasil. São eles PSDB e PMDB (com apoio de outros partidos que vendem seus votos a preço de ouro).

A constatação do aumento da longevidade, por exemplo, está em plena discussão no Brasil no contexto de reformas trabalhistas e previdenciárias. Desapegados da interdisciplinaridade e das múltiplas faces que envolvem as relações socioculturais no país, os economistas trazem fórmulas prontas para uma matemática que não se comunica com as ciências sociais e humanas.

O número de idosos brasileiros (com 60 anos ou mais) aumentou bastante na última década e tal variação em muito se deve a cultura de melhores cuidados com a saúde física na terceira idade, bem como os avanços tecnológicos da medicina.

Ao contrário do que afirmam os “reformistas”, caso tivéssemos uma proteção social mais abrangente através da correta utilização de recursos (diminuição dos índices de corrupção) a longevidade verificada poderia ainda melhorar e tal reflexo, de certa forma, colaboraria para economia do país, já que os salários percebidos na” aposentadoria” são gastos no próprio mercado.

É cediço que boa parte dos idosos, no Brasil, acaba tendo que retornar ao mercado de trabalho para subsistir com dignidade e foi, justamente, a constatação desse fato que faz os governantes pensarem: “ já que eles conseguem trabalhar, por que estão aposentados”?

Se estamos em um “Estado de bem estar social” é evidente que a constatação de que idosos retornaram ao mercado de trabalho deveria cobrar medidas para que estes não retornassem ( talvez com a manutenção do poder de compra e com uma aposentadoria digna; ou com a redução da carga tributária para que os produtos de primeira ordem pudessem ser adquiridos por aqueles) , gerando vagas para os mais novos que pretendem ingressar no mercado.

O Cálculo atuarial que embasa os sistemas de seguro, a nosso sentir, deveria estar adstrito à média de “sinistros” e o valor de contribuição e tempo necessários para custear a proteção. Se alguém começou a trabalhar muito cedo, mas contribuiu em tempo e na quantia necessária para conquistar a aposentadoria, a idade mínima não deveria ser cobrada, já que os cálculos médios ostentam situações diversas em atenção ao primado da “ solidariedade” do sistema. Ad exemplum: uns contribuem durante toda a vida e não usufruem da aposentadoria e nem deixam pensão por que morrem e não têm dependentes; b) Uns contribuem durante toda a carência necessária para a aposentadoria e, após se aposentar, continuam trabalhando e contribuindo sem qualquer contraprestação (Impossibilidade de desaposentação).

Muitas questões relacionadas à Gestão e governança do sistema previdenciário poderiam gerar uma reforma justa, de modo que, por exemplo: a) beneficiários de auxílio-doença também contribuíssem para o sistema no período de afastamento; b) investimento em fiscalização das contribuições previdenciárias dos empregadores e segurados (milhões são sonegados anualmente); c) investimento na fiscalização de fraudes na concessão de benefícios; entre outros.

Uma auditoria completa na Previdência Social, certamente, daria uma série de soluções para a gestão do sistema sem que fossem necessários retrocessos sociais e, pelo contrário, poderia gerar superávit para a ampliação da proteção social.

A Reforma Trabalhista também soa como um atentado aos direitos Sociais duramente conquistados ao longo de décadas. Basta ler o preâmbulo da Carta Magna de 1988 que se entenderá que os direitos sociais conquistados não podem retroagir e, pelo contrário, devem ser ampliados:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” ( grifamos)

Na prática o projeto de lei da Reforma trabalhista, se implementado, provocará uma drástica redução de direitos e no desmantelamento do sistema de relações de trabalho em vigor desde o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho.

Na visão dos defensores da reforma, as mudanças são necessárias em função da evolução nas relações de trabalho ao longo do tempo. Ocorre que tais mudanças, a nosso sentir, reclamam maiores cuidados com a proteção do trabalhador e não ao contrário, já que no nosso histórico de colônia de exploração, nunca existiu, culturalmente, um “equilíbrio” nas relações entre empregador e empregado.

Como definir que o negociado pode prevalecer sobre o legislado se é notório tal desequilíbrio; e se existem altos índices de condenações na Justiça do Trabalho por abusos por parte de empregadores?

Num cenário ideal, seriam poucas as condenações na Justiça do Trabalho de empregadores, pois estes teriam consciência social e adimpliriam devidamente com os direitos dos trabalhadores. No entanto, os números na Justiça laboral refletem justamente o contrário o que reclama os “olhos atentos” do Estado-Juiz e não ao revés como quer o governo.

Ora, como será uma frágil vítima desse cenário o trabalhador desempregado, com filhos precisando de alimentação e dizer para ele: “ tenho um negócio para lhe propor. Você trabalha para mim sem os direitos que a lei te dava e eu te pago abaixo do razoável, mas te dou um emprego. Fique certo que nosso negócio, apesar de desigual, não pode ser contestado na justiça, já que o negociado prevalecerá sobre o legislado.”

O Projeto do Governo de Michel Temer (parceria PSDB/PMDB) institui um marco regulatório “altamente favorável aos interesses das empresas”, que são os grandes financiadores de campanha e corruptores de políticos (senão vejam-se os fatos denunciados na operação lava-jato) .

Os principais fundamentos da reforma são: extinção do princípio de proteção ao trabalhador perante o empregador; redução do poder de negociação e de contratação coletiva dos sindicatos; outorga para usurpação de direitos previstos em lei; ampliação da possibilidade de contratos atípicos e desiguais e de trabalho autônomo; restrição à atuação do Poder Judiciário e também do acesso dos trabalhadores à Justiça.

Enfim, todas as evoluções que alcançamos para maior proteção do ser humano estão indo de água abaixo e o “povo”, infelizmente, alienado, sorri com o “ pão e circo” oferecidos pelo governo em associação com a mídia ( pertencente ao grupo empresarial que financia tais projetos).

Nossa função, enquanto cidadãos que tiveram acesso ao conhecimento e a história é, incansavelmente, “informar” e multiplicar as informações verdadeiras para a população. Seremos chamados de “subversivos”, já que a “ ditadura” disfarçada de democracia está instalada, mas dormiremos tranquilos em nossos travesseiros.

E-mail da autora: professorafer.campos@gmail.com

[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista.

FICOU COM ALGUMA DUVIDA SOBRE O ARTIGO

A Eficácia Prosprectiva e Retrospectiva do Início de Prova Material nas Aposentadorias por Idade Rural

Por: Alan da Costa Macedo

Muitos operadores de direito ainda tem certa desconfiança da atividade uniformizadora da jurisprudência, sob a suspeita de que, em alguns casos, aqueles julgadores acabam legislando atipicamente, usurpando a competência do Poder legislativo.

Tal crítica não deixou passar a interpretação do art. 39, I, da Lei 8213/91.

Alega-se que o legislador foi claríssimo ao exigir a comprovação da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo e que qualquer interpretação ao contrário disso distorceria, inclusive, o aspecto semântico ditado pelo legislador ordinário.

Vejamos, então, o que diz o artigo citado, com o grifo nas partes que interessam ao presente texto argumentativo:

“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou   “ ( grifamos) 

Data vênia aos que pensam ao contrário, mas, salvo melhor juízo, a interpretação dada pelos Tribunais Superiores e Turmas de Uniformização não se deram na forma de legislação atípica, criando-se norma não ditada pelo legislador ordinário. A visão dos intérpretes foi sistemática e não restritiva.

A interpretação teleológica do termo exposto no referido texto legal (período imediatamente anterior ao requerimento do benefício) remete a ideia de que o legislador quis que a pessoa comprovasse, já por ocasião do requerimento administrativo -ou seja- com documentos que se referissem a período anterior ao requerimento administrativo- o trabalho rural nos 15 anos (180 meses) anteriores a data em que fez o referido pedido.

É que, em alguns casos, no decorrer do processo administrativo previdenciário, o segurado leva documentos probatórios para acabar de instruir o feito, referentes a período posterior a data de requerimento administrativo. Foi isso que o legislador quis dizer que não podia.

Tal conclusão se dá pelo fato de que, caso o legislador ordinário tivesse “desigualado” as condições restritivas do acesso a aposentadoria por idade urbana da aposentadoria por idade rural, sem um fator discrimem razoável para desigualação, teria incorrido em evidente vício de inconstitucionalidade por ofensa ao Art. 201, §1º, da CF, in verbis:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(…)

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. “(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

Como se pode observar do dispositivo constitucional acima mencionado, o Legislador Constituinte derivado só excetuou duas hipóteses para adoção de critérios diferenciados na concessão de aposentadoria, quais sejam: a) condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física; b) Quando se tratar de segurados portadores de deficiência.

Observe-se, portanto, que a exigência genérica que abarca tanto a aposentadoria por idade urbana quanto a aposentadoria por idade rural é a idade mínima e a carência contributiva, conforme a tabela do art. 48, caput, da Lei 8213/91, in verbis:

“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.”( grifamos)

Em relação a aposentadoria por idade urbana, o legislador ordinário não fez qualquer exigência probatória para que os 180 meses de carência fossem comprovados através do adimplemento das contribuições ( prova) em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. E qual seria o fator discrimem razoável para se exigir do trabalhador rural (que tem muito menos condições de produzir as provas) comprovação mais onerosa do que a do trabalhador urbano?

Foi justamente por esse motivo, que o intérprete, com a visão sistemática do art. 39, I, da Lei 8213/90 com a LICC(Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum) e com a Constituição Federal (art. 201,§1º da CF) alcunhou um termo chamado “ampliação da eficácia prospectiva e retrospectiva do início de prova material a partir de firme prova testemunhal”.

Tal tese interpretativa permite que o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo arguido as testemunhas e verificado que todas foram firmes (não contraditórias) nas suas respostas; ouvindo o depoimento pessoal do autor da ação; observando condições relacionadas às vestes, ao linguajar, à pele (muitas vezes maltratadas pelo sol), às mãos ( em muitos casos calejada, com calos novos e antigos) amplie a eficácia temporal prospectiva ( período para frente) ou retrospectiva (período para trás) do documento início de prova material.

Tanto a TNU quanto o STJ já paficicaram tal tese, na ótica de que o art. 39, I, da Lei 8213/91 deve ser interpretado no seguinte sentido: “período imediatamente anterior” não tem significado restritivo ou tarifário na produção e valoração da prova.

O Juiz deve ser livre para decidir conforme as provas trazidas pelas partes, sendo certo que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Codex processual, mas que sejam hábeis para provar e convencer sobre a verdade dos fatos em que se funda a ação.

Nesse sentido, tendo o trabalhador rural trazido documentos como início (ou indício) de prova material que se refiram a uma data que esteja longe daquela referente ao requerimento administrativo, a circunstancialidade observada por ocasião da audiência de instrução e o firme depoimento das testemunhas compromissadas hão de ampliar a sua eficácia temporal para provar o labor campesino durante o período de carência exigido pela lei.

Foi justamente nesse sentido, que o STJ, intérprete maior da lei federal, no rito dos recursos repetitivos pacificou o assunto:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.

1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.

4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.

6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

(REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)

Na mesma linha, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudências dos JEF’s- TNU, também pacificou a matéria:

“VOTO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. AVERBAÇÃO. SEGURADOESPECIAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELAPROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 14/TNU. INCIDENTE PARCIALMENTEPROVIDO. 1. Pretende o autor a modificação de acórdão que não reconheceu o seu direito à averbação do tempo de serviço rural supostamente exercido no período de 28/01/61 a 14/01/66 e 18/11/66 a 24/05/77 (com exceção do ano de 1968, que foi reconhecido na sentença), ao argumento de que o início de prova material não precisa corresponder a todo o período de carência, desde que corroborado por adequada prova testemunhal. Adentro o mérito recursal,já que presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso manejado,assinalando que a decisão do em. Presidente desta Turma Nacional admitiu apenas em parte o presente incidente, deixando de dele conhecer em relação ao alegado cerceamento de defesa. 2. Esta Turma Nacional já pacificou o entendimento, cristalizado no enunciado da Súmula nº 14, de que para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”, atribuindo-se à prova testemunhal a aptidão de estender a eficácia probatória desse início de prova material, seja de forma prospectiva, seja retrospectiva. 3. Por conseguinte, o documento datado de 1968, qual seja, ficha da Cooperativa Tritícola Santiaguense, relativo à comercialização de produtos agrícolas pelo autor, que foi considerado idôneo como início de prova material, pode ter a sua eficácia probatória estendida por adequada prova testemunhal,tanto para o período anterior quanto para o posterior àquele ano. 4. Confirmação de entendimento desta TNU veiculado no acórdão prolatado nos autos do Pedilef 2005.81.10.001065-3, de minha relatoria, ao qual se imprimiu a sistemática prevista no art. 7º do Regimento Interno, que determina a devolução às Turmas de origem dos feitos congêneres, para manutenção ou adaptação dos julgados conforme a orientação pacificada.5. Não tendo sido ainda colhida a indispensável prova testemunhal (o juízo de procedência do período deferido na sentença se baseou, exclusivamente, nos depoimentos realizados em justificação administrativa, perante o INSS), determino a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juizado de origem, para reabertura da instrução processual, para fins de realização da prova testemunhal e exame da sua adequação para ampliação da eficácia probatória do início de prova material. Este o limite à nova decisão a ser prolatada pelo condutor do processo, uma vez que a idoneidade do início de prova material e a possibilidade de seu aproveitamento para os períodos questionados está sendo reconhecida por esta Turma Nacional, não podendo,portanto, ser objeto de nova deliberação.6. Ressalto que relativamente ao período anterior a 14/01/66, deverá ser objeto de exame apenas o período entre 28/01/61 a 31/12/62, já que o julgado recorrido reconheceu como descaracterizado o trabalho rural entre1963 e 14/01/66, uma vez que, nessa época, o autor “já estudava na cidade e voltava apenas aos finais de semana”, segundo depoimento de uma das testemunhas ouvidas. Como não houve específica impugnação do julgado,nesse particular, aqui ele se mantém hígido.7. Incidente parcialmente provido. “ ( grifamos)

(TNU – PEDILEF: 137684620074047195 RS, Relator: JUIZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data de Publicação: DOU 23/03/2012)

Além da TNU e do STJ, o TRF1 também já adotou a tese bem recentemente, senão vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. LIMITAÇÃO DO PERÍODO AVERBADO. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO INSS.  (…)  5. O início de prova material consiste em cópia do certificado de alistamento militar em 1968, que informa a profissão de lavrador (f. 19), e declaração de exercício de atividade rural emitida em 2010 pelo sindicato de Maria da Fé – MG (f. 39/41).  6. As testemunhas Sebastião de Lélis Corrêa e João Mira, ouvidas em audiência dia 11/04/2012 (f. 117/119), afirmaram conhecer o autor desde criança e que ele trabalhava com seu pai na roça, plantando arroz, feijão e milho, desde os 10 anos de idade. Informam que o autor se mudou para Itajubá – MG em 1969, passando a trabalhar com o irmão na cidade.  7. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, nas causas de trabalhadores rurais, tem adotado critérios interpretativos favorecedores de uma jurisdição socialmente justa, admitindo mais amplamente documentação comprobatória da atividade desenvolvida. As certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e contratos de parceria agrícola são aceitos como início da prova material, nos casos em que a profissão rural estiver expressamente consignada. Admite a condição profissional de trabalhador rural de um dos cônjuges, constante de assentamento em Registro Civil, seja extensível ao outro, com vistas à comprovação de atividade rurícola.Orienta ainda no sentido de que, para a concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos(AR 4.094/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).(EREsp 1171565/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/03/2015)  (…) 11. Mantida a sentença que reconheceu o direito do autor à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, a partir do requerimento apresentado em 13/09/2010 (f. 64), porém agora com 33 anos e 16 dias, mediante o cômputo do trabalho rural acima especificado, já excluídos os quatro meses de trabalho no ano de 1970 que deixaram de ser reconhecidos.  12. Parcial provimento da apelação do INSS para limitar a averbação do tempo rural do autor ao período de 22/08/1962 a 31/12/1969, mantendo a sentença em todos os demais termos. ( grifamos)

(AC 0056617-09.2013.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE JUIZ DE FORA, e-DJF1 de 31/10/2017)

CONCLUSÃO

Um dos principais primados do Direito Constitucional e do Direito processual é a “segurança jurídica”. A força dos precedentes, principalmente, aqueles oriundos da uniformização da jurisprudência são grandes exemplos da materialização daquele instituto.

Um bom caminho para redução da litigiosidade passa pela necessária reflexão de juízes de primeiro; juízes de turmas recursais dos JEF’s  e de Juízes dos Tribunais Regionais Federais sobre a “ segurança jurídica” advinda dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores e pelas Turmas de Uniformização da Jurisprudência.

O advogado, quando colaborador da justiça, deve, nas ações previdenciárias, desde o começo, tentar formular sua inicial, cotejando os fatos e provas com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e TNU nas ações previdenciárias.

Instruindo bem o processo com as provas já definidas pela jurisprudência como hábeis a comprovação do exercício rural, trazendo objetivamente os fatos controvertidos a partir da criteriosa análise do processo administrativo previdenciário, o juiz deve , salvo melhor juízo, se afastar de convicções ideológicas próprias e aplicar a jurisprudência já pacificada.

Não defendemos aqui o total “ engessamento” do Direito. Fenômenos como “distinguish” e “ overruling” são bem vindos, em alguns casos,  de tempos em tempos.

Tais institutos, entretanto, necessitam de boas argumentações para mudanças de paradigmas.

Não se pode mudar a jurisprudência firmada e pacificada a partir de meras conjecturas e suposições. É necessário que a “nova visão” a ser materializada nos julgamentos advenha de argumentos eloquentes e que convençam inclusive aqueles que tinham o pensamento anterior.

FICOU COM ALGUMA DUVIDA SOBRE O ARTIGO

ABONO DE PERMANÊNCIA RETROATIVO

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ABONO DE PERMANÊNCIA RETROATIVO

Diego Wellington Leonel, Advogado, Palestrante, Parecerista, Diretor do Instituto de Estudos Previdenciários-IEPREV, Assessor Jurídico de Institutos de Previdência de Servidores Públicos, Mestrando em Direito nas Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade Milton Campos, Especialista em Direito Previdenciário, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul, Pós-Graduado em Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos pelo Instituto de Estudos Previdenciários IEPREV, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Estadual, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Subseção Contagem, Conselheiro Científico do IPEDIS – Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais, Professor de Pós-Graduação em Direito Previdenciário.

O abono de permanência foi criado com a Emenda Constitucional 20/98 (arts. 3º, §1, e 8º, §5) como forma de incentivar o servidor que tivesse completado as exigências para aposentadoria a continuar no serviço público mediante isenção previdenciária.

O intuito era desestimular o intento dos servidores em se aposentar, contudo, a isenção da contribuição previdenciária restou infrutífera para sua finalidade, uma vez que culminou na redução da receita dos Regimes Próprios, comprometendo as finanças dos Institutos e, por conseguinte, dos Entes Federados.

Com as alterações promovidas pela EC 41/2003 o abono de permanência deixou de ser uma isenção da contribuição previdenciária e ficou caracterizado por ser equivalente ao valor da contribuição previdenciária do servidor. Consiste em uma gratificação concedida ao servidor que tendo alcançado os requisitos para se aposentar, opte por permanecer em atividade .

O direcionamento constitucional sobre a matéria está previsto nos artigos 2º, §5, 3º, §1 da EC 41/2003 e 40, §19 da Constituição Federal, vejamos:

Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente: I – tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; II – tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria; III – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso§ 5º O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no caput, e que opte por permanecer em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.

Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente. § 1º O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completado as exigências para aposentadoria voluntária e que conte com, no mínimo, vinte e cinco anos de contribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

A norma constitucional acima citada traz dois requisitos genéricos para concessão do abono de permanência, quais sejam:

• Ter o servidor completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecida no §1, III, a;
• Opção do servidor em permanecer em atividade.

Quanto ao primeiro requisito, nota-se que em regra, o preenchimento dos requisitos para aposentadoria por idade prevista no artigo 40, §1, III, b não garante ao servidor público o direito ao recebimento do abono de permanência. A Constituição Federal traz, em regra geral, ressalvadas as regras de transição, desde que haja o cumprimento das seguintes exigências:
III – voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Embora não esteja expresso a concessão do abono de permanência para aqueles que completaram as exigências para a inativação pela regra instituída pelo art. 3º da Emenda Constitucional 47/05, o Tribunal de Contas da União ratificou sua possibilidade no acórdão 1.482/2012. No mesmo sentido o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais através do recurso administrativo 896.447.

Assim, cumprido os requisitos para aposentadoria voluntária por tempo de contribuição, o servidor que optar em permanecer em atividade fará jus ao abono de permanência.

Entretanto, quanto ao termo inicial do abono de permanência existem correntes diversas sobre o tema.

NECESSIDADE DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO

Embora a legislação constitucional e infraconstitucional em análise, não exija requerimento administrativo para obtenção do abono de permanência, há uma celeuma sobre o tema.

A primeira corrente afirma que o abono de permanência não pode retroagir à data em que o servidor preencheu os requisitos da aposentadoria, devendo ser pago apenas a partir do seu requerimento à administração pública.

A segunda corrente por sua vez, entende que, preenchido os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência, como, por exemplo, prévio requerimento administrativo, motivo pelo qual o termo inicial do abono de permanência dá-se com o preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária independentemente do prévio requerimento.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema em mais de uma ocasião, ARE 825334 e recentemente no julgamento do RE 648.727, adotando a segunda corrente acima mencionada, conforme se infere da ementa abaixo transcrita:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. ABONO DE PERMANÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concluiu que, uma vez preenchidos os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência 2. Agravo interno a que se nega provimento. (RE 648727 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-135 DIVULG 21-06-2017 PUBLIC 22-06-2017)

Nesse ínterim, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, por intermédio do informativo de jurisprudência nº 66, divulgou consulta análoga sobre o tema, conformes e depreende do entendimento do Pleno:

A segunda indagação diz respeito à possibilidade de concessão do abono de permanência definido no parágrafo 19 do art. 40 da Constituição da República aos policiais legislativos que façam jus à aposentadoria especial. Sobre o tema, o relator mencionou que o aludido abono foi incluído no texto constitucional por intermédio da EC 41/03. Aduziu tratar-se de gratificação concedida a servidor que, tendo preenchido todos os requisitos para se aposentar voluntariamente, opte por permanecer em atividade até completar a idade para a aposentadoria compulsória. Explicou que, na hipótese da aposentadoria especial, os requisitos a serem preenchidos para a aposentação voluntária serão aqueles estabelecidos na Lei Complementar que regulamenta os critérios de concessão. Assentou que, reunidos os requisitos para a concessão da aposentadoria voluntária especial, o servidor que opte por permanecer em atividade fará jus ao abono permanência. Nesses termos, concluiu que, uma vez implementados os requisitos necessários para a aposentação especial estabelecida na LC 84/05, o policial legislativo que permanecer em atividade terá direito à percepção do abono permanência, frisando que, conforme já explicitado no item antecedente, para fazer jus à aposentadoria especial e, consequentemente, ao abono permanência, a atividade desempenhada pelo agente deverá ser de natureza estritamente policial.

Embora no caso analisado pelo Tribunal de Contas tratar-se de abono de permanência na hipótese de aposentadoria especial, extraímos para a análise desse parecer uma informação importante, qual seja, o marco inicial do abono de permanência após reunidos os requisitos.

Observe-se que os dispositivos constitucionais de regência não exigem como requisito para implementação do direito ao abono de permanência, o requerimento do servidor. Assim, em razão da finalidade do abono de permanência e da ausência de exigência do requerimento como condição para fazer jus ao benefício, ainda que o pedido ocorra depois, entende-se que o servidor tem direito de receber os valores pecuniários correspondentes desde a data em que implementou as condições para a aposentadoria exigidos pelas normas constitucionais aplicáveis.

Desta forma o termo inicial para concessão do abono de permanência deverá ser a partir do preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária, desde que o servidor opte em permanecer em atividade.

OPÇÃO TÁCITA X EXPRESSA

Sobre o tema também existem controvérsias, a celeuma se resume ao questionamento sobre a necessidade da opção do servidor em permanecer em atividade ser expressa, ou poderia ser tácita.

Essa controvérsia nasce em razão do disposto na Orientação Normativa 02/2009, vejamos o que dispõe:

Art. 86 (…)
§ 4º O pagamento do abono de permanência é de responsabilidade do respectivo ente federativo e será devido a partir do cumprimento do s requisitos para obtenção do benefício conforme disposto no caput e § 1º, mediante opção expressa do servidor pela permanência em atividade

A permanência do servidor na atividade após o preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária já é, contudo, suficiente para suprir o requisito de opção do servidor em permanecer em atividade, haja vista que ele continuou em atividade mesmo após cumprir os requisitos da aposentadoria voluntária.

Não seria razoável, tampouco eficiente, exigir do servidor como condição sine qua non a expressa manifestação por meio de formulários de sua opção em permanecer em atividade, haja vista a permanência de fato.

O direito ao recebimento do abono de permanência decorre de normas constitucionais de eficácia plena, ou seja, que possuem aplicabilidade direta, imediata, não dependendo de regulamentação por norma infraconstitucional, sendo necessário, tão-somente, que o servidor preenchia os requisitos impostos pela Constituição Federal.

Não obstante todas as considerações acima expendidas, a administração pública tem a discricionariedade de adotar outro entendimento, baseando-se no preceito contido na Orientação Normativa n. 02, de 31 de março de 2009, expedida pela Secretaria de Políticas de Previdência Social, cujo parágrafo quarto do art. 86 estabelece que, para o pagamento do abono de permanência, deve existir opção expressa do servidor pela permanência em atividade.

Trata-se de previsão que não tem sido acatada pelo Poder Judiciário, mas é importante ressaltar que muitos entes federados têm adotado esse entendimento (como também se verifica em relação ao posicionamento anteriormente exposto) por se tratar de norma expressa expedida pelo órgão da administração pública federal competente para estabelecer normas para todos os RPPS, inclusive no âmbito municipal.

É preciso, porém, vislumbrar, caso a administração pública adote essa regra de exigência da manifestação expressa do servidor para a percepção do abono, que poderão ser propostas ações judiciais em face do ente federado para questionar essa exigência.

CONCLUSÃO

Uma vez preenchidos os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência, como, por exemplo, o prévio requerimento administrativo. Configurados os requisitos para obtenção ao abono de permanência anterior à aposentadoria, não obstante o servidor ter realizado o requerimento após a jubilação, direito assiste ao servidor público ao recebimento da verba pecuniária, respeitado as normas da prescrição e decadência.

Ressalte-se, porém, que a administração pública, caso entenda pertinente, poderá seguir o preceito da Orientação Normativa n. 2/MPS que exige a manifestação expressa do servidor para o recebimento do abono de permanência. Nesse sentido, deverá informar em seus sítios eletrônicos (e demais veículos institucionais de comunicação) todos os procedimentos, formulários e medidas a serem adotadas pelo servidor público, conferindo ampla publicidade a esse respeito. Essa última opção, ressalte-se, poderá gerar questionamentos por parte dos servidores públicos que se sintam lesados a buscar o Poder Judiciário.

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IPEDIS APOIA CAMPANHA DE CARIDADE DO GRUPO CIDADÃOS SOLIDÁRIOS DE JUIZ DE FORA E ZONA DA MATA MINEIRA

Cidadãos Solidários – Campanha do Agasalho/Cobertor

No dia 17/052018, um grupo de servidores da Justiça Federal de Juiz de Fora se reuniu e criou um grupo no watssap chamado ” Cidadãos Solidários “. A ideia do grupo era congregar cidadãos que tivessem uma visão social inclusiva e solidária para fomentar projetos e ações de caridade em Juiz de Fora-MG.

As ideias foram se aperfeiçoando e aqueles servidores decidiram convidar amigos da Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Estadual e advogados de Juiz de Fora que se interessassem em ações de caridade para, somando forças, idealizassem ações concretas e diretas para os menos favorecidos da cidade.

Diante da rápida adesão dos colaboradores, a congregação de amigos que trabalham com o “Direito” se animaram em tentar obter “justiça social” de forma mais humanística, “metendo a mão diretamente na massa”.

O primeiro projeto dessa altruísta congregação de amigos, diante do frio da Cidade de Juiz de Fora e a quantidade de pessoas que moram nas ruas sem acesso a mínima proteção, foi a campanha do “Cobertor e do Agasalho.”

Um dos colaboradores que prefere não se identificar vai doar um “Violão” para realização de uma rifa que pretende arrecadar recursos para compra de cobertores de São Paulo a um custo menor.

Além da rifa, estarão disponíveis no prédio da Justiça do Trabalho, uma caixa para coleta de doações de cobertores e agasalhos que serão doados em dia e hora a ser combinado com o grupo dos “ Cidadãos Solidários.

Se você é um cidadão solidário e quiser contribuir com o nosso grupo, basta procurar um dos nossos postos de coleta e doar.

Se quiser, igualmente, participar de novos projetos do nosso grupo, basta mandar e-mail para: cidadaossolidarios@gmail.com com nome completo, profissão, contato telefônico e dizer porque se interessou pelo grupo e como pretende ajudar nos nossos projetos. Querendo, pode, também participar do ato de entrega das doações e receber fotos e informações sobre sobre o ato.

Para quem quiser participar e não puder deixar o e-mail, colocaremos, também, junto às caixas de doação, um pequeno formulário para que você preencha seus dados e, assim, possamos procura-lo para informar-lhe sobre os novos projetos.

Alan da Costa Macedo ( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça Federal)
Alexandre Magnus Mello Martins ( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça do Trabalho)
Olavo Antônio de Oliveira (( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça Militar)

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IPEDIS APRESENTA SUGESTÕES DE EMENDAS AO TEXTO DA MP 871/2019

O Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais- IPEDIS, por seus Conselheiros Científicos, está apresentando sugestões de Emendas ao texto da MP 871/2019. Os encaminhamentos serão feitos aos Deputados e Senadores que já demonstraram apoio às finalidades do Instituto.

O IPEDIS convidam a todos os operadores de Direito que são ligados ao Direito Previdenciário que colaborem enviando sugestões para o e-mail: ipedisbr@gmail.com

Abaixo, algumas das propostas já encaminhadas:

SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 22 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DA PENHORABILIDADE DE BENS OBTIDOS ATRAVÉS DE FRAUDES PREVIDENCIÁRIAS

Por: Alan da Costa Macedo

A MP 871/2019, através do seu art. 22, Inclui o inciso VIII, no artigo 3, da Lei 8009/1990 para dispor que:

“a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido “para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos.” (grifamos)

Houve ampliação do conteúdo normativo da Lei 8009/1990 que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Penso que esta questão deverá ser objeto de análise de Constitucionalidade pelo STF. Isso por que a redação do art. 22 da referida MP ignora o princípio da personalidade e individualização da pena.

O princípio da personalidade da pena disciplina a abrangente proibição de que a pena, abstratamente cominada, seja dirigida a terceiros. As penas restritivas de direitos, de perda de bens e a multa devem, tanto quanto à privação da liberdade, especial obediência ao princípio.

O referido primado está expressamente previsto no art. 5º, XLV, da CF, que assim normatiza seu valor:

“XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”

Nesse contexto, tal como os primados da legalidade e da Dignidade da Pessoa Humana, a personalização ou individualização da pena, representou uma grande conquista do Direito penal e Processual Penal a partir da análise sistemática das normas a luz da Constituição Federal.  A propósito, sob a lupa das finalidades da pena – e mesmo por razões de dar o direito a quem o tem (melhor definição de justiça) –, não há qualquer lógica em se aplicar uma reprimenda a quem não concorreu para a prática do delito.

Apesar da importância do princípio como um “valor constitucional”, a aplicação do princípio pelas autoridades responsáveis pela persecução penal e pelo Judiciário muitas vezes é mal interpretado, gerando grande insegurança jurídica sobre o seu significado, alcance e aplicabilidade.

Nesse diapasão, o termo inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos”constante na parte final do art. 22 da MP 781/2019 pode gerar grandes celeumas e insegurança jurídica para os intérpretes e operadores do Direito, seguindo-se, inclusive, de desnecessário controle repressivo de constitucionalidade ( caso o legislador modifique o texto do dispositivo mencionado).  

Conforme os ensinamentos do Professor José Antonio Paganella Boschi, o princípio da personalização da pena, por ele nominado de princípio da intranscendência “é expressão da lenta evolução dos povos. Constou da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, foi reeditado na Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e tem, em nosso meio, base constitucional”.

Afirmar que alguém “sabia” ou “deveria saber” da ocorrência de uma prática delituosa é tão subjetivo que se pode permitir o “ arbítrio interpretativo” a condenar diversos inocentes.

Há de se ressaltar ao legislador sobre os riscos de normas em aberto para a segurança jurídica dos cidadãos como um todo. O Direito Penal e Processual penal já tem mecanismos suficientes para responsabilização dos envolvidos em crimes, classificando-os, conforme a concorrência delitiva em: autores, coautores e partícipes. Não é necessária nova norma com conteúdo de direito penal que possa gerar desvios interpretativos ao final.

Não se está aqui a discutir a justiça na penhorabilidade de bens de quem os obteve, de ma fé, a partir de conduta delituosa. O que se discute é a responsabilização de terceiros que não tendo o “domínio do fato”, ou ainda, o “ domínio de uma organização”, seriam responsabilizados, patrimonialmente, pela conduta delituosa.

Imagine-se o número de advogados que poderiam ser responsabilizados por fato alheio a sua esfera de conhecimento? Pense-se em uma situação hipotética em que um segurado, em conluio com um “atravessador”, forje um determinado documento para obtenção de um beneficio previdenciário. Em seguida, fazem o pedido administrativo e recebem a denegatória do pedido sob outro fundamento que não seja a falsidade documental. Com a resposta negativa do INSS, aquele segurado procura um advogado que, controvertendo em face dos fundamentos da decisão do INSS, propõe a ação judicial e obtém o resultado favorável: a concessão do beneficio. Em seguida, descobre-se que a decisão judicial foi indevida, diante da fraude documental. A questão é: seria fácil responsabilizar o advogado ou até mesmo o Juiz que concedeu a tutela como “terceiros que sabiam ou deveriam saber da origem ilícita dos recursos”?   Sim. É factível e já se viu diversas situações análogas quando, esquecendo-se das prerrogativas e garantias profissionais, acusam-se os operadores do direito por fatos como este.

Pelo breve exposto, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 22 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:

a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido “para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, depois do devido processo legal administrativo e, no caso de configuração de crime, após a conclusão sobre a culpa, no processo criminal com condenação em segunda instância.”

SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 24 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA EM CASO DE SUSPEITAS DE IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DO BENEFICIO

Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo

A MP 871/2019, através do seu art. 24, altera o art. 69, §1º, da Lei 8212/91, reduzindo de 30 para 10 dias o prazo para apresentação de defesa na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão do benefício. O art. 69, §1º, da Lei 8212/91 passa a vigorar desta forma:

Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.

§ 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para, no prazo de dez dias, apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser.

Em que se pese a justificativa do Governo para tal alteração possa ser a de aumentar a eficiência no combate às fraudes e economizar recursos, a redução do prazo de defesa 30 dias para apenas dez dias pode ser interpretada como um ataque ao princípio do devido processo legal administrativo sob o prisma dos seus subprincípios: contraditório e ampla defesa.

É cediço que a maioria dos segurados é hipossuficiente e, em muitos casos, com dificuldades de locomoção;  falta de acesso a serviços públicos de qualidade ( nesse caso, a Defensoria pública não está presente em todos os municípios e, nas capitais, suas filas estão sempre cheias) e falta de educação básica, acaba encontrando sérias barreiras para o exercício regular dos seus direitos.

Há de se lembrar dos princípios processuais específicos que regem a relação da Administração Pública Federal com o particular dispostos na Lei especial ( 9784/99) que trata do Processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (grifamos)

Nesse sentido, considerando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se deixando de ponderar a necessária “eficiência” da administração pública e observando-se que a Lei 9784/99 não dispõe especificamente sobre o prazo para defesa, seria muito mais justificável que aquele prazo fosse de 15 dias úteis, levando-se em consideração os paradigmas do novo Código de Processo Civil que o prevê para a contestação e para maioria dos recursos.

Sendo o NCPC uma lei de caráter geral e que irradia seus princípios e valores para as demais normas processuais de forma subsidiária, o Poder Legislativo, ao buscar nas suas orientações gerais os paradigmas para futuras alterações legislativas, estaria prezando pela segurança jurídica, sem se desconectar da constante busca por maior eficiência na administração pública.

Pelo breve exposto e sem maiores elucubrações, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 24 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:

O art. 69, §1º, da Lei 8212/91 passa a vigorar desta forma:

Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.

§ 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para, no prazo de quinze dias úteis, apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser.

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SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 25 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL DO SEGURADO ESPECIAL

Por: Alan da Costa Macedo

A MP 871/2019, através do seu art. 25, altera o art. 38-B, §1º,§2º e §3º da Lei 8213/91, implementando, a nosso sentir, a “ tarifação de provas” e , regredindo da  nova ótica processual implementada pelo Novo Código de Processo Civil. O texto da aludida alteração é o seguinte:

“Art. 38-B. ………………………………………………………………………………………………….

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá exclusivamente pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A.

§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2020, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento.

§ 3º Na hipótese de haver divergência de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106.” (NR)

A priori, cumpre esclarecer que a doutrina costuma diferenciar três tipos de sistema de valoração de provas.

O primeiro é o que denota o texto do §1º do art. 38-B alterado pela MP 871/2019, ou seja, o sistema de prova legal ou tarifada, que é aquele que já tem uma pré-concepção sobre o valor que terá aquela prova; não deixando qualquer margem de interpretação/convencimento para o julgador .

O Segundo é o que vigorava na vigência do CPC/1973, que era o sistema de livre convencimento motivado ou persuasão racional. Tal sistema foi sendo desvirtuado com o passar do tempo, resultando em poderes quase absolutos para o julgador na valoração da prova, permitindo-se algumas situações de arbítrio diante da negativa de participação das partes no convencimento do julgador. Em alguns casos verificava-se certa discricionariedade do Julgador, com utilização de critérios pessoais e subjetivos na fundamentação do seu convencimento.

O terceiro, que é o que vigora desde a vigência do CPC/2015, que é o sistema do livre convencimento motivado cooperativo ou da persuasão racional cooperativa, no qual se reconhece certa liberdade do julgador para apreciar e valorar a prova, com a exposição das razões do seu convencimento, mas a partir de um amplo diálogo com as partes na fase instrutória. O julgador, nesse sistema, deve atuar com as partes, de forma colaborativa e cooparticipativa na construção de um processo justo, buscando sempre a máxima efetividade processual. Todos atuam para alcançar a “verdade real”.

O artigo 371 do NCPC estabelece que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento”.

É através da ampla possibilidade de provas que se permite, no processo (seja ele administrativo ou judicial), seja alcançada a verdade real dos fatos que foram trazidos à discussão. Não é razoável aceitar a ideia de que a verdade só pode ser alcançada a partir de uma única prova.

Para o processo administrativo ou judicial só deve interessar a descoberta da verdade real e é através da valoração de uma boa gama de possibilidades de provas que se pode alcançá-la; mesmo que tal verdade seja apenas aquela “processualmente viável” ( aquela baseada em grandes probabilidades). É justamente pela necessidade de se alcançar a verdade real que o NCPC previu, inclusive, a possibilidade de se distribuir o ônus da prova.

E não se alegue que o Código de Processo Civil é geral em relação à norma ora atacada, pois se a discussão for parar no conflito aparente de normas deve-se invocar, aqui, a especialidade da Lei 9784/99 que trata do processo administrativo federal. O Art. 38 e parágrafos daquela Lei preveem, expressamente, a ampla possibilidade de provas na formação do convencimento do julgador:

“Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.

§ 1oOs elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.

§ 2o Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.” ( grifamos)

Nesse sentido, afirmar que alguém só vai conseguir comprovar que, de fato, foi segurado especial e que trabalhou naquelas condições ao longo dos anos apenas pelas informações materializadas no CNIS é afastar diversos princípios que erigiram o Estado Democrático de Direito.

Dizer que “apenas em casos de divergência de informações” (art. 38-B, §3º da Lei 8213/91 alterado pelo art. 25 da MP 871/2019) é que se recorrerão aos outros meios de prova é reafirmar a negativa à necessária busca pela “verdade real”, é restringir mais do que o Constituinte Originário restringiu. A ampla produção de provas é pressuposto essencial para garantia do devido processo legal e seus subprincípios do contraditório e ampla defesa. O Texto contido no art. 5º, LV, da CF não deixa dúvidas quanto a isso:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”( grifos nossos)

Há de se ressaltar ao legislador sobre os riscos de normas restritivas como esta para a segurança jurídica dos cidadãos como um todo.

Não se está aqui a discutir o fato de que todas informações dos segurados da previdência devam ser lançadas no CNIS. O que se precisa esclarecer é o fato de que a ampla possibilidade de provas deve ser garantida para que, a partir desta, tais informações sejam devidamente lançadas naquele Cadastro Nacional, seja pela via administrativa, seja pela via judicial.    

Pelo breve exposto, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 25 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:

“Art. 38-B. ………………………………………………………………………………………………….

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial deverá, a partir da ampla produção de provas, seja em sede administrativa ou judicial, ser lançada e concentrada no cadastro a que se refere o art. 38-A.

§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2020, o segurado especial, além das demais provas lícitas admitidas no direito, poderá comprovar o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento.

§ 3º Na hipótese de haver divergência de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106, determinar diligências, requisitar informações de outros órgãos públicos e de empresas privadas, além de solicitar ao segurado outros documentos não constantes no rol do art. 106, que entenda necessários  ao esclarecimento da verdade.” (NR)