IPEDIS NOMEIA NOVO CHEFE DE COMUNICAÇÕES SOCIAIS

Gustavo Teixeira de Faria Pereira

 

 

É com grande satisfação que o IPEDIS anuncia a nomeação do nosso novo chefe de Comunicação Social, Gustavo Teixeira de Faria Pereira.

Gustavo é Doutorando em Comunicação (Mídias e Processos Sociais), Mestre e Jornalista pela UFJF, com estudos nas áreas de telejornalismo, jornalismo digital, redes sociais digitais e assessoria de imprensa. Já atuou como Coordenador de Pesquisas no Grupo Project; -Assessor de imprensa e repórter na Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e Comunicador de Mídias Audiovisuais na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Com liberdade a autonomia para realizar um grande trabalho no nosso setor de comunicações, nosso novo chefe já chegou cheio de ideias e pretende montar uma equipe de peso no jornalismo, marketing digital e comunicações em geral do nosso Instituto.

Gustavo disse que ficou encantado com a filantropia praticada pelo IPEDIS,  com os projetos inclusivos que desempenhamos e com os que ainda vamos desempenhar. Para ele, trata-se de uma oportunidade ímpar de implementar um projeto de comunicações que certamente será referencia em Juiz de Fora-MG, mas que tem tudo para se espraiar nacionalmente.

Desejamos sucesso ao Gustavo e convidamos a todos os nossos seguidores a nos mandarem bons temas (ligados às atividades do IPEDIS) para a publicidade pelo nosso setor de comunicações.

Fernanda Carvalho Campos e Macedo

Presidente do IPEDIS

Breves Comentários à Lei Nº 14.331/2022

O professor Alan da Costa Macedo e a Professora Fernanda Carvalho Campos e Macedo escreveram interessantes comentários sobre a mais recente reforma infraconstitucional previdenciária trazida pela Lei 14.331/2022. O assunto é tão badalado que o Professor Alan já até deu um curso completo sobre o assunto. Os interessados podem acessar o linK a seguir e o curso estará disponível já com os modelos de peças a ele relacionados: Clique aqui para acessar o curso

 

Acesse o Link a seguir e leia o Artigo na Integra:

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COMENTÁRIOS À LEI Nº 14.331, DE 4 DE MAIO DE 2022

COMENTÁRIOS À LEI Nº 14.331, DE 4 DE MAIO DE 2022

Altera a Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para dispor sobre o pagamento de honorários periciais e sobre os requisitos da petição inicial em litígios e em medidas cautelares relativos a benefícios assistenciais e previdenciários por incapacidade.

Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo– Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Coautora dos Livros:  “Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário”- Editora Juruá, 2018; “As microrreformas previdenciárias que antecederam a EC 103/2019”- Editora Juruá, 2022.

 

Introdução

A Seguridade Social foi concebida como uma ferramenta do Estado de Bem Estar Social destinada tratar das necessidades sociais, individuais e coletivas, por meio de ações preventivas ou reparadoras. A atenção com aquelas necessidades foi descrita no texto constitucional promulgado em 1988, mormente pela atuação direta do Estado nos campos da saúde pública, previdência e assistência social. (MACEDO, 2022, p.18).

Segundo o Professor Alan da Costa Macedo ( 2022) :

No caso do RGPS, alguns direitos dos segurados são equivocadamente chamados de “benefícios”, apesar de serem, na realidade, “direitos” relacionados a uma contraprestação por uma contribuição pecuniária, sendo o fato gerador da cobertura securitária pré-pactuada a ocorrência de um sinistro ou de um fato jurídico previsível, o fato gerador da cobertura securitária pré-pactuada. Apesar desta incoerência terminológica, o trabalho seguirá usando a terminologia adotada pelo legislador (Lei 8.213/91), qual seja, “benefício previdenciário”.” ( MACEDO, 2022, p.19)

No que tange às ações judiciais que têm por objetivo a concessão de benefícios concedidos pelo regime geral de previdência, principalmente os relacionados à incapacidade laboral, o processo judicial deveria ganhar contornos bem distintos dos demais, tendo em vista que os benefícios previdenciários têm natureza “alimentar”, sendo o bem jurídico tutelado relacionado à subsistência digna do segurado. (MACEDO, 2017, p. 18).

É justamente a partir do  reconhecimento de que um benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial por deficiência são bens jurídicos de natureza alimentar,  que a tutela judicial, a partir da superação do resultado dado pela administração (decisão de indeferimento do INSS), deve passar, necessariamente, pela realização de um outro exame pericial. Desta vez, porém, a análise é feita por um médico imparcial e de confiança do juízo, o qual, respondendo aos quesitos do juízo e das partes, deve realizar o múnus público de tamanha relevância, que é a perícia médica judicial. (MACEDO, 2022, p.21)

Como bem dito pelo Professor Alan Macedo (2022):

Um detalhe melhor ou mais esclarecido ou, uma particularidade mais bem avaliada, têm a tendência de conduzir o intérprete à realidade que ali se apresenta. Nesse contexto, a prova pericial adquire sempre uma dimensão da mais notória importância para um resultado mais justo para a sociedade como um todo.” (MACEDO, 2022, p.25, grifos nossos)

Apesar da maioria dos pontos relacionados à perícia médica judicial em processos previdenciários serem multifatoriais e terem conexão direta com a dogmática jurídica, já que a perícia nada mais é do que um “meio de prova”, inúmeras são as razões políticas para frustrar o alcance da verdade, a partir de sutis alterações legislativas que cerceiam a defesa e permitem a restrição indevida do acesso ao direito.

É preciso, pois, analisar as premissas normativas sobre a matéria de natureza jurídico-probatória da perícia judicial em confronto com o que ocorre na prática dos advogados quando buscam apenas o alcance de uma verdade possível sobre os fatos. É necessário, nesse contexto, interpretar as normas, buscando o sentido constitucional delas a fim de que os direitos dos segurados não sejam negados pelas interpretações inconstitucionais das normas postas e impostas.

O modelo de Estado neoliberal que se apresenta há algum tempo no cenário político brasileiro tem trazido uma série de reformas que revogam direitos outrora concedidos e restringem, de toda forma, o acesso aos que ainda vigem. Está no prelo, inclusive, sobre o assunto, a nossa nova obra pela Editora Juruá: “As microrreformas previdenciárias que antecederam a EC 103/2019” – Editora Juruá, 2022”.

Entretanto, diante das constantes microrreformas que tem se apresentado diuturnamente, estamos, aqui, mais uma vez para comentar a recente Lei 14.331, de 22/05/2022, pela qual se alterou a Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019 e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para dispor sobre o pagamento de honorários periciais e sobre os requisitos da petição inicial em litígios e em medidas cautelares relativos a benefícios assistenciais e previdenciários por incapacidade.

Ao que parece, o enredo se manteve. Mudanças legislativas com a finalidade de restringir, de todas as maneiras, o acesso ao direito. As exigências legais que comentaremos, a seguir, demonstram a sanha do Poder Executivo, com referendo do Poder Legislativo (através do que se alcunhou como “centrão”) em “economizar” e “economizar”; fazer muitos ajustes fiscais e passar a ideia do que chamam de “segurança econômica” para o “mercado” em detrimento dos direitos sociais duramente conquistados pela sociedade ao longo dos tempos.

De outro lado, nós, os acadêmicos e advogados, continuaremos “fazendo a nossa parte”. Se o direito deve ser visto de forma sistemática e as normas balizadas pela Constituição Federal, continuemos buscando “o melhor direito” ou a “melhor interpretação das normas para acesso ao direito”.

Nos tópicos a seguir, traremos o texto legal e, em seguida, os nossos comentários sobre os referidos dispositivos normativos. A ideia é ser bem objetivo diante das linhas que devem compor um trabalho da espécie. Na atualização do nosso último livro, traremos uma abordagem mais profunda sobre o que ora comentamos.

 

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, e a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para dispor sobre o pagamento de honorários periciais em ações que discutam a concessão de benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou de benefícios previdenciários por incapacidade e sobre os requisitos da petição inicial em litígios e em medidas cautelares relativos a benefícios por incapacidade.

COMENTÁRIOS:
Como se vê, a presente Lei faz alterações na Lei 13.876/2019 (que também dispunha sobre honorários periciais em ações em que o INSS figurasse como parte), bem como na Lei 8.213/91 ( LBPS). Seu artigo primeiro deixa claro que a questão do pagamento dos honorários por ela tratada, bem como os requisitos da petição inicial se estenderão a todos os casos em que se estiver tratando de benefícios por incapacidade (aqui, os previdenciários) e, também, aos assistenciais concedidos às pessoas com deficiência (BPC-LOAS-deficiente). Tal legislação, por conseguinte, não se aplicaria ao benefício de aposentadoria à pessoa com deficiência, tratado pela Lei complementar 142/2013.
Art. 2º O art. 1º da Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º O ônus pelos encargos relativos ao pagamento dos honorários periciais referentes às perícias judiciais realizadas em ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) figure como parte e se discuta a concessão de benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral ficará a cargo do vencido, nos termos da legislação processual civil, em especial do § 3º do art. 98 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). ……………………………………………………………………………………… § 3º (Revogado).  (§ 3º A partir de 2020 e no prazo de até 2 (dois) anos após a data de publicação desta Lei, o Poder Executivo federal garantirá o pagamento dos honorários periciais referentes a 1 (uma) perícia médica por processo judicial.) § 4º O pagamento dos honorários periciais limita-se a 1 (uma) perícia médica por processo judicial, e, excepcionalmente, caso determinado por instâncias superiores do Poder Judiciário, outra perícia poderá ser realizada.  § 5º A partir de 2022, nas ações a que se refere o caput deste artigo, fica invertido o ônus da antecipação da perícia, cabendo ao réu, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, antecipar o pagamento do valor estipulado para a realização da perícia, exceto na hipótese prevista no § 6º deste artigo.  § 6º Os autores de ações judiciais relacionadas a benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou a benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral previstas no caput deste artigo que comprovadamente disponham de condição suficiente para arcar com os custos de antecipação das despesas referentes às perícias médicas judiciais deverão antecipar os custos dos encargos relativos ao pagamento dos honorários periciais. § 7º O ônus da antecipação de pagamento da perícia, na forma do § 5º deste artigo, recairá sobre o Poder Executivo federal e será processado da seguinte forma: I – nas ações de competência da Justiça Federal, incluídas as que tramitem na Justiça Estadual por delegação de competência, as dotações orçamentárias para o pagamento de honorários periciais serão descentralizadas pelo órgão central do Sistema de Administração Financeira Federal ao Conselho da Justiça Federal, que se incumbirá de descentralizá-las aos Tribunais Regionais Federais, os quais repassarão os valores aos peritos judiciais após o cumprimento de seu múnus, independentemente do resultado ou da duração da ação, vedada a destinação desses recursos para outros fins; II – Nas ações de acidente do trabalho, de competência da Justiça Estadual, os honorários periciais serão antecipados pelo INSS.” (NR)
COMENTÁRIOS:

 

1) ÔNUS DO VENCIDO: Quando interessa, o legislador ordinário sempre faz referências ao Código de Processo Civil para justificar a norma imposta, quando não, apenas diz que o CPC é norma processual genérica e supera a sua regra processual.

Sim, o CPC sempre previu a questão dos ônus sucumbenciais e no Art. 98 do CODEX de 2015 expõe-se tudo que é compreendido nos casos de gratuidade de justiça.

O §2º daquele artigo afirma que a gratuidade não exclui a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais (que incluem a perícia) e pelos honorários de sucumbência (verbas de caráter alimentar do advogado). A jurisprudência já era remansosa nesse sentido:

O beneficiário da justiça gratuita não é isento do pagamento dos ônus sucumbenciais, custas e honorários, apenas sua exigibilidade fica suspensa até que cesse a situação de hipossuficiência ou se decorridos cinco anos, conforme prevê o art. 12 da Lei nº 1.060/50 (STJ, EDcl no AgRg no REsp 1.224.326/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima).

(…) Do art. 12 da Lei 1.060/1950 extrai-se o entendimento de que o beneficiário da justiça gratuita, quando vencido, deve ser condenado a ressarcir as custas antecipadas e os honorários do patrono vencedor. Entretanto, não está obrigado a fazê-lo com sacrifício do sustento próprio ou da família. Decorridos cinco anos sem melhora da sua situação econômica, opera-se a prescrição da dívida. (…). 9. Portanto, o benefício da justiça gratuita não se constitui na isenção absoluta das custas e dos honorários advocatícios, mas, sim, na desobrigação de pagá-los enquanto perdurar o estado de carência econômica do necessitado, propiciador da concessão deste privilégio. Em resumo, trata-se de um benefício condicionado que visa a garantir o acesso à justiça, e não a gratuidade em si. (RE 249.003 ED, rel. min. Edson Fachin, voto do min. Roberto Barroso, P, j. 9-12-2015, DJE 93 de 10-5-2016.)

O §3º daquele artigo diz que o vencido beneficiário da gratuidade de justiça terá as obrigações decorrentes de sua sucumbência suspensas e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Como dito acima, a jurisprudência já havia se reiterado nesse sentido. Não houve qualquer inovação, neste ponto, portanto.

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2) PAGAMENTO DE APENAS UMA PERÍCIA POR PROCESSO:  O § 4º do Art. 1º d LEI Nº 13.876/2019, alterado pela Lei 14.333/2022, traz uma redação bastante lacunosa e que, certamente, trará muita discussão na esfera judicial. Quando o legislador limita o pagamento de honorários a uma só perícia, acaba impedindo que as partes peçam a realização de nova perícia e que o juiz de primeiro grau a defira. O Legislador só abre a possibilidade de realização de nova perícia quando determinada por instâncias superiores do Poder Judiciário, mas também não define que intâncias seriam essas.

Uma interpretação literal do dispositivo ora estudado poderá esvaziar o conteúdo normativo do Art. 480 do CPC/2015 e seus parágrafos que dizem:

 

 Art. 480. O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.

§ 1º A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.

§ 2º A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira.

§ 3º A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra.

No mesmo sentido, o Art. 468, incisos e parágrafos podem ficar esvaziados caso se interprete literalmente o dispositivo normativo em estudo. Vejamos:

 Art. 468. O perito pode ser substituído quando:

I – Faltar-lhe conhecimento técnico ou científico;

II – Sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.

§ 1º No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.

§ 2º O perito substituído restituirá, no prazo de 15 (quinze) dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de 5 (cinco) anos.

§ 3º Não ocorrendo a restituição voluntária de que trata o § 2º, a parte que tiver realizado o adiantamento dos honorários poderá promover execução contra o perito, na forma dos arts. 513 e seguintes deste Código , com fundamento na decisão que determinar a devolução do numerário.

 

As normas processuais relacionadas à produção de provas não podem impedir ou mesmo colocar obstáculos instransponíveis para o acesso a direitos fundamentais, já que a Constituição Federal garante a todos o acesso a uma ordem jurídica justa e equânime, com respeito absoluto ao devido processo legal e seus subprincípios do contraditório e da ampla defesa. A amplitude da produção da prova deve compreender, sempre, a segurança de que todos os elementos juntados aos autos serão devidamente valorados pelo julgador.

A perícia médica judicial é um meio de prova que reclama máxima atenção do juiz na condução de um diálogo participativo que possa garantir um amplo aproveitamento do direito à prova. O laudo pericial deve nortear, sim, a decisão judicial, que é, contudo, livre para se convencer do contrário, de forma motivada e fundamentada, com base em outros elementos probatórios constantes nos autos, em uma segunda perícia que considere necessária, na exegese da lei aplicável ao caso e na ampla dialética estabelecida entre as partes.

Daí, porque, limitar a atividade do juiz de primeiro grau a formar sua cognição com base em uma perícia que não se demonstre proveitosa, que padeça de algum vicio insanável (como, por exemplo, a falta de expertise de um perito em determinado ponto) nos parece, claramente, inconstitucional. Afeta-se, com a mudança, o primado do “Livre convencimento motivado”.

O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firmada de que o sistema do livre convencimento motivado é que predomina em nosso país. Vejamos:

“Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova” (RHC 91.161, Relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJe 25.4.2008, grifamos).

O inciso LV do artigo 5º, previsto na Constituição Federal de 1988, define que:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (grifos nossos)

Uma segunda perícia, no processo judicial, pode ser o “meio” inerente à ampla defesa a se alcançar uma “verdade possível” à cognição do juízo.

O dispositivo, em comento, portanto, gerará uma série de questionamentos e, ao que parece, colaborará para mais um motivo de exacerbação dos recursos junto às Turmas Recursais e Tribunais. Certamente, os advogados pedirão aos juízes primevos a realização de uma segunda perícia em certos casos e aqueles a indeferirão com base no novel dispositivo legal. Diante do autorizativo legal e sendo a única forma de ter a realização da segunda perícia, as partes recorrerão desta decisão interlocutória através dos recursos cabíveis, já que a própria lei só autorizara a realização de uma segunda perícia por decisão de instância superior.

  

3) INVERSÃO DO ÔNUS DA ANTECIPAÇÃO DA PERÍCIA: O §5º do Art. 1º. da LEI Nº 13.876/2019, alterado pela Lei 14.333/2022 traz como regra geral a inversão do ônus da antecipação da perícia, atribuindo-a ao réu, em qualquer dos ritos adotados. Abre apenas a exceção para os casos em que os autores das ações sejam “comprovadamente” suficientes financeiramente para antecipar as despesas com perícias médicas. Entendemos que cabe a ré demonstrar que o declarante da hipossuficiência tem, na verdade, condições para custeá-la. Entretanto, como em muitos juízos já se requer a comprovação da hipossuficiência por outros documentos que não sejam apenas a declaração, sugerimos que os advogados já solicitem do cliente tal documentação a fim de juntá-la às iniciais.

 

Art. 3º A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 129-A e 135-A: “Art. 129-A. Os litígios e as medidas cautelares relativos aos benefícios por incapacidade de que trata esta Lei, inclusive os relativos a acidentes do trabalho, observarão o seguinte:   I – quando o fundamento da ação for a discussão de ato praticado pela perícia médica federal, a petição inicial deverá conter, em complemento aos requisitos previstos no art. 319 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): a) descrição clara da doença e das limitações que ela impõe; b) indicação da atividade para a qual o autor alega estar incapacitado; c) possíveis inconsistências da avaliação médico-pericial discutida; e d) declaração quanto à existência de ação judicial anterior com o objeto de que trata este artigo, esclarecendo os motivos pelos quais se entende não haver litispendência ou coisa julgada, quando for o caso;   II – para atendimento do disposto no art. 320 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a petição inicial, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, deverá ser instruída pelo autor com os seguintes documentos: a) comprovante de indeferimento do benefício ou de sua não prorrogação, quando for o caso, pela administração pública; b) comprovante da ocorrência do acidente de qualquer natureza ou do acidente do trabalho, sempre que houver um acidente apontado como causa da incapacidade; c) documentação médica de que dispuser relativa à doença alegada como a causa da incapacidade discutida na via administrativa.   § 1º Determinada pelo juízo a realização de exame médico-pericial por perito do juízo, este deverá, no caso de divergência com as conclusões do laudo administrativo, indicar em seu laudo de forma fundamentada as razões técnicas e científicas que amparam o dissenso, especialmente no que se refere à comprovação da incapacidade, sua data de início e a sua correlação com a atividade laboral do periciando. § 2º Quando a conclusão do exame médico pericial realizado por perito designado pelo juízo mantiver o resultado da decisão proferida pela perícia realizada na via administrativa, poderá o juízo, após a oitiva da parte autora, julgar improcedente o pedido. § 3º Se a controvérsia versar sobre outros pontos além do que exige exame médico-pericial, observado o disposto no § 1º deste artigo, o juízo dará seguimento ao processo, com a citação do réu.” “Art. 135-A. Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.”
COMENTÁRIOS:

1) REQUISITOS DA INICIAL

 O Legislador acrescentou o Arts. 129-A, inciso I, à Lei 8.213/91 para se ampliassem os requisitos exigidos pelo CPC à inicial previdenciária, quando a discussão da incapacidade laboral ou deficiência para fins de BPC fosse pautada em divergência com a perícia médica administrativa do INSS.  Boa parte dos advogados Previdenciarista, na prática, já atendiam àquelas determinações, sendo estas:

a) descrição clara da doença e das limitações que ela impõe;

b) indicação da atividade para a qual o autor alega estar incapacitado;

c) possíveis inconsistências da avaliação médico-pericial discutida; e

d) declaração quanto à existência de ação judicial anterior com o objeto de que trata este artigo, esclarecendo os motivos pelos quais se entende não haver litispendência ou coisa julgada, quando for o caso;

 Quanto ao item “d”, entretanto, não é de praxe que os advogados façam tal declaração, uma vez que o próprio órgão jurisdicional era responsável pela verificação de eventual possibilidade de coisa julgada ou litispendência.

Ao que parece, com as devidas vênias, o legislador tem “ao pé do ouvido” membros da Procuradoria do INSS indicando os caminhos a facilitar a análise do juízo quanto a eventuais casos como o que ora se comenta. Quase que uma obrigação de “produzir prova contra si mesmo”.  A indicação, já na inicial, de que já discutiu, em outro(s) processo(s), eventual incapacidade pode trazer uma cognição negativa por parte do magistrado e gerar equivocada apreciação do laudo médico pericial. Além disso, será uma excelente fonte argumentativa para o INSS que, quando perder no objeto da perícia atual, vai apontar conclusões anteriores que eventualmente entrem em choque com a conclusão pericial atual. A função do advogado, nesse caso, é ser ainda mais atento aos argumentos que traz em sua exordial. Deve, ao instruir o feito, trazer as informações sobre os laudos médicos administrativos (do INSS) anteriores e apontar a diferença entre o que foi investigado outrora e o que se apresenta como ponto controvertido no presente. Em muitos casos, deverá apontar a progressão e o agravamento das patologias outrora verificadas como “ causa de pedir” e como “ fato novo” a ensejar uma nova apreciação judicial. Cada caso concreto vai reclamar bastante expertise do advogado e capacidade de concisão e coerência na explicação dos fatos ao magistrado.

2) DOCUMENTOS QUE DEVEM INSTRUIR A INICIAL:

 O Legislador acrescentou o Arts. 129-A, inciso II, à Lei 8.213/91 para regulamentar o que prevê o Art. 320 do CPC/2015 (A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação), especificando o que considera essencial para propositura da ação previdenciária que discute benefícios previdenciários por incapacidade e assistenciais por deficiência, sendo estes:

a) comprovante de indeferimento do benefício ou de sua não prorrogação, quando for o caso, pela administração pública;

b) comprovante da ocorrência do acidente de qualquer natureza ou do acidente do trabalho, sempre que houver um acidente apontado como causa da incapacidade;

 Há casos em que os responsáveis não emitiram a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Mas como há a possibilidade do próprio trabalhador fazer o registro [1] ,recomendamos que o advogado esteja atento a atender este requisito para lhe facilitar o andamento processual.

c) documentação médica de que dispuser relativa à doença alegada como a causa da incapacidade discutida na via administrativa.

3) FUNDAMENTAÇÃO DO LAUDO TÉCNICO PERICIAL JUDICIAL:

O §1º do Art. 129-A da Lei 8213/91, incluído pela Lei 14.3331/2022 diz que: “ Determinada pelo juízo a realização de exame médico-pericial por perito do juízo, este deverá, no caso de divergência com as conclusões do laudo administrativo, indicar em seu laudo de forma fundamentada as razões técnicas e científicas que amparam o dissenso, especialmente no que se refere à comprovação da incapacidade, sua data de início e a sua correlação com a atividade laboral do periciando.“ (grifamos)

Os advogados, há muito tempo já exigem essa fundamentação para os peritos judiciais. O Art. 473, incisos e parágrafos é bem completo nesse sentido, vejamos:

“Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

I – a exposição do objeto da perícia;

II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

§ 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.

§ 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.

§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.”

Assim, a inclusão desse dispositivo normativo, a nosso ver não alterou muito o que já se exigia na pratica forense (se exigia, mas não havia atendimento na maioria dos casos). A ideia do legislador, sob as eventuais recomendações de membros da Procuradoria do INSS, foi de dificultar o reconhecimento do direito pela via judicial quando coloca expressamente o médico perito judicial em confronto com o perito administrativo do INSS. Ao criar o ônus de fundamentação expresso, a intenção nos pareceu “apertar” o perito judicial para decidir conforme o perito administrativo, já que nesse caso ele não precisaria fundamentar a concordância, mas apenas a divergência. Parece sutil, mas nossa experiência nos bastidores do Congresso Nacional nos permite afirmar, com base na teleologia, que nem sempre a lei posta se destina aos fins sociais que se espera num Estado Democrático de Direito. Negar o direito a quem o tem, com base em restrição ou dificultação de acesso ao direito nos parece que é a tônica de governos que atendem aos reclames neoliberais.

O §2º do Art. 129-A da Lei 8213/91, incluído pela Lei 14.3331/2022 diz que: “ § 2º Quando a conclusão do exame médico pericial realizado por perito designado pelo juízo mantiver o resultado da decisão proferida pela perícia realizada na via administrativa, poderá o juízo, após a oitiva da parte autora, julgar improcedente o pedido.”

Neste dispositivo, nos parece que houve um certo tipo de apreço ao contraditório. Entretanto, quando se “quase proíbe” a realização de uma nova perícia, não nos parece que a efetividade do contraditório estará garantida, em que se pese a possibilidade do advogado peticionar e, não sendo atendido em seu pedido, recorrer da referida decisão interlocutória. O problema será quando o Juiz responder ao pedido diretamente através da sentença, sem ao memos ter citado o INSS. Assim, o advogado só poderá reclamar de eventual incongruência que reclame nova perícia, no próprio recurso de apelação ou mesmo no recurso inominado, quando no caso da ação tramitar no âmbito dos juizados especiais.

O §3º do Art. 129-A da Lei 8213/91, incluído pela Lei 14.3331/2022 diz que:  “3º Se a controvérsia versar sobre outros pontos além do que exige exame médico-pericial, observado o disposto no § 1º deste artigo, o juízo dará seguimento ao processo, com a citação do réu.”

Aqui, o legislador previu possibilidades de se controverter sobre outros pontos que não apenas o objeto da perícia judicial. Pode-se, por exemplo, estar discutindo a qualidade de segurado ou a carência contributiva. Dai a previsão para que se possibilitasse a citação do réu para apresentar a sua contestação.

4) A inclusão do texto “JABUTI”:

  O Legislador incluiu, no texto da Lei 8.213/91 o Art. 135-A através da Lei 14.331/2022, que diz o seguinte: “Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.”

Os parlamentares incluíram um “jabuti” (elemento alheio ao objeto tratado) ao projeto de lei inicial. Com o novo texto, foi criado um mínimo divisor para o cálculo da média do valor da aposentadoria. A partir de agora, além das 180 contribuições mínimas feitas a Previdência, a média dos salários será feita a partir da soma dos salários de contribuição dividido por 108 (o divisor mínimo). A partir desta alteração, o governo federal acaba com uma brecha legal, aprovada na reforma da Previdência de 2019, que permitia ao contribuinte usar uma única contribuição no teto da Previdência para aumentar a média final do cálculo de seu benefício. Com a mudança, deixa de existir a possibilidade do que alguns alcunharam de “milagre da contribuição única”, que entrou em vigor com a nova previdência, e volta a valer o mínimo divisor, mas com novas regras”.

Antes, com a contribuição única, o contribuinte poderia receber um salário-mínimo e fazer apenas uma contribuição com o valor do teto da previdência. Assim ele receberia 60% do valor do teto como sendo o valor da previdência dele, apesar de, quando em atividade, receber mensalmente apenas um salário mínimo.

 

 

Art. 4º A aplicação do disposto no art. 2º desta Lei, que altera o art. 1º da Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, fica condicionada à expressa autorização física e financeira na lei orçamentária anual das despesas decorrentes.
COMENTÁRIOS:

1) PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA

 

O texto contido no Art. 4º da Lei em estudo é uma obviedade. Todos os recursos de despesas previstos em lei devem ser assegurados pela via da Lei orçamentária anual. Inclusive, a não observância pode configurar crime de responsabilidade.

Art. 5º As perícias realizadas entre 20 de setembro de 2021 e a data de publicação desta Lei serão pagas observado o disposto nos §§ 5º e 7º do art. 1º da Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019.

COMENTÁRIOS:

1) RETROAÇÃO DOS EFEITOS DA NORMA

O texto contido no Art. 5º da Lei em estudo aponta para retroação dos efeitos da norma aos casos constituídos anteriormente à sua vigência. Assim rezam os parágrafos mencionados no referido dispositivo em estudo:

§ 5º A partir de 2022, nas ações a que se refere o caput deste artigo, fica invertido o ônus da antecipação da perícia, cabendo ao réu, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, antecipar o pagamento do valor estipulado para a realização da perícia, exceto na hipótese prevista no § 6º deste artigo

§ 6º Os autores de ações judiciais relacionadas a benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou a benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral previstas no caput deste artigo que comprovadamente disponham de condição suficiente para arcar com os custos de antecipação das despesas referentes às perícias médicas judiciais deverão antecipar os custos dos encargos relativos ao pagamento dos honorários periciais.

§ 7º O ônus da antecipação de pagamento da perícia, na forma do § 5º deste artigo, recairá sobre o Poder Executivo federal e será processado da seguinte forma:

I – nas ações de competência da Justiça Federal, incluídas as que tramitem na Justiça Estadual por delegação de competência, as dotações orçamentárias para o pagamento de honorários periciais serão descentralizadas pelo órgão central do Sistema de Administração Financeira Federal ao Conselho da Justiça Federal, que se incumbirá de descentralizá-las aos Tribunais Regionais Federais, os quais repassarão os valores aos peritos judiciais após o cumprimento de seu múnus, independentemente do resultado ou da duração da ação, vedada a destinação desses recursos para outros fins;

II – nas ações de acidente do trabalho, de competência da Justiça Estadual, os honorários periciais serão antecipados pelo INSS (grifos nossos)

 

Em primeira análise, não nos parece que tal retroação provocará algum tipo de discussão, já que, geralmente, os processos judiciais que tratavam de temas ligados aos benefícios previdenciários e assistenciais por incapacidade já tiveram algum tipo de solução, a partir da realização das pericias judiciais.

Assim, a questão da fonte de pagamento não nos parece influir diretamente sobre o direito do segurado, tratando-se de uma questão de natureza orçamentária e da responsabilidade do Estado pelo pagamento da respectiva perícia.

O único ponto que pode geral alguma discussão é relacionado à obrigatoriedade dos que, comprovadamente, tiverem condições de arcar com as custas e despesas processuais, de custear a perícia. Nos Juizados Especiais Federais, por exemplo, em primeira instância, aos jurisdicionados é garantida a isenção de custas (art. 55, da Lei 9.099/95). Entretanto, A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que custas não se confundem com despesas processuais, sendo os honorários periciais tidos como despesas. A jurisprudência do STJ é tranquila em relação ao dever do Estado de custear os honorários periciais nos casos de gratuidade de justiça. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. AÇÃO ACIDENTÁRIA EM QUE A PARTE AUTORA, BENEFICIÁRIA DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA, NA FORMA DE ISENÇÃO, É SUCUMBENTE. ISENÇÃO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS DO ART. 129, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.213/91. CUSTEIO DE HONORÁRIOS PERICIAIS, ADIANTADOS PELO INSS. ART. 8º, § 2º, DA LEI 8.620/93. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DEVER CONSTITUCIONAL DE PRESTAR ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS HIPOSSUFICIENTES. PRECEDENTES DO STJ. TESE FIRMADA SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 3/2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09/03/2016 (“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”). II. Trata-se, na origem, de ação ajuizada por segurado contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença previdenciário, a ser convertido em auxílio-doença acidentário, com pedido alternativo de concessão de aposentadoria por invalidez. III. O Juízo de 1º Grau, após deferir o benefício de assistência judiciária, com fundamento na Lei 1.060/50, julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento de custas processuais e honorários periciais e de advogado, ficando suspensa a sua exigibilidade, na forma do art. 98, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. Ambas as partes apelaram. O Tribunal de origem manteve a sentença, no particular, por fundamento diverso, ou seja, o de que, no caso de ação acidentária, há norma especial, no art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91, que concede isenção, ao autor, do pagamento de custas e verbas relativas à sucumbência, de tal sorte que, vencida a parte autora, não há suspensão da exigibilidade de verba sucumbencial – como determinara a sentença -, mas impossibilidade de a parte vencida ou o Estado do Paraná suportarem os ônus para os quais não houve condenação. Asseverou, ainda, que o art. 8º, § 2º, da Lei 8.620/93 determina que o INSS antecipe e pague os honorários periciais, independentemente de quem seja vitorioso na demanda, porquanto o autor litiga sob a isenção de ônus sucumbenciais prevista no art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91 – que não se confunde com as regras da assistência judiciária -, inexistindo previsão legal que possibilite, ao INSS, o ressarcimento, pelo Estado, dos honorários periciais antecipados. IV. No Recurso Especial sustenta o INSS violação aos arts. 8º, § 2º, da Lei 8.620/93, 1º da Lei 1.060/50, 15 e 16 da Lei Complementar 101/2000, para concluir que, sendo sucumbente o autor da ação acidentária, beneficiário da gratuidade de justiça, sob a forma de isenção de ônus sucumbenciais de que trata o art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91, deve a autarquia ser ressarcida, da despesa de honorários periciais que antecipara, pelo Estado, que é responsável constitucionalmente pela assistência jurídica aos necessitados. V. A controvérsia ora em apreciação cinge-se em definir a quem cabe a responsabilidade pelo custeio, em definitivo, de honorários periciais antecipados pelo INSS, na forma do art. 8º, § 2º, da Lei 8.620/93, nas ações de acidente do trabalho em curso na Justiça dos Estados e do Distrito Federal, nas quais a parte autora, sucumbente, é beneficiária da gratuidade de justiça, por força da isenção de custas e de verbas de sucumbência, prevista no art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91. VI. Nas causas acidentárias, de competência da Justiça dos Estados e do Distrito Federal, o procedimento judicial, para o autor da ação, é isento do pagamento de quaisquer custas e de verbas relativas à sucumbência, conforme a regra do art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91. Em tais demandas o art. 8º, § 2º, da Lei 8.620/93 estabeleceu norma especial, em relação ao CPC/2015, determinando, ao INSS, a antecipação dos honorários periciais. VII. A exegese do art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91 – que presumiu a hipossuficiência do autor da ação acidentária – não pode conduzir à conclusão de que o INSS, que, por força do art. 8º, § 2º, da Lei 8.620/93, antecipara os honorários periciais, seja responsável, em definitivo, pelo seu custeio, ainda que vencedor na demanda, em face do disposto no art. 82, § 2º, do CPC/2015, que, tal qual o art. 20, caput, do CPC/73, impõe, ao vencido, a obrigação de pagar, ao vencedor, as despesas que antecipou. VIII. Entretanto, como, no caso, o autor da ação acidentária, sucumbente, é beneficiário de gratuidade de justiça, sob a forma de isenção de ônus sucumbenciais de que trata o art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91 – que inclui o pagamento de honorários periciais -, a jurisprudência do STJ orientou-se no sentido de que, também nessa hipótese, tal ônus recai sobre o Estado, ante a sua obrigação constitucional de garantir assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, como determina o art. 5º, LXXIV, da CF/88. IX. O acórdão recorrido sustenta a diferença entre a assistência judiciária – prevista na Lei 1.060/50 e nos arts. 98 a 102 do CPC/2015 – e a gratuidade de justiça, sob a forma de isenção de ônus sucumbenciais, sobre a qual dispõe o art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91, concluindo que, na última hipótese, o Estado não pode ser responsabilizado pelo custeio definitivo dos honorários periciais, à míngua de previsão legal, recaindo tal ônus sobre o INSS, ainda que vencedor na demanda. X. Contudo, interpretando o referido art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91, quando sucumbente o autor da ação acidentária, firmou-se “a jurisprudência do STJ (…) no sentido de que o ônus de arcar com honorários periciais, na hipótese em que a sucumbência recai sobre o beneficiário da assistência judiciária gratuita ou de isenção legal, como no caso dos autos, deve ser imputado ao Estado, que tem o dever constitucional de prestar assistência judiciária aos hipossuficientes” (STJ, AgInt no REsp 1.666.788/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/05/2019). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.720.380/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/08/2018; REsp 1.790.045/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2019; REsp 1.782.117/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/05/2019; AgInt no REsp 1.678.991/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/12/2017. XI. Tese jurídica firmada: “Nas ações de acidente do trabalho, os honorários periciais, adiantados pelo INSS, constituirão despesa a cargo do Estado, nos casos em que sucumbente a parte autora, beneficiária da isenção de ônus sucumbenciais, prevista no parágrafo único do art. 129 da Lei 8.213/91.” XII. Recurso Especial conhecido e provido, para determinar que cabe ao Estado do Paraná o pagamento, em definitivo, de despesa de honorários periciais adiantados pelo INSS, em ação de acidente do trabalho na qual o autor, sucumbente, é beneficiário da gratuidade de justiça, sob a forma de isenção de ônus sucumbenciais, prevista no art. 129, parágrafo único, da Lei 8.213/91. XIII. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e art. 256-N e seguintes do RISTJ). (STJ – REsp: 1824823 PR 2019/0196170-9, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 21/10/2021, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 25/10/2021, grifos nossos)

No contraponto à suspensão da exigibilidade está, por razões lógicas, o dever do sucumbente em arcar com as despesas processuais (que incluem os honorários periciais). Assim, aqueles que não conseguirem demonstrar a hipossuficiência financeira, certamente serão obrigados a custear as despesas processuais. Se estas não foram adiantadas, deverão ser pagas ao fim do processo. Só não se sabe, ainda, como o Estado fará para cobrar daqueles que sucumbiram e não pagaram, diante da notória miserabilidade dos que estão sem recursos materiais mínimos à sobrevivência (se considerando incapaz para o trabalho e sem remuneração, portanto).

CONCLUSÃO

Com dissemos no decorrer do texto, as reformas legislativas e constitucionais da previdência social demonstram um sentido político-econômico dado ao Estado a partir da ascensão de determinado grupo político-ideológico. O Neoliberalismo e suas vertentes relacionadas ao ajuste fiscal sempre foram antagonistas da ampla proteção social. Infelizmente, boa parte da sociedade, alienada, tem seus direitos sonegados e, sob um bipolarismo de pensamente, seguem adorando seus líderes, passando tais reformas à largo e sem qualquer reclamação coletiva (manifestações do tipo que víamos com as primeiras propostas de reforma apresentadas pelo Governo do Presidente Michel Temer).

Nós, como advogados atuantes e professores/doutrinadores, seguimos lutando.  Aquilo que já fazíamos (correta e adequada produção de provas; iniciais enxutas com delimitação da controvérsia; levantamento do histórico de saúde do cliente e correlação com as atividades desenvolvidas, grau de escolaridade e análise de incapacidade biopsicossocial) agora serão aperfeiçoados para atendimento dos requisitos legais postos e impostos.

Aos nossos alunos e seguidores fica, então, a dica: estudem cada vez mais. Sejam técnicos, concisos, mas precisos. É importante, por demais, que sejam “os primeiros juízes da causa”. Não se pode mais conceber um certo “paraquedismo” no Direito Previdenciário. Quem segue nesse ramo deve ser um eterno estudioso. Não se pode admitir generalismo em uma ciência tão cheia de detalhes. É preciso ser, verdadeiramente, especialista naquilo que faz, já que o bem jurídico tutelado está diretamente ligado à “dignidade da pessoa” e a sua “sobrevivência física” (dado o caráter alimentar dos benefícios). Sigamos com fé, mas com “ação”.

Aos nossos clientes e seguidores ficam as palavras de sempre: “ “esperança” e “fé”. Agradecemos a confiança devotada, mas saibam que nem tudo depende de nós, os advogados”. Na prática, já recebemos algumas pessoas reclamando dos seus patronos, dizendo que seus processos estavam parados etc.

Ao analisar os casos, na maioria das vezes, dizemos: “a culpa não é o do seu advogado”.

Há um sem números de atores envolvidos e que resultam na ampla litigiosidade, no atraso do andamento dos processos e, infelizmente, em alguns resultados negativos. As leis são alteradas a todo momento e seus direitos são cada vez mais restritos. Não contratam novos servidores no INSS e na Justiça e dizem que a máquina estatal que é o problema. Sucateiam os órgãos públicos para, em seguida, oferecerem a solução de “privatização”. Enfim, em algumas situações é preciso gastar um tempo com psicologia e sociologia.

Esperamos que gostem do texto e, precisando conversar, academicamente, conosco, estaremos à disposição. Inclusive, caso queira assistir a live que fizemos com o professor Alan pelo nosso Canal do IPEDIS: “Direito e informação”, clique no Link a seguir e assista. Se achar legal e quiser assistir novos vídeos, inscreva-se no canal e clique no sininho para receber informações sobre os nossos próximos vídeos: https://youtu.be/PWHF-pMJ2z8

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REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

MACEDO, Alan da Costa; MACEDO; Fernanda Carvalho Campos e. Nota técnica Nº 02/2019 sobre o Projeto de Lei nº 2.999/2019 que trata da crise orçamentária no pagamento das perícias judiciais. Ano 2019. Disponível em: < https://ipedisbr.com.br/images/pdf/julho2019/20190709.pdf> Acesso em: 15 dez 2021.

MACEDO, Alan da Costa. Benefícios Previdenciários por Incapacidade e Perícias Médicas- Teoria e Prática. Curitiba: Juruá, 2017.

MACEDO, Alan da Costa; Macedo, Fernanda Carvalho Campos e. Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário: à luz do novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá 2018.

MACEDO, Alan da Costa; MOREIRA, Bruno da Silveira Pataro; GRAZINOLI, Rodrigo Garrido. O Controvertido Uso Das Teleperícias Em Tempos De Isolamento Social Pela Pandemia De Covid-19. Prim Facie, v. 19, n. 42, p. 217-249, 5 dez. 2020.

MACEDO, A. DA C. A educação previdenciária no contexto das reformas da previdência pública brasileira: uma hipótese lógico-indutiva sob as perspectivas filosóficas de Pierre Bourdieu e de Michel Foucault. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, v. 32, n. 01, p. 29-44, 30 abr. 2020.

MACEDO, Alan da Costa. A perícia médica judicial: a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade no RGPS e o problema da Data de Início da Incapacidade. Curitiba: Alteridade, 2022.

[1]https://cadastrocat.inss.gov.br/CATInternet/faces/pages/cadastramento/cadastramentoCat.xhtml;jsessionid=71ymv5GCJpNcnpTxwHNnT1GklFWWHQ9D29mVZyJDTnC5Y7zvc1n1!-1445867996

Campanha de ajuda humanitária à população de Petrópolis – RJ

O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais vem à público anunciar a campanha de doação de alimentos, roupas e outros produtos de necessidade básica para serem entregues a órgãos e organizações sociais de Petrópolis – RJ em atenção à catástrofe ocorrida naquela cidade nos últimos dias.

Se você vem acompanhando os desdobramentos do ocorrido e se sensibiliza com a situação das famílias residentes naquela cidade, fique a vontade para nos procurar e fazer a sua doação.

Em uma semana, faremos contato com as organizações daquela cidade de forma entregar os produtos arrecadados e, de alguma forma, podermos ajudar a quem tanto precisa neste triste momento.

Por não estarmos, ainda, na nossa sede social, estamos disponibilizando uma sala do nosso escritório profissional, que também presta serviços para o IPEIDS, para armazenar os donativos.

O Endereço para doação é: Rua Santo Antônio, nº42, Centro, Juiz de Fora-MG.

Os Telefones de contatos são: (32) 3212-4083 ou  (32) 988404083

Caso queira fazer a doação em dinheiro (via PIX), não estipulamos quantia mínima, todos os valores doados ajudarão na compra de alimentos e outros itens, pagamento de frete pra entrega dos produtos etc.
Nosso PIX é o CNPJ do IPEDIS, sendo este: 33254240000171

 

Fernanda Carvalho Campos e Macedo

Presidente do IPEDIS

INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO ART. 7º E § 2º DO ART. 22 DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA PROCLAMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

J.E. Carreira Alvim, Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; professor-adjunto de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


RESUMO: Há várias décadas, escrevi um artigo doutrinário sobre o tema “Elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica”, em que sustentei que a lei ordinária não tinha força constitucional para impor restrições ao juiz na concessão de liminares em qualquer setor do direito, fosse no mandado de segurança, fosse nas tutelas de urgência, ou em qualquer outra ação (civil pública, popular etc.), pelo que, se o fizesse, tais vedações seriam “inconstitucionais”. Apesar da força dos argumentos por mim utilizados na defesa dessa tese, mostrava-me incrédulo quanto ao seu acolhimento pelos juízos e tribunais, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, que sempre se mostrou conservador nessa área, em face da jurisprudência que nele se formou, com apoio na exegese apoiada pela doutrina tradicional, capitaneada pelos antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.). Essa doutrina sustentava que podia, sim, a lei ordinária impor restrições na concessão de medidas liminares, porquanto a parte (impetrante) continuava titular do direito de ação, que era a garantia outorgada pela Constituição. Nessas lições, sempre sustentei que, quando a Constituição concedia ao titular o direito de ação, compreendia “a ação com todos os seus elementos constitutivos”, inclusive a garantia da medida liminar. Nas presentes considerações, trago de novo à baila as limitações inconstitucionalmente impostas pela Lei 12.016/2009 (disciplinadora do mandado de segurança), especialmente a proibição de liminar na compensação de créditos tributários, na entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior e na reclassificação ou equiparação de servidores e aumento ou extensão de vantagens, bem assim na concessão de liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. Com rara felicidade, vivi para ver o STF declarar, ainda que por maioria, a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2021, o que supus que dificilmente aconteceria, mas felizmente aconteceu no julgamento da ADI 4296/DF.

 RESUMEN: Hace varias décadas, escribí un artículo doctrinal sobre el tema “Elementos connaturales (o componentes esenciales) del sistema de tutela legal”, en el que sostenía que el derecho común no tenía fuerza constitucional para imponer restricciones al juez en el otorgamiento de medidas cautelares. en cualquier sector de la ley, ya sea en el mandato de mandamus, o en el socorro de emergencia, o en cualquier otra acción (civil, pública, popular, etc.), por lo que, si lo hiciera, tales prohibiciones serían “inconstitucionales”. A pesar de la solidez de los argumentos que utilicé en la defensa de esta tesis, me mostró incrédulo su aceptación por parte de los juzgados y tribunales, especialmente por parte de la Corte Suprema, que siempre ha sido conservadora en este ámbito, a la vista de la jurisprudencia que se formó en ella. , sustentada en una exégesis sustentada en la doctrina tradicional, liderada por ex procesalistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa, etc.). Esta doctrina sostenía que el derecho común sí podía imponer restricciones al otorgamiento de las medidas cautelares, ya que la parte (demandante) seguía ostentando el derecho de acción, que era la garantía que otorgaba la Constitución. En estas lecciones, siempre he sostenido que, cuando la Constitución otorgó al titular el derecho de acción, incluyó “la acción con todos sus elementos constitutivos”, incluida la garantía de la medida cautelar. En estas consideraciones, vuelvo a plantear las limitaciones inconstitucionales impuestas por la Ley 12.016/2009 (disciplinaria del mandamiento judicial), en especial la prohibición de una medida cautelar sobre la compensación de créditos fiscales, sobre la entrega de bienes y mercancías del exterior y sobre la reclasificación o equiparación de servidores públicos y aumento o ampliación de ventajas, así como el otorgamiento de una medida cautelar sujeta a la manifestación previa de la persona jurídica pública. Con rara alegría, viví para ver al STF declarar, aunque por mayoría, la inconstitucionalidad del § 2 del art. 7 y § 2 del art. 22 de la Ley 12.016/2021, que asumí difícilmente sucedería, pero afortunadamente sucedió en la sentencia de ADI 4296 / DF.

PALAVRAS CHAVE: Medidas liminares – Proibição de concessão – Lei 12.016/2009 –    Compensação de créditos tributários – Entrega de mercadorias e bens vindos do exterior – Reclassificação ou equiparação e aumento ou extensão de vantagens – Posição dos antigos processualistas – Elemento conatural do sistema de tutela jurídica – Componente essencial do sistema de tutela jurídica – Medidas de contracautela – Manifestação prévia da pessoa jurídica pública – Inconstitucionalidade – Arts. 7º, § 2º e 22, § 2º da Lei 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Supremo Tribunal Federal. Superior Tribunal de Justiça – Súmulas 212 e 213.

PALABRAS CLAVES: Medidas preliminares – Prohibición de concesión – Ley 12.016/2009 – Compensación de créditos fiscales – Entrega de bienes y bienes desde el exterior – Reclasificación o igualación y aumento o extensión de ventajas – Posición de ex procesalistas – Elemento connatural del sistema de tutela legal – Componente esencial del sistema de protección legal – Medidas contra cautelares – Manifestación previa de la persona jurídica pública – Inconstitucionalidad – Arts. 7, § 2 y 22, § 2 de la Ley 12.016/2009 – ADI 4296-DF – Tribunal Supremo Federal – Tribunal Superior de Justicia – Antecedentes 312 y 313 – Medida preliminar sobre leyes extravagantes.

Sumário: 1. Introdução. 2. Proibição de concessão de medidas liminares.  3. Reflexos da decisão do STF na ADI 4296-DF na legislação infraconstitucional. 3.1. Vedação de concessão de liminares em tutelas de urgência por leis extravagantes. 3.2 Compensação de créditos tributários. 3.3 Entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior. 3.4 Reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. 4. Execução (rectius, cumprimento) da sentença mandamental. 5. Equívoco dos antigos processualistas no tocante às restrições à concessão de medidas liminares. 6. Restrições de liminares e o elemento conatural do sistema de tutela jurídica. 7. Fundamentos metajurídicos dos elementos conaturais do sistema de tutela jurídica. 8. Contracautela na concessão de medidas liminares. 9. Liminar condicionada à manifestação prévia da pessoa jurídica pública. 10. Novo posicionamento do STF sobre o tema. 11. Conclusão.

  1. INTRODUÇÃO

Nestas considerações, exponho as coincidências das minhas lições, sobre a inconstitucionalidade da proibição de concessão de medidas jurisdicionais, por lei ordinária, porque, desde a vigência da vetusta Lei 8.437, de 30 de junho de 1992, que vedava “a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público”, sustentei, não solitariamente –, Teresa Arruda Alvim[1] também pensa assim, e, no passado também Hely Lopes Meirelles –, que, diante do art. 5º, LXIX da Constituição, eram inconstitucionais quaisquer preceitos legais que impusessem restrição na concessão de medidas liminares, qualquer que fosse o objeto da ação, comum ou mandamental, principal ou incidental, e vi, enfim, décadas mais tarde, essa exegese coincidir com a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 4.296-DF,  declarando a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e § 2º do art. 22 da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009 –, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo (LMS) –, estando essas ideias expostas nas minhas obras doutrinárias, especialmente nos Comentários ao Novo Código de Processo Civil e nos Comentários à Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), editados pela Juruá.

  1. PROIBIÇÃO DE CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

 Estabelece o § 2º do art. 7º da Lei 2.016/2009, que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo, que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”.

Esta norma incorpora preceitos constantes da legislação extravagante, que se aplicava ao antigo mandado de segurança, ainda ao tempo da Lei 1.533/51, preceitos esses que impuseram restrições à concessão de medida liminar em determinadas hipóteses, tendo todas essas leis, ou apenas alguns de seus artigos, sido expressamente revogados pela Lei 12.016/09[2], à exceção de uma, que, por cochilo do legislador,  deixou de ser revogada, que é a Lei 2.770/56, que “suprime a concessão de medidas liminares nas ações e procedimentos judiciais de qualquer natureza que visem a liberação de bens, mercadorias ou coisas de procedência estrangeira”; mas cuja revogação tácita resultou da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ao declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança.

A proibição de concessão de medida liminar nas ações que tenham por objeto a compensação de créditos tributários vinha expressa no § 5º do art. 1º da Lei 8.437/92 –, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/01 –, consagrando, em nível de direito positivado, o entendimento firmado na Súmula 212 do STJ, segundo o qual: “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.

Essa era a posição de antigos processualistas (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) que endossavam, equivocadamente, as restrições impostas por leis ordinárias na concessão de medidas liminares.

Com a transformação da Súmula 212 do STJ em direito positivado –, dizia eu naquela época –, tudo ficava mais difícil, para não dizer impossível, a uma, porque modificar (revogar) uma lei é muito mais complexo do que revisar uma súmula, pois depende da atividade de outro Poder (o Legislativo), ou, eventualmente, de vir a norma a ser declarada inconstitucional pelo STF. Como não acontecerá nem uma nem outra coisa –, assim pensava eu naquela época –, a partir do disposto no § 2º do art. 7º da LMS, cessa tudo quanto a musa canta: se algum contribuinte for também credor da Fazenda Pública, deverá continuar pagando seus tributos, até que venha a ser proferida a sentença de mérito, e possa proceder à compensação, se ela lhe for favorável. Como, na Justiça, mesmo na via mandamental, o impetrante sabe o dia em entra, mas nunca o dia em que sai, dificilmente conseguirá fazer uma compensação de créditos tributários, mesmo que a sentença seja a seu favor, a não ser após o trânsito em julgado, porque a Fazenda Pública se valerá do privilégio de pedir (e obter) a sua suspensão ao presidente do tribunal (art. 15, caput)[3].

  1. REFLEXOS DA DECISÃO DO STF NA ADI 4296-DF NA LEGISLAÇÃO

     INFRACONSTITUCIONAL

 

A partir da decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, ficou completamente esvaziado, por perda de objeto, o art. 15 e §§ 1º a 5º da LMS, que era o bunker do poder público, na sua oposição à concessão das medidas liminares no mandado de segurança e em outros procedimentos (como nas tutela de urgência).

Nos termos do art. 15, caput da LMS, “quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (art. 15, caput). “Se indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário” (art. 15, § 1º). “É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo” (art. 15, § 2º). “A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo” (art. 15, § 3º). “O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida” (art. 15, § 4º). “As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original” (art. 15, § 5º). 

Todas esses “puxadinhos” legais, com repercussão nos regimentos internos dos tribunais, que davam suporte aos pedidos de suspensão de segurança e de tutela de urgência pelo poder público perderam, definitivamente, seu suporte legal e constitucional, o qual não pode mais se valer desses “expedientes”, que sempre estiveram num extremo e injustificável descompasso com os princípios da isonomia (CF: art. 5º, caput) e da inafastabilidade da jurisdição (CF: art. 5º, XXXV).

O fato de haver o STF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009 não significa que tenha a parte, numa ação de tutela de urgência (cautelar ou antecipada), ou o impetrante, numa ação mandamental, o direito de obter a tutela liminar para o seu alegado direito, em qualquer circunstância, estando a sua concessão a depender dos fundamentos invocados no caso concreto

3.1 VEDAÇÃO DE CONCESSÃO DE LIMINARES EM TUTELAS DE

      URGÊNCIA POR LEIS EXTRAVAGANTES

 

A decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF, relativamente ao § 2º do art. 7º da LMS, declarado inconstitucional, alcança, por tabela, o disposto no seu § 5º, segundo o qual as vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273[4] e 461[5] da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 [CPC/1973], que correspondem aos arts 300, caput[6] e 497, caput[7] da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 [CPC/2015], devendo essas correspondências ser observadas na aplicação da Lei mandamental e da nova exegese sobre o tema adotada pela Suprema Corte.

A nova orientação firmada na ADI 4296-DF, alcança, igualmente por tabela, o disposto no art. 1º da Lei 9.494/1997, que manda, também, aplicar à tutela antecipada prevista nos arts. 273 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.

Desses diplomas legais, as Leis 4.348/1964 e 5.021/1966 foram expressamente revogadas pela Lei 12.016/2009 –, que disciplina o mandado de segurança –, restando em vigor apenas a Lei 8.437/1992, que, no seu art. 1º, dispõe que “não será cabível medida liminar contra atos do poder público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautela ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”; e, no seu art. 4º, caput, dispõe que “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Todas essas disposições legais pertencem, hoje, ao museu da exegese, por estarem todas implicitamente revogadas pela nova orientação firmada pelo STF na ADI 496-DF.

3.2  COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS

 

Em face da decisão do STF na ADI 4296-DF, se a pretensão da parte for a “compensação de créditos tributários”, a Fazenda Pública (Fisco) poderá invocar, como defesa processual, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou da liminar mandamental, e, como defesa de direito material, o disposto no art. 170-A da Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) –, que não foi declarado inconstitucional –, segundo o qual: “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”. Com base nesse preceito, poderá o poder público se opor à compensação, mas, não mais com base no § 2º do art. 7º da LMS, mas com suporte no retrocitado artigo do CTN.

Embora este preceito seja obstáculo à “compensação” do crédito tributário, não impede a concessão de liminar para “suspender” a sua exigibilidade, ou mesmo a “compensação”, mediante a prestação de garantia, nos termos do inc. III, parte final, do art. 7º da LMS[8].

Caso o direito à recuperação do crédito tributário tenha sido reconhecida judicialmente por decisão transitada em julgado, e houver obstáculo da Fazenda Pública (Fisco) à compensação judicial, nada impede que lhe seja deferida a “compensação” por decisão liminar, fazendo prevalecer a decisão do STF na ADI 4296-DF sobre o disposto no art. 170-A do CTN.

Com a decisão proferida na ADI 4296-DF, ficou superada a Súmula 212 do STJ, dispondo que a compensação de crédito tributário não poderia ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória, pelo que ela deverá ser “cancelada” pelo Superior Tribunal de Justiça.

Se a pretensão à compensação do tributo ocorrer em sede de tutela provisória (antecipada ou cautelar), a sua contestação advirá apenas num momento posterior à eventual concessão da medida liminar, pelo que, se tal ocorrer, a alternativa possível à Fazenda Pública (Fisco) é a interposição de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I), invocando o disposto no art. 170-A do CTN, para obter, eventualmente, no tribunal a suspensão da eficácia da medida liminar, até o trânsito em julgado da decisão de mérito.

Também não será impossível a “compensação” em sede de tutela da evidência, mormente a prevista no inc. II do art. 311 do CPC e parágrafo único[9], desde que, em vez de postular, desde logo, a extinção do crédito tributário, na forma do art. 156, II[10] do CTN, o demandante pleitear a declaração do seu direito de proceder à compensação, e, concomitantemente, a concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade desse crédito, com base no art. 151, IV e V[11] do CTN.

Se a compensação do crédito tributário for postulado judicialmente, por ter sido negada em sede administrativa, também não impedirá a concessão da liminar, porquanto, nos termos do art. 170-A do CTN, somente é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Nesta hipótese, se for concedida a medida liminar, o Fazenda Pública (Fisco) terá, igualmente, a chance de modifica-la em sede de agravo de instrumento (CPC: art. 1.015, I).

Em se tratando de ação de repetição de indébito, tem cabimento, também, a tutela da evidência, com a concessão da medida liminar, desde que o autor da demanda pleiteie, em vez do pedido de restituição do indébito, a declaração de que essa restituição é devida, por analogia com o disposto na Súmula 213 do STJ – “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária” –, para futura compensação do crédito tributário.

3.3 ENTREGA DE MERCADORIAS E BENS PROVENIENTES DO

      EXTERIOR

 

Após a decisão do STF na ADI 4296-DF, caso a pretensão da parte seja a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a defesa de natureza processual pela Fazenda Pública (Alfândega) será, também, a falta dos requisitos da tutela de urgência ou liminar mandamental, bem assim, a exigência de prestação, pelo impetrante, de garantia (caução, fiança ou depósito), determinada pelo juiz, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, nos termos do art. 7º, III, parte final da Lei mandamental.

Há quem (Ubirajara Casado),[12] no entanto, invoque como fundamento de defesa material, nessa hipótese, o disposto no § 3º do art. 1º da Lei 8.437/1992 – “Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” –, mas essa Lei restou tacitamente revogada, pela decisão do STF na ADI 4296/DF, na medida em que o seu art. 1º, caput, determinava que não seria cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não pudesse ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal; pelo que, tendo essa restrição perdido eficácia no mandamus, com a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º da Lei mandamental–, que vedava a concessão de medida liminar, tendo por objeto “a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior” –, perdeu eficácia, igualmente, a expressão “toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal”, constante do art. 1º, caput da Lei 8.437/1992.

Como essa entrega de mercadorias e bens importa na sua retirada da Alfândega e sua entrega ao importador, não será possível a sua recuperação na hipótese de vir a ação cautelar ou mandamental a ser julgada improcedente, se não houver a prestação de garantia (caução, fiança ou depósito) pelo interessado. Aliás, essa restrição na concessão de liminar na importação de bens do exterior resultou de fatos concretos, numa época em que muitos importavam veículos “cadillacs”, e os liberavam na Alfândega por força de medida liminar em mandados de segurança, os quais, uma vez liberados, eram vendidos a terceiros, tomando destinos ignorados, e tornando impossível sua localização, quando a segurança era denegada.

3.4 RECLASSIFICAÇÃO OU EQUIPARAÇÃO DE SERVIDORES

      PÚBLICOS OU CONCESSÃO DE AUMENTO OU EXTENSÃO DE

      VANTAGENS OU PAGAMENTO DE QUALQUER NATUREZA

 

Por força da decisão do STF na ADI 4296-DF, na hipótese de ser a pretensão baseada na reclassificação ou equiparação de servidores públicos ou na concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza, a defesa de natureza processual será, também, a falta de requisitos para a concessão da antecipação da tutela ou da liminar mandamental, porque, em se tratando de medida liminar, não entra em cena o precatório, conforme precedente do STJ no REsp 834.678/PR, apontando haver incompatibilidade na submissão das tutelas antecipadas ao sistema de precatórios, visto que estas não podem ser postergadas em face da “efetividade, auto-executoriedade e mandamentalidade ínsita aos provimentos de urgência”.

No entanto, em sede doutrinária, há quem entenda (Ubirajara Casado) que a e a defesa de direito material alcançará “valores que importarem em pagamento por meio de precatório” –, salvo as requisições de pequeno valor (CF: art. 100, § 3º) –, por exigir o sistema constitucional o trânsito em julgado da sentença (CF: art. 100, § 5º);[13] salvo o pagamento relativo a parcela incontrovérsia, que independe do trânsito em julgado (RE 1205530/SP, com repercussão geral).

Nos demais casos, não existe fundamento de direito material para obstaculizar, sequer temporariamente, a eficácia da medida liminar (cautelar ou mandamental), pelo que, se o servidor beneficiado pela liminar perder a demanda, a alternativa possível para a Administração reaver o que pagou, procedendo ao desconto em folha de pagamento. Não seria contrário ao poder geral de cautela do juiz, nesses casos, alertar o beneficiário da liminar, mesmo de ofício, de que, se a sentença não confirmá-la, a Administração pública poderá se valer do desconto em folha para se ressarcir do prejuízo.

  1. EXECUÇÃO (CUMPRIMENTO) PROVISÓRIA DA

   SENTENÇA MANDAMENTAL

 

Registro, por oportuno, que ao permitir o § 3º do art. 14 da Lei mandamental a execução provisória da sentença concessiva do mandado de segurança, restou igualmente esvaziada, por perda de objeto, a expressão da sua parte final “salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar”, por haver a ADI 4296-DF declarado a inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º dessa mesma Lei.

  1. EQUÍVOCO DOS ANTIGOS PROCESSUALISTAS NO TOCANTE ÀS

    RESTRIÇÕES À CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

As restrições à concessão de liminares, como as contempladas em leis extravagantes[14] e na Lei 2016/2009, disciplinadora do Mandado de Segurança, sem dúvida, eram inconstitucionais, e assim pensava, também, o administrativista Hely Lopes Meirelles[15], para quem a inconstitucionalidade resultava do fato de desigualar os impetrantes no mandado de segurança, em detrimento do servidor público, quando a Constituição não faz essa distinção ao instituir o mandamus; em outros termos, havia afrontosa ofensa ao princípio constitucional da “isonomia”. Entre os processualistas da nova geração, esse era também o pensamento de Teresa Arruda Alvim[16].

Quem faz a defesa da constitucionalidade das restrições impostas à concessão de liminares contra a Fazenda Pública –, como faziam os clássicos do direito processual civil (Frederico Marques, Pontes de Miranda, Lopes da Costa etc.) –, argumentava que elas não atingiam o direito de ação mesmo, de fundo constitucional, vez que não impediam o seu exercício (pela via comum, cautelar ou mandamental), vedando apenas a concessão de liminar.

Esse pensamento era, sem dúvida, um equívoco exegético, que, até então, não fora percebido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo assim mantido, inclusive pelo STJ e pelo STF, ao longo de mais de seis décadas.

  1. RESTRIÇÕES DE LIMINARES E O ELEMENTO CONATURAL DO

    SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

Em princípio, pode até parecer que a restrição apenas de concessão de liminares mandamentais (ou antecipatórias) não seriam inconstitucionais, como defendiam dos antigos processualistas, o que poderia ser defensável, nos casos em que a liminar não fosse  necessária à preservação do direito subjetivo material, feito valer através da ação, pois, se o fosse, haveria ofensa a um “elemento conatural (ou componente essencial) do sistema de tutela jurídica”, consistente na medida liminar, pois vedar prima facie essa possibilidade, ou impor restrições à concessão da liminar, fazendo-a depender de caução, de forma que a ação se revele inadequada à defesa do direito, na forma prevista pela Constituição, constitui uma ofensa ao direito subjetivo à jurisdição e ao devido processo legal, de fundo constitucional.

Na Itália, a Corte constitucional enfrentou esse problema, considerando ilegítima, no âmbito das tutelas de urgência, por violação a preceito constitucional, determinadas normas de leis limitativas do poder do juiz de suspender por meio de cautelar a execução de provimentos declaratórios de utilidade pública, quando constatado erro grave e evidente na individualização dos imóveis ou na [determinação] das pessoas dos proprietários. Afirmou a Corte, na ocasião, que, sendo o poder de suspender a execução do ato administrativo um elemento conatural ao sistema de tutela jurisdicional, no controle dos atos da Administração pública, deve ser exercido com a avaliação, caso por caso, dos graves e irreparáveis danos que possam resultar na execução do ato, pelo que a exclusão do próprio poder de fazê-lo ou a limitação do seu exercício, relativamente a determinada categoria de atos administrativos ou ao tipo de vício denunciado, contrasta com o princípio da igualdade, quando não ocorra uma razoável justificação dessa diversidade de tratamento[17].

Na doutrina, Pace aplaudiu a decisão da Corte, entendendo que, em sede cautelar, na avaliação dos interesses em conflito, quanto à irreparabilidade dos danos, não devia prevalecer, sempre, o interesse público sobre o particular do recorrente, tendo, também, Proto Pisani[18] admitindo a suspensão (do ato administrativo), como elemento conatural da tutela jurisdicional, tanto na presença de lesão a um direito fundamental da personalidade, não suscetível de reparação pelo equivalente, quanto a um direito patrimonial a que se contraponha outro de igual hierarquia constitucional, havendo um altíssimo grau de probabilidade de que a lesão venha a ser considerada ilegítima na decisão final.

  1. FUNDAMENTOS METAJURÍDICOS DOS ELEMENTOS CONATURAIS DO

     SISTEMA DE TUTELA JURÍDICA

 

Para entender melhor o que são esses elementos conaturais (ou componentes essenciais) do sistema de tutela jurídica, costumo me valer de fundamentos metajurídicos[19], comparando a ação processual (de fundo constitucional), destinada a matar a sede de justiça, com a água potável, elemento natural que mata a sede do sedento, “tanto quanto a medida liminar (como elemento natural), preserva íntegro o direito da parte”.

Quando uma pessoa física tem sede, é preciso que lhe seja dada água potável (H2O) para matar a sua sede, e exatamente a água, ou seja, todos os elementos da água (2 parcelas de hidrogênio e 1 de oxigênio), da mesma forma que, se alguém precisa da ação (direito de ação) para preservação do seu direito (material), é preciso dar-lhe a ação, também com todos os seus elementos, inclusive a medida liminar, pois, de outro modo, não cumpre a ação o objetivo constitucional. Reconhecer ao jurisdicionado o direito de ação, mas desprovido da possibilidade de obter a liminar, quando necessária, é o mesmo que pretender dar a quem tem sede, a “água potável”, desprovida de um de seus componentes essenciais (dar, por exemplo, apenas H1O), porque não se estará dando a água; na verdade, não estará dando nada. Também não seria possível dar mais (H2O2), porque estaria dando “água oxigenada”, que, se ingerida, intoxicaria (ou até mataria) o sedento.

Esta é uma realidade tão gritante do ponto de vista lógico-dogmático, que é difícil entender como possa o legislador pretender limitar a atividade jurisdicional, quando esteja em jogo a lesão a um direito subjetivo, porquanto tais restrições não encontram respaldo na Constituição, pelo que não se trata de simples ilegalidade, mas de verdadeira e própria inconstitucionalidade[20].

Fico pensando se, num caso concreto, algum juiz seria insensível a ponto de negar uma liminar para internação de um paciente na UTI[21] por conta do SUS[22], em havendo urgência, porque alguma lei, como tantas neste País, lhe imponha não outorgar liminar contra o poder público, ou outorgá-la apenas depois de ouvir o ente público interessado.

Também para Teresa Arruda Alvim[23], “todas as leis restritivas à concessão de liminares são inconstitucionais”, e, no que tange ao mandado de segurança, as liminares lhe são conaturais. No entanto, para que se evitem abusos e para não se correr o risco de a liminar ser efetivamente satisfativa (não no sentido jurídico, mas no plano empírico), diante da irreversibilidade fática da situação, a prestação de caução, quando de liminar em cautelar se tratar;[24] garantia esta expressamente contemplada pelo inciso III do art. 7º da LMS, facultando ao juiz exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

  1. CONTRACAUTELA NA CONCESSÃO DE MEDIDAS LIMINARES

 

Ao facultar o inc. III do art. 7º da LMS, que possa o juiz exigir garantia do impetrante (caução, fiança ou depósito), com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica, essa garantia alcança apenas a compensação de créditos tributários e a liberação de mercadorias provenientes do exterior, mas não a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, concessão de aumento ou extensão de vantagens e pagamento de qualquer natureza, por ser com ela incompatível.

  1. LIMINAR CONDICIONADA À MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DA PESSOA

     JURÍDICA PÚBLICA

Nos termos do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, no mandado de segurança coletivo, “a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

Regra semelhante compõe, também, o art. 2º da Lei 8.437/1992 –, não revogada, e, portanto, ainda em vigor –, que, “no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas”. Esta norma foi, também por tabela, implicitamente revogada pela decisão proferida pelo STF na ADI 4296-DF.

Normas legais desse jaez têm o indisfarçável propósito de beneficiar o poder público, embora o faça em linguagem afirmativa –, a liminar só poderá ser concedida (LMS: art. 2º) ou a liminar será concedida, quando cabível (Lei 8.437/1992: art. 2º) –, pois, na verdade, veda a concessão de medida liminar inaudita altera parte,[25] ou seja, sem, antes, ouvir o representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas.

No mandado de segurança, seja individual ou coletivo, manda o inc. II do art. 7º da LMS que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada – seja pública, ou privada no exercício de atribuições públicas –, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito.

O § 2º do art. 22 da LMS, em vez de pessoa jurídica interessada, fala em pessoa jurídica de direito público, que não inclui as pessoas jurídicas privadas no exercício de atribuições do poder público, devendo a interpretação ser feita de forma restrita, porque o legislador não desconhecia a diversa natureza jurídica dessas pessoas, e, no entanto, aludiu apenas àquelas de direito público: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações públicas.[26]

Não é preciso ser adivinho para concluir que, ao ser a pessoa jurídica ouvida a respeito da liminar, será, sempre, contra a concessão, porque a sua função, no mandado de segurança, na qualidade de parte passiva, é a de fazer a defesa do ato coator, e ninguém –, além do legislador –, suporia que viesse ela a manifestar-se a favor da liminar, para, mais tarde, na defesa do ato coator, sustentar a legalidade deste e a falta de suporte para a liminar.

Para agilizar o mandamus, é aconselhável que o juiz, ao determinar a manifestação da pessoa jurídica de direito público, para os fins do § 2º do art. 22 da LMS, cuide, nessa oportunidade, de lhe dar ciência da impetração, mediante remessa de cópia da petição inicial, sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito (art. 7º, II); porque, assim, a pessoa jurídica já estará de posse da inicial, que contém as alegações do impetrante, para fazer aquilo que se sabe, de antemão, irá fazer, que é  se pôr contra a concessão da liminar.

O legislador, muitas vezes, estabelece o prazo em horas, para dar a impressão de que está agilizando o processo, mas a fixação de prazo em horas só é recomendável quando se trata de intimação (ou notificação) por mandado, através de oficial de justiça, pois, sendo por ofício, pelo correio, como é no mandado de segurança –, e, agora, também por meio eletrônico, por força de alteração do art. 246 do CPC, pela Lei 14.195/2021, aplicável subsidiariamente –, é difícil, saber o exato momento em que o prazo começou a correr, porque os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto (Cód. Civil: art. 132, § 4º). Na citação pelo correio, por exemplo, se o carteiro não anotar, como não anota, no aviso de recebimento (AR), o dia, hora e minuto em que a correspondência (contendo a intimação) foi entregue, será tecnicamente impossível aferi-lo na forma prevista no § 2º do art. 22 da Lei do Mandado de Segurança.

Nesse caso, duas soluções são possíveis: a) ou o juiz manda que se faça a notificação (rectius, intimação) por mandado, pelo oficial de justiça, com a determinação de que se anote o momento exato do recebimento (dia, hora e minuto), e, assim, o termo inicial do prazo de 72 horas, para a pessoa jurídica pública se manifestar; b) ou o juiz manda que seja intimada por ofício, com a entrega pelo correio ou por meio eletrônico, mas, nesse caso, as 72 horas devem soar como 3 (três) dias, excluindo-se, na contagem, o dia do começo e incluindo-se o do vencimento (CPC: art. 224, caput, subsidiariamente aplicável).[27]

O prazo de 72 horas é um prazo meramente recomendatório, pois, mesmo que a manifestação da pessoa jurídica pública seja extemporânea, deve o juiz considerá-la, para formar a sua convicção, sobre a concessão ou denegação da liminar, não estando, porém, adstrito a ela, podendo concedê-la ou denegá-la conforme o seu convencimento.

Se, por acaso, houver uma situação de risco, que não permita ao juiz ouvir, previamente, a pessoa jurídica pública, no prazo de 72 horas (ou 3 dias), nada impede que mande ouvi-la em prazo menor, ou até dispense a sua prévia manifestação, concedendo a liminar, e sujeitando-a a reexame num momento posterior.

Ao mandado de segurança coletivo se aplicam todas as demais regras da Lei 12.016/09, no que forem com ele compatíveis[28].

  1. NOVO POSICIONAMENTO DO STF SOBRE O TEMA

 

No julgamento da ADI 4296/DF, coincidentemente com as premissas retro, por mim sustentada há várias décadas – e, também, por Teresa Arruda Alvim,[29] mais recentemente, e, no passado, por Hely Lopes Meirelles, o que confirma o acerto da tese – o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º[30], e do art. 22, § 2º[31], da Lei nº 12.016/2009, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos parcialmente o Ministro Marco Aurélio (Relator), que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º[32], da expressão “sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito com o objetivo de assegurar o ressarcimento a pessoa jurídica” constante do art. 7º, inc. III[33], do art. 23[34], e da expressão “e a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé” constante do art. 25[35], todos da Lei nº 12.016/2009; o Ministro Nunes Marques, que julgava improcedente o pedido; o Ministro Edson Fachin, que declarava a inconstitucionalidade também do art. 1º, § 2º, e da expressão constante do inc. III do art. 7º; e os Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente), que julgavam parcialmente procedente o pedido, dando interpretação conforme a Constituição ao art. 7º, § 2º, e ao art. 22, § 2º, da mesma lei, para o fim de nele ler a seguinte cláusula implícita: “salvo para evitar o perecimento de direito”, nos termos dos respectivos votos proferidos.

  1. CONCLUSÃO

 

Espero que estas considerações sirvam de subsídios na exegese que se seguirá à declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 7º e do § 2º do art. 22 da Lei 12.016/2009, porquanto as hipóteses reguladas por essa Lei e os preceitos julgados pelo STF serão considerados nos pretórios nas ações concretas que se seguirão a esse momento histórico, tanto na esfera processual comum, como na cautelar e antecipatória, e mesmo na própria esfera mandamental.

[1] ALVIM, Teresa Arruda. Medida Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial. São Paulo: RT, 1994, p. 33.

[2]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[3] Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (…). 

[4]     “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (…)”.

[5]     “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (…)”.

[6]     “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem
a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
(…)
”.

[7]     “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (…)”.

[8]Art. 7º (…) III – (…) sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…)”

[9]  “Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (…)  II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; (…) Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (…)”

[10] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação; (…)”

[11]Art. 151. (…) Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (…)”

[12]  https://www.youtube.com/watch?v=hT3V0q37oB4

[13] “Art. 100 (…) §5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (…)”    

[14]   Leis 4.166, de 4 de dezembro de 19624.348, de 26 de junho de 19645.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei no 6.014, de 27 de dezembro de 1973; o art. 1o da Lei no 6.071, de 3 de julho de 1974; o art. 12 da Lei no 6.978, de 19 de janeiro de 1982 e o art. 2o da Lei no 9.259, de 9 de janeiro de 1996. 

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 59.

[16] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[17] Corte Cost. 27, dicembre, 1974, n. 284. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[18] Proto Pisani contestou que a suspensão (do ato administrativo) cautelar fosse um elemento conatural da tutela jurisdicional à anulação, mas admitiu a existência desse elemento conatural da tutela jurídica. PISANI, Proto. Una macroscopica manifestazioni. Rivista di Diritto Processuale. Bologna: Cedam, n. 1, Gennaio/Marzo 1995, p. 231.

[19] Estes elementos são, na verdade, baseados na química, ou, mais precisamente, na composição da água potável.

[20] CARREIRA ALVIM, J. E. “Medidas Liminares e Elementos Conaturais do Sistema de Tutela Jurídica.” In: O

      Direito na Doutrina. 1. ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 173-181.

[21] Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

[22] Sistema Único de Saúde (SUS).

[23] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[24] Ibidem.

[25] Sem audiência da parte contrária.

[26]Dec.-Lei 200/67 – Art. 5º. (…) IV – Fundação Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”. Apesar de as fundações públicas terem personalidade de direito privado, vêm sendo beneficiadas com todos os privilégios reconhecidos às autarquias.

[27]Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.”

[28] Ao mandado de segurança, aplicam-se, subsidiariamente, as normas das Leis 8.078/90 (CDC), 7.347/85 (Ação Civil Pública) e Lei 9.507/97 (Habeas Data), no que forem compatíveis com o mandamus.

[29] ALVIM, Teresa Arruda. Op. cit., p. 33.

[30]Art. 7º (…) § 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.(…)”

[31] Art. 22 (…) § 2o No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.” 

[32]Art. 1º, (…) § 2o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. (…).”

[33]Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:  (…) III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. (…).”

[34]Art. 23.  O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”

[35] Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”

Ensaio Sobre o Dano Existencial no Direito Previdenciário

Por:  Fernanda Carvalho Campos e Macedo – Advogada; Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados; Presidente do IPEDIS; Especialista em Direito Público; Trabalho e Processo do Trabalho; Previdenciário e Securitário; Professora, palestrante e Conferencista; Graduanda em Ciências Contábeis; Co-autora do Livro:  Ônus da prova no Processo Judicial Previdenciário- Editora Juruá, 2018.

Palavras Chave: Dano Existencial; Dano Moral; Direito Previdenciário; INSS; Dignidade da pessoa humana; Poder Judiciário; Juizado Especial Federal; Devido Processo Legal.

Questões gerais sobre o dano existencial

O dano existencial é um tipo de lesão, de caráter subjetivo, extrapatrimonial, que advém, basicamente, de qualquer ofensa relacionada a direito humano e fundamental da pessoa.

Verifica-se este tipo de dano a partir de uma ação (dolosa ou culposa) que acaba gerando, na vítima, uma mudança agressiva no seu cotidiano normal, trazendo bruscos reflexos na sua relação com a família, com os amigos e com a sociedade de uma maneira geral.

Trata-se de um dano relacionado à própria “existência da pessoa” em condições normais. Muito ligado à dignidade da pessoa humana, o dano existencial ocasiona a deterioração da “ felicidade”, da projeção de um projeto de vida pessoal ou familiar.

Apesar de guardar certa similitude, em termos característicos, com o dano moral, o dano existencial vai além de um sofrimento, consternação ou abalo da honra, pois se refere a uma frustração de uma expectativa de poder exercer algo que se projeta no campo pessoal, familiar ou social.  Trata-se de uma lesão a um “projeto de vida”.

Em alguns casos concretos, é possível identificar lesões à honra subjetiva ( dano moral) e ofensas diretas à existência ou projeto de vida da pessoa ( dano existencial), o que permite dizer que há possibilidade de cumulação de danos e , igualmente, de dever reparatório pelo agente agressor.

Apesar da clara distinção, a jurisprudência dos Tribunais ainda é tímida na diferenciação entre institutos. A maior parte dos precedentes trata o dano existencial como uma espécie do gênero dano moral.

O direito do trabalho já enfrentou a questão do dano existencial em inúmeros casos concretos em que este tipo de lesão é verificada. Muitas vezes, um acidente de trabalho, por exemplo, frustra um projeto de vida a própria existência digna e feliz de um ser humano.

No campo do direito Civil, por se tratar de direito de personalidade, o dano existencial também é objeto de estudo e reflexão diante das divisões conceituais que envolvem os danos patrimoniais e os extrapatrimoniais.

Objeto de reparação na esfera Cível, o dano de natureza extrapatrimonial tem sido questão pesquisada, em grande medida, a partir de uma perspectiva da função social do instituto da responsabilidade civil e é, aqui, que as vertentes trabalhistas e cíveis se encontram para uma tese acerca do espraiamento do instituto para a esfera previdenciária.

No capítulo adiante, traremos algumas breves reflexões sobre a possibilidade de se reconhecer dano existencial no contexto da seguridade social, mormente no pilar da previdência social.

O dano Existencial no Direito Previdenciário – reflexões sobre hipóteses e a responsabilidade indenizatória do Estado.

No Brasil, a previdência social organiza-se como um subsistema do Sistema Nacional de Seguridade Social no qual convivem três regimes, quais sejam: o regime geral da previdência social; os regimes próprios de previdência social, relativo aos servidores públicos da União, Estados e Municípios e o regime de previdência complementar. (MACEDO e MACEDO, 2018, p.14)

O direito a benefício previdenciário, no contexto da seguridade social, é um direito fundamental social. A sua finalidade é, precipuamente, proteger o segurado de riscos inerentes a sua sobrevivência digna, ou seja, são garantidores de um mínimo existencial daqueles.

Os Benefícios previdenciários são reconhecidos pelo sistema normativo internacional de direitos humanos e fundamentais como bens jurídicos indispensáveis para garantir, entre outros, a própria existência da pessoa (vida no trabalho, convivência em sociedade).

Nesse contexto, os embaraços ou chicanas injustificadas à concessão ou à manutenção dos benefícios previdenciários acabam expondo o segurado a situações extremamente degradantes do ponto de vista humano. As pessoas, em situação de aviltamento moral pela denegação do direito que lhe é assegurado, também são expostos a danos psicossomáticos e a danos irreparáveis relacionados aos seus propósitos de vida digna.

Em muitos casos, os danos causados pela obstrução de acesso a bens jurídicos fundamentais e existenciais não podem ser reparados do mesmo modo como são os danos causados a outros bens jurídicos não diretamente relacionados com a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, a simples restituição de parcelas não pagas no momento devido não é capaz de assegurar a justa compensação pelos danos sofridos.

O Direito a um benefício previdenciário está intimamente relacionado ao Direito fundamental da “Liberdade”. Um tipo de “liberdade real” que contempla não apenas o direito de ir e vir, mas sim o de projetar como quer viver dignamente e quando poderá, então, exercer o direito ao descanso remunerado. Nessa perspectiva, o Professor Savaris ( 2011) foi pontual:

A liberdade real só pode ser exercida pela pessoa com recursos mínimos para sobreviver, planejar sua vida e dela fazer algo valioso. Se a liberdade física, traduzida no direito de ir e vir, é vista como uma inegociável expressão da dignidade humana, da mesma forma a liberdade real, em oposição à liberdade formal, deve ser pensada como um direito inalienável do ser humano, o direito de ir e vir, e viver. De que liberdade se fala afinal quando o indivíduo é cercado pela destituição, subnutrição e apenas com esforço extraordinário consegue ―vender sua força de trabalho‖ para prover seu sustento imediato? (SAVARIS, 2011 a, p. 88).

Entretanto, não apenas na perspectiva de ofensa indireta à liberdade do cidadão que se pauta a questão do dano existencial, mas no sentimento social de que há um certo “desrespeito” por parte do Estado por questões coletivas existenciais e de dignidade. Um tipo de insegurança que atinge a todos, mesmo aqueles que ainda não foram afetados por alguma daquelas ofensas, mas que, por alteridade ou empatia, se colocam no lugar das vítimas.

É consternador saber que o titular de direitos previdenciários, em muitos casos, por sua condição de hipossuficiência intelectual, ao ter seu pedido rejeitado, sequer tem entendimento sobre o tipo de lesão que pode ter sofrido, pois desconhece a questão da extensão dos seus direitos fundamentais, os quais são precedentes dos seus direitos securitários.

O dano existencial, então, bem próximo, mas diferente do dano moral previdenciário seria, exatamente aquele que não pode ser medido com uma régua objetiva, pois atinge núcleos relacionados a direitos humanos e fundamentais ligados à “expectativa de felicidade”.  

Assim, embaraços ou impedimentos arbitrários ao usufruto das prestações previdenciárias que afetarem a possibilidade de manutenção da vida digna, afetam a capacidade de autodeterminação e projeção de futuro da pessoa humana e a sua existência condigna com os seus iguais, podem causar danos patrimoniais, morais e existenciais de forma cumulativa, em determinadas situações.

Partindo-se do pressuposto de que o dano existencial não tem origem interna e que é causado por uma ofensa que atinge, frontalmente, o interesse de um indivíduo, impedindo-o de realizar um projeto de vida feliz (aquilo que cada um idealiza como felicidade), fica mais fácil entender que o dano existencial não se confunde com o dano moral e vai além deste.

Não se pode dizer que o “impedimento de um projeto de vida” seja apenas uma simples “perda de chance” (instituto comum às esferas cíveis e trabalhistas) ou de uma mera lesão que gerou um atraso na realização de um sonho; e sim uma decretação de “fim de linha” ou a declaração de que um “projeto de vida” não pode ser mais realizado.

O dano ao “projeto de vida”, é, por conseguinte, um tipo de lesão que transcende a esfera psicossomática da pessoa humana. Atinge a alma, consterna e faz desacreditar no ideário de justiça. Trata-se de algo tão radical que compromete o sentido de vida justa e as expectativas existenciais do indivíduo.

O dano que frustra o projeto de futuro, a expectativa de uma vida menos sofrida e mais confortável e que obriga o ser humano a resignar-se com um futuro que lhe foi imposto pelo agente agressor, certamente, deve ser bem mais grave do que diversas condutas consectárias do dano moral.

Como se sabe, a “pessoa humana” deve ter lugar central na elaboração das normas, na ideia de Estado, de Nação e de Governo. Sem a valoração do ser humano como causa e razão de existir do próprio Estado, há de se questionar qual a lógica civilizatória se procura na construção dessas abstrações.

É justamente, nesse contexto, que o texto Constitucional adota o ser humano como prioridade e assegura a ele o pleno exercício dos seus direitos existenciais e fundamentais, imputando ao Estado o dever de zelar pela sua segurança e pelo pleno exercício daqueles direitos. Tal dever do Estado é o que se revela na sua “responsabilidade” jurídica de não permitir que qualquer ato dos seus agentes possa gerar lesões que comprometam os projetos de futuro das pessoas.

Assim, o direito previdenciário, como algo que se relaciona intrinsecamente com o “projeto de vida” de milhares de pessoas que sonham em um dia, depois de muito trabalho, conquistar a proteção social da aposentadoria e do devido descanso, pode e deve ser trazido ao debate sobre o dano existencial.

Em algumas situações, o segurado da previdência social, preenchendo todos os requisitos necessários ao  recebimento de um benefício temporário ou permanente por incapacidade laboral, de posse de documentos robustos que demonstram a referida incapacidade ( laudos de médicos especializados, receitas farmacológicas  e exames de imagem, laboratoriais e físicos), por embargos administrativos injustificados, não conseguem exercer o direito à prestação pecuniária correspondente e entram em completa falência material, psicológica e moral.

Na maioria das vezes, a frustação do direito decore de erro médico ou “má vontade” pericial, de equivocada exegese das normas, da inobservância de direitos já interpretados por jurisprudência dominante, de extravio de processos e até por descumprimento de decisões recursais administrativas e, em alguns casos, judiciais.

Casos como estes deixam o segurado em situação de verdadeiro “ drama existencial”, tendo que retornar ao trabalho sentindo dores e prejudicando ainda mais suas condições físicas e psicológicas decorrentes da incapacidade laboral ou mesmo tendo que contar com a caridade dos familiares, amigos e terceiros para não sucumbir, literalmente, à fome e a mendicância.

Como bem dito pelo Professor José Antônio Savaris (SAVARIS, 2011a, p. 60)  , a concessão de um benefício previdenciário se refere ao direito de não depender da benevolência ou da misericórdia e a ofensa a tal direito gera um dano irreparável à sua condição de ser humano que precisa manter o mínimo para uma vida digna.

Podemos exemplificar, aqui, como hipótese lógico-indutiva  e no contexto de ensaio, algumas  possibilidades de ofensa aos núcleos de direitos humanos e fundamentais que podem ser classificados como dano existencial.

Em alguns expedientes normativos do próprio Conselho Federal de Medicina, há menção a atentado a dignidade da pessoa humana quando se força alguém a trabalhar quando se está doente e incapaz para o trabalho.

Entretanto, há situações em que a concessão de aposentadoria por invalidez (um benefício de caráter mais permanente), sem uma tentativa de reabilitação ou readaptação profissional também frustra expectativas e atrapalha, completamente, o projeto de vida de um segurado.

Existem casos em que o segurado, jovem, iria se desenvolver em alguma carreira, conseguir vantagens financeiras para aí, sim, conquistar o descanso remunerado digno. Os processos de reabilitação ou readaptação profissional poderiam permitir que aquele jovem permanecesse contribuindo para os cofres da previdência, evoluindo em alguma carreira (e aumentando o salario de contribuição) e , ao fim, podendo realizar o seu projeto de aposentadoria. Uma vez que, indevidamente a Administração Pública frustra esse direito, em alguns casos pode-se cogitar a existência de um dano existencial.

Há casos em que a responsabilidade civil pelo dano existencial é da entidade empregadora, mas a consequência jurídica se espraia para o direito previdenciário. O benefício previdenciário concedido seria uma consequência da conduta do empregador e as discussões sobre as responsabilidades cumuladas acabam fazendo parte do cotidiano forense.

A jurisprudência do STJ e do TST nos parecem consonantes no sentido de que as prestações pagas pelos órgãos previdenciários em razão de incapacidades decorrentes de acidentes do trabalho ou de doenças de caráter laboral não devem ser consideradas para efeito de fixação da indenização pelos danos materiais, morais e existenciais devidas pelo empregador em caso de dolo ou culpa daquele.

Os posicionamentos do TST e STJ parecem estar alinhados na coerência argumentativa de que as ações por acidentes de trabalho ou doenças de causas profissionais por serem de natureza alimentar, podem ostentar caráter compensatório e indenizatório, mas sem guardar relação com a responsabilidade securitária do Estado (natureza jurídica de seguro propriamente dita, que não se confunde com compensação ou indenização decorrente de responsabilidade civil).

Uma coisa é o dever de concessão do benefício previdenciário pela Administração Pública independente da responsabilidade pela ocorrência da incapacidade laboral do segurado e outra é a configuração de ação ou omissão do órgão previdenciário a gerar um segundo direito, desta vez indenizatório por eventual dano gerado ( dano existencial, por exemplo).

Ainda, em termos hipotéticos, podemos cogitar a existência de dano existencial de responsabilidade do Estado Administrador ( órgão previdenciário que nega um beneficio devido na esfera administrativa) e do Estado Juiz ( que, com sua morosidade, acaba frustrando a percepção do benefício) quando um segurado, ao ter seu beneficio previdenciário indevidamente indeferido, uma vez buscando a tutela judicial, passa anos e anos sem exercer o seu direito em função da morosidade do processo judicial e acaba falecendo no curso do processo.

Vejam-se que houve a “frustração de um projeto de vida” e isso nos parece irrefutável. Imagine se a concessão do beneficio previdenciário no momento devido não podia ter dado mais qualidade de vida ao segurado e, inclusive, contribuído para a não ocorrência da morte precoce? Seria plausível dizer que, se no caso de dano moral à pessoa falecida (atributos como: nome, reputação dignidade, imagem etc), haveria legitimidade dos parentes colaterais, o mesmo poder-se-ia aplicar a hipótese do dano existencial de natureza previdenciária? São questões que merecem ser melhor analisadas em outros trabalhos.

Certa feita, observamos um caso concreto, em que um senhor que havia trabalhado a maior parte da sua vida como gerente de banco, ganhando alto salário e tendo contribuído durante longos anos para o INSS, foi demitido e teve que, diante do desemprego e falta de vagas no mercado para o exercício de função similar a que tinha outrora, trabalhar como frentista, ganhando pouco mais do que o salário mínimo nacional.

Quando completou o  tempo de contribuição necessário para a aposentadoria, o INSS lhe calculou o salário de benefício e, para sua tristeza, deixou de considerar o período de frentista como trabalho especial e ainda lhe apresentou a RMI (renda mensal inicial) um pouco acima do salário mínimo, concedendo-lhe, há época, a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional.

Aquele senhor, que trabalhou a vida quase toda contribuindo sobre alto salário, tinha a expectativa de se aposentar com um provento digno, que lhe permitisse o descanso honrado ao lado de sua esposa (que a vida toda se dedicou aos trabalhos do lar), mas foi frustrado pela conclusão do INSS.

Irresignado, o cidadão, então, procurou a tutela judicial para revisar aquele ato, o qual considerava equivocado e injusto. Ocorre que, diante da possibilidade garantida em lei de buscar a tutela judicial sem advogado ( Ius postulandi) nos Juizados Especiais Federais, a partir de um “indevido processo legal”, sem uma correta atividade instrutória, de forma lacônica e superficial, teve o seu caso equivocadamente analisado e seu pedido julgado improcedente, tendo o feito transitado em julgado.

Apesar das possibilidades jurídicas (em tese) para rediscutir o caso (relativização da coisa julgada secundum eventus probationes, por exemplo), nossa hipótese, aqui, revela o dano existencial na esfera previdenciária.

O Estado Administrador, personificado pelo INSS, teria dado o “primeiro tiro” no projeto de vida daquele Senhor e o Estado Juiz, personificado pelo Juizado Especial Federal, teria dado o “tiro fatal”.

Se as teses que podem ser trazidas para que o Judiciário reaprecie os fatos e provas não forem acatadas, terá aquele cidadão sofrido um dano existencial pelo impedimento de um projeto de vida feliz a partir da sua tão sonhada aposentadoria, a qual lhe daria a dignidade de um bom descanso e de uma boa qualidade de vida na velhice.

Seria possível, então, mediante a apresentação de um bom contexto fático-probatório, imputar a responsabilidade ao Estado pelo dano existencial verificado?

Nós, os operadores cotidianos do direito, sabemos que, a cada dia, a luta por justiça (aquela que na sua concepção mais simples e bela se traduz na “ entrega do direito a quem o tem”) tem sido tarefa cada vez mais difícil.

O Poder Judiciário que deveria ser “o grande herói” guardião da justiça, em alguns casos, passa a ser o grande vilão, maculador daquela. Sob as premissas de “celeridade”, atacam mortalmente a “efetividade”. Sob o primado da eficiência (destaque pela busca constante de cumprimento de metas), atropelam do devido processo legal.

Nesse contexto, é bem difícil que eventual lesão a direito existencial no contexto previdenciário seja reconhecida e atribuído o dever indenizatório ao Estado, seja ele administrador ou Juiz.

E quando o Poder Judiciário é a última fronteira, a quem recorrer?  Esse será o tema do nosso próximo ensaio.

REFERÊNCIAS

MACEDO, Alan da Costa; MACEDO, Fernanda Carvalho Campos e. Ônus da prova no processo judicial previdenciário. Curitiba: Juruá, 2018.

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2011a.

A intervenção Federal no Rio e sua relação com a Reforma da Previdência

20/02/2018 – Por Rafael Cimino Moreira Mota

Muito se tem ouvido no sentido de que a Intervenção Federal no Rio de Janeiro teria jogado por terra as pretensões do Governo Federal de discutir e aprovar a Reforma da Previdência. Assim sendo, o presente texto tem a função de esclarecer a população acerca desta situação e explicar, com breves e simples palavras, a relação entre esses dois pontos que, aos olhos do leigo, são tão distantes.

A PEC 287, que pretende “deformar” a Previdência Social Brasileira é uma proposta de Emenda Constitucional que, conforme diversas publicações mídia afora, pretende promover a destruição do que hoje conhecemos como Previdência, gerando uma série de distorções sociais.

O art. 60 §1º da Constituição Federal dispõe que, no curso de Intervenções Federais, tal qual está ocorrendo no Rio de Janeiro, a Constituição Federal não poderá ser emendada. Em outras palavras, a Reforma da Previdência – que é uma proposta de emenda constitucional – não pode ser aprovada durante a Intervenção (guarde a palavra “aprovada”). Diante desta vedação, vários estudiosos afirmaram que a Reforma estaria superada e que o Governo estaria “jogando a toalha”. Contudo, este autor prega cautela, pois este governo (sim, em letras minúsculas) já deu provas de que é capaz de tudo para ver seus interesses satisfeitos.

Vejamos o cenário que se apresenta: o governo federal tem 83% de rejeição e o índice de criminalidade no Rio, em que pese ser muito alto, é apenas metade do que se vê em outros estados como Sergipe ou Rio Grande do Norte, por exemplo. No Rio Grande do Norte, há pouco tempo atrás, vimos a desordem tomar conta e o governo federal pouco ou nada fez.

Vamos aos fatos: Rio Grande do Norte e Sergipe – em que pese serem ótimos estados, cheios de cidadãos de bem, que pagam os mesmos tributos que eu e você, e que votam como eu e você – não dão Ibope, mas o Rio de Janeiro sim. Há holofotes para as ações praticadas no Rio, por uma série de fatores que não vêm ao caso. Fato é que a Intervenção Federal no Rio pode soar como “uma decisão acertada do governo”, sugerindo que reformar da Previdência também o seria, e que a população deveria apoiá-la.

Não digo que a intervenção não deveria ocorrer, mas digo que há situações tão importantes e necessárias quanto esta que deveriam ter sido enfrentadas muito antes por um governo que busca, de todas as formas, se manter no poder e vender uma imagem de que está fazendo o certo, da forma certa.

Pois bem. Feitas estas ponderações, voltemos ao art. 60, §1º da Constituição e à palavra “aprovada”. Observe que vedar a Emenda à Constituição não é vedar a discussão da proposta de emenda. Ou seja, o Congresso Nacional pode sim colocar o assunto em pauta e discuti-lo durante o período da Intervenção Federal. O que não se pode é concluir o processo legislativo da Emenda.

Vou além. Pode ser que, de fato, a Reforma saia da pauta desta semana na Câmara e que, como havia se ventilado anteriormente, seja colocada em discussão em Novembro. Enxergo esta possibilidade como real e prego que devemos ficar ainda mais atentos, pois com a passagem das eleições, o cenário político estará menos conturbado, sem o incômodo grito popular que diz que “quem votar não vai voltar”.

Feitas estas considerações, digo que a Intervenção Federal pode soar como uma cortina de fumaça sobre uma das maiores bandeiras do governo federal: a Reforma da Previdência. Não podemos cessar a luta em favor da Previdência e da manutenção dos direitos sociais. A Reforma da Previdência deve ainda ser combatida e a população precisa estar atenta para o quão lesiva ela se apresenta.

[1] Advogado especialista em Direito Previdenciário, sócio da Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados, com atuação nas cidades de Barbacena, Barroso, São João del Rei e Carandaí. Advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção e do Mobiliário de Barroso/MG, Procurador da APAE de Barbacena/MG, Procurador do Instituto Bom Pastor. Professor de Direito Previdenciário na Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena/MG e em cursos preparatórios para concursos. Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados – Rua Freire de Andrade, nº 15, Lj 04, Centro, Barbacena/MG. (32) 3362-9787, 9.8818-0246 e 9.9947-4847.

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O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade

Fernanda C. Campos e Macedo ¹

O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade

Fernanda Carvalho Campos e Macedo[1]

Ab initio

Tentamos trazer nesse texto uma visão sociológica do Direito dos infratores no atual sistema policial, penal e carcerário Brasileiros sob a luz dos Direitos Humanos e da visão deturpada de parte da sociedade sobre Direitos Humanos e seus destinatários.

Partimos da premissa de que há de se respeitar os Direitos Humanos para todo e qualquer destinatário, defendendo-se o direito a um meio ambiente penal e carcerário equilibrado, essencial para a salvaguarda da Dignidade da Pessoa Humana e a possibilidade de reinserção do infrator na sociedade.

DAS RAZÕES DE DIREITO E A NOSSA VISÃO SOBRE O TEMA:

Nem sempre os Direitos feitos pelos homens para os homens foram resultado de processo legislativo formal. Muitas conquistas foram alcançadas através de guerras, com conquistas de territórios e promessas de legislações mais garantistas pelos conquistadores.

Em tempos remotos, a humanidade não estava muito preocupada com a definição de regras que pudessem protegê-la como “seres humanos” em si, mas com a criação de uma disciplina coletiva capaz de assegurar-lhes organização a partir de sistemas hierarquizados de poder.

A partir do momento em que os seres humanos se reconhecem como tal, principalmente no diz respeito à capacidade de agir de forma racional, dialogar, sentir, fazer e transformar – podemos dizer que teve inicio as lutas por seus direitos em diferentes frentes e contextos.

Apesar do homem ter se reconhecido como “ser de direitos relativos a sua natureza e sua essência humana” é notório que a sociedade ainda tem muito que caminhar e conscientizar quem ainda não se incluiu ou não se percebeu enquanto ser humano na escala de direitos existências.

A tortura, a violência física e psicológica, a submissão do ser humano a condições degradantes são exemplos mais drásticos de que é preciso avançar na educação e aculturamento de massas manobradas por um sistema excludente e apresentador de soluções rápidas para questões sociais tão difíceis, advindas de contextos antropológicos, históricos e culturais.

Os direitos humanos buscaram “aperfeiçoar a própria humanidade”. Nesse passo, não se trata apenas de um movimento social que almeja criação de novas garantias, mas a proteção de direitos naturais ligados à própria existência humana.

Diante do saber coletivo de que os Direitos Humanos foram formalizados em normas jurídicas e de que é preciso cumprir tais normas a luz da legislação pátria e internacional incorporada ao ordenamento, a constatação de que seres humanos são submetidos a violências físicas e psicológicas por autoridades constituídas, a ambientes e degradantes das mínimas condições de dignidade humana, requer mais pesquisa e mais problematização a fim de que tais linhas de estudo alcancem os responsáveis pela materialização do direito.

Não seria demais lembrar que a violação aos direitos humanos é um problema do Estado Brasileiro enquanto nação e enquanto Administração Pública. À nação se cobra o cumprimento dos pactos internacionais que foram celebrados para garantia da proteção àqueles direitos e à Administração Pública o cumprimento das Leis com a interpretação garantista da Constituição Federal de 1988.

O que se pretende, aqui, é chamar a atenção do leitor para um tema que é de difícil compreensão por grande parte da sociedade. Em cenário de antagonismo político e de dualidade de posições, ser a favor da proteção aos Direitos Humanos é “ser defensor de bandido” e ser contra os direitos Humanos é ser “defensor da moral e dos bons costumes”.

Somos a favor da tese em que a punição de infratores pode ser feita de forma rígida e eficaz sem que lhe sejam usurpados os Direitos Humanos. Defenderemos a aplicação rigorosa de penas; a atuação firme das polícias; a mão firme do Estado contra o crime; a proporcionalidade na repressão policial em Estado de Guerra urbana; a salubridade física e psicológica do sistema carcerário para fins de ressocialização do indivíduo e da Responsabilização do Estado na comissão ou omissão relacionadas a salvaguarda dos Direitos Humanos.

Nossa Constituição Federal de 1988 diz em seu art. 5º, III:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;” ( grifamos)

A Lei 7210/84, Lei de Execução Penal diz nos artigos abaixo relacionados:

“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III -jurídica;IV – educacional;V – social; VI – religiosa.

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)”

Ocorre que, conforme amplamente noticiado, os estabelecimentos prisionais estão, em sua maioria, superlotados, de modo que não tem sido garantida a segurança pessoal dos que lá vivem, além de frequente surgimento de problemas de saúde, brigas e mortes dentro desses locais. Dirão: “mas o preso tem mesmo que sofrer, lá não é colônia de férias”.

Tal visão nos parece extramente “ignorante” do ponto de vista científico das matérias: criminologia; sociologia; Direito Constitucional; Antropologia e História. É evidente que a “dignidade da pessoa humana” não pode ser relativizada. As penas existem para punir os infratores e, nelas, já existe a carga de cerceamento de direitos e liberdades entre as quais não se incluem o “tratamento desumano”.

Aqueles que defendem a “degradação do ser humano” que pratica ilícitos penais não tem a menor ideia de que a evolução da sociedade com o consenso sobre o respeito a garantias mínimas e universais de todo ser humano é que lhes garante a coexistência pacífica.

Ao Estado incumbe o dever constitucional e legal de preservar a integridade física, moral e psíquica dos condenados, apesar do seu direito de punir( ius puniendi) a quem infringe as normas impostas.

Ocorre que as prisões brasileiras, cronicamente, submetem os presos a condições sub-humanas, como se fossem verdadeiros “depósitos de gente” com superlotação, estrutura ambiental insalubre, ausência de serviços de saúde entre outros.

O tempo passa e o homem continua sendo “o lobo do próprio homem”. Já tinha dito Jesus há muito tempo: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.

A sociedade moderna que deveria cobrar, sim, mais segurança e menos violência, deveria também entender que a diminuição daqueles índices passa pela maior participação do Estado na manutenção das “ famílias”; do fomento à educação e profissionalização; do investimento em prevenção da violência; da oferta de direitos iguais para todos. O Estado é, sim, co-culpado pela situação da violência no Brasil e pelo estado de “selvageria” em que estamos. Muitos são os infratores que são segregados por cometerem crimes bárbaros, os quais geram repulsa coletiva. No entanto, muitos e talvez a maioria são vítimas da própria omissão estatal.

Quando se instalou, no Rio de Janeiro, o programa de UPP’s ( Unidades de Policia Pacificadoras), era certo que tal ingerência do Estado nas comunidades deveria vir acompanhada de um projeto de inclusão social e de prevenção na formação de novos infratores.

Ora, se um infante de 12 anos de idade estivesse sendo assediado pelo tráfico de drogas, sua mãe estivesse desempregada e doente e aquele menor fosse órfão de pai (traficante morto em confronto com a polícia), que destino ele teria senão se submeter ao assédio dos criminosos? Tivesse o Estado instalado um projeto como o SENAI naquela comunidade e ofertado cursos profissionalizantes já com perspectiva de emprego para aqueles menores órfãos do tráfico, poder-se-ia dizer que tiveram uma oportunidade de escolha? Se justificaria mais o Ius puniendi depois de tal tentativa?

Como um pai que diz: “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” tem sido o Estado. Enquanto se noticia que os políticos investem alto em “ corrupção” e usurpam os recursos que eram destinados para inclusão social, discutem uma legislação penal mais abrangente e não tem na sua pauta a questão do sistema carcerário.

E a retórica daqueles políticos cada vez mais persuadem a sociedade: “ lugar de bandido é na cadeia ou na vala” e “presídio é lugar para o bandido sofrer”. Dizem isso, pois é fácil, depois de um grande histórico de alienação de grandes massas, incentivar a “guerra de todos contra todos” para passarem ilesos os seus próprios crimes contra a humanidade. Resolvem os seus problemas, legislam para quem paga mais e induzem as suas vitimas a digladiarem-se entre si para que estejam bem ocupados e não os incomodem.

Os Agentes da Polícia, também vítimas desse sistema, são atacados por todos os lados. Sobrevivem com baixos salários para colocar suas vidas em risco em prol da segurança pública. Doentes psicologicamente, fragilizados e acuados, revidam as injustas agressões com “injustas agressões”. Às vezes revidam o ataque de forma “proporcional” e, em outros casos, de maneira “ desproporcional”. E quem é o culpado dos desvios? “Quem apertou o gatilho”, de fato?

Parte da Sociedade pede uma Polícia mais criminosa: “bandido bom é bandido morto”. Outra parte acusa a Polícia de praticar excessos e imputam a responsabilidade, exclusivamente, ao Policial.

Do lado oposto, o infrator chama o policial de “verme” e coloca o seu extermínio como uma das suas pautas principais. O criminoso acha que o Policial é o seu principal inimigo, mas não consegue discernir que aquele ser humano que o combate é a personificação do Estado que, além de se omitir na sua função social de inclusão, ainda o reprime para dar uma resposta a parte da sociedade.

Enfim, como no filme “Tropa de Elite 2”, acreditamos que o problema da violência e da “ guerra de todos contra todos” tem um culpado principal: os nossos representantes da Classe Política.

Hoje, o sistema de freios e contrapesos tenta se impor com uma ação do Estado- Juiz sobre o Estado-Legislador e Administrador, nas pessoas dos seus membros. No entanto, ainda há muito a se fazer e a se conscientizar. O Sistema já vem, há tempos aparelhando, o Poder Judiciário com o sistema de “nomeação de membros” nas altas Cortes do país.

Quando a ação de um grupo de Procuradores da República e alguns juízes de primeiro grau passa a ser a grande esperança do povo (Operação Lava Jato), nossa preocupação passa ser a outorga de “super poderes” para um só corpo do Estado que, formalmente, não representa a vontade do povo, que seria o titular do” poder”.

Doutro lado, quando se constatam decisões das Cortes Supremas atuando como extensões da vontade dos demais poderes e seus representantes, a esperança daquele povo se esvazia.

Quando o “arbítrio” em decisões de primeiro grau se tornam a referência de boas práticas, conseguimos compará-las à súplica da sociedade à polícia: “ matem os bandidos, pois bandido bom é bandido morto”.

Terminamos parafraseando o Personagem do Filme Tropa de Elite 2, Capitão Nascimento: “O Sistema é F…, parceiro. Entra político, sai político, continua tudo na mesma, nada muda. Ainda vai levar muito tempo para consertar essa p…., e muita gente inocente vai morrer no meio do caminho”. Basta saber que é o inocente e quem é o culpado nessa história.

[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista

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Aspectos sociológicos da coisificação da pessoa no contexto da Reforma Trabalhista e Previdenciária

Fernanda C. Campos e Macedo[1]

O conceito de pessoa, especialmente naquilo que tem relação com o começo e o fim da vida, sempre teve importante relevância no campo do direito.

Se, de fato, o direito é construído por pessoas e para as pessoas, a formação de um senso comum sobre quando começa a vida e quando ela termina tem importância não apenas no campo da metafísica, mas abstratamente no conceito filosófico do que é “vida” e o que é “viver e morrer com dignidade”.

O direito, nesse contexto, deve ser visto, como uma ferramenta feita pelo homem e para o homem e, desta forma, deve assegurar àquele o status jurídico compatível a sua existência humana. Tal primado advém da sua própria consideração de pessoa: ser digno de proteção e respeito.

Apesar deste reconhecimento de que o homem é pessoa de direitos, a história comprova que nem sempre foi assim. A escravidão foi a maior prova de que o homem nem sempre foi tratado como pessoa. Naquele período, de forma expressa e sem pudores, havia a legitimação da “coisificação do homem” (homem como coisa e não como pessoa) enquanto ser passível ser comercializado, explorado e destruído por outros homens.

Com o avanço do capitalismo exacerbado, minimização do Estado e programas de alienação de grandes massas, alguns projetos de Poder, infelizmente, retomam a ideia de que o homem pode ser tratado como “ coisa”, só que desta vez de uma maneira disfarçada. Eis aí as ideias propostas nas Reformas da Previdência e trabalhistas apresentadas pelos partidos que pretendem se consolidar e aparecer como salvadores do Brasil. São eles PSDB e PMDB (com apoio de outros partidos que vendem seus votos a preço de ouro).

A constatação do aumento da longevidade, por exemplo, está em plena discussão no Brasil no contexto de reformas trabalhistas e previdenciárias. Desapegados da interdisciplinaridade e das múltiplas faces que envolvem as relações socioculturais no país, os economistas trazem fórmulas prontas para uma matemática que não se comunica com as ciências sociais e humanas.

O número de idosos brasileiros (com 60 anos ou mais) aumentou bastante na última década e tal variação em muito se deve a cultura de melhores cuidados com a saúde física na terceira idade, bem como os avanços tecnológicos da medicina.

Ao contrário do que afirmam os “reformistas”, caso tivéssemos uma proteção social mais abrangente através da correta utilização de recursos (diminuição dos índices de corrupção) a longevidade verificada poderia ainda melhorar e tal reflexo, de certa forma, colaboraria para economia do país, já que os salários percebidos na” aposentadoria” são gastos no próprio mercado.

É cediço que boa parte dos idosos, no Brasil, acaba tendo que retornar ao mercado de trabalho para subsistir com dignidade e foi, justamente, a constatação desse fato que faz os governantes pensarem: “ já que eles conseguem trabalhar, por que estão aposentados”?

Se estamos em um “Estado de bem estar social” é evidente que a constatação de que idosos retornaram ao mercado de trabalho deveria cobrar medidas para que estes não retornassem ( talvez com a manutenção do poder de compra e com uma aposentadoria digna; ou com a redução da carga tributária para que os produtos de primeira ordem pudessem ser adquiridos por aqueles) , gerando vagas para os mais novos que pretendem ingressar no mercado.

O Cálculo atuarial que embasa os sistemas de seguro, a nosso sentir, deveria estar adstrito à média de “sinistros” e o valor de contribuição e tempo necessários para custear a proteção. Se alguém começou a trabalhar muito cedo, mas contribuiu em tempo e na quantia necessária para conquistar a aposentadoria, a idade mínima não deveria ser cobrada, já que os cálculos médios ostentam situações diversas em atenção ao primado da “ solidariedade” do sistema. Ad exemplum: uns contribuem durante toda a vida e não usufruem da aposentadoria e nem deixam pensão por que morrem e não têm dependentes; b) Uns contribuem durante toda a carência necessária para a aposentadoria e, após se aposentar, continuam trabalhando e contribuindo sem qualquer contraprestação (Impossibilidade de desaposentação).

Muitas questões relacionadas à Gestão e governança do sistema previdenciário poderiam gerar uma reforma justa, de modo que, por exemplo: a) beneficiários de auxílio-doença também contribuíssem para o sistema no período de afastamento; b) investimento em fiscalização das contribuições previdenciárias dos empregadores e segurados (milhões são sonegados anualmente); c) investimento na fiscalização de fraudes na concessão de benefícios; entre outros.

Uma auditoria completa na Previdência Social, certamente, daria uma série de soluções para a gestão do sistema sem que fossem necessários retrocessos sociais e, pelo contrário, poderia gerar superávit para a ampliação da proteção social.

A Reforma Trabalhista também soa como um atentado aos direitos Sociais duramente conquistados ao longo de décadas. Basta ler o preâmbulo da Carta Magna de 1988 que se entenderá que os direitos sociais conquistados não podem retroagir e, pelo contrário, devem ser ampliados:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” ( grifamos)

Na prática o projeto de lei da Reforma trabalhista, se implementado, provocará uma drástica redução de direitos e no desmantelamento do sistema de relações de trabalho em vigor desde o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho.

Na visão dos defensores da reforma, as mudanças são necessárias em função da evolução nas relações de trabalho ao longo do tempo. Ocorre que tais mudanças, a nosso sentir, reclamam maiores cuidados com a proteção do trabalhador e não ao contrário, já que no nosso histórico de colônia de exploração, nunca existiu, culturalmente, um “equilíbrio” nas relações entre empregador e empregado.

Como definir que o negociado pode prevalecer sobre o legislado se é notório tal desequilíbrio; e se existem altos índices de condenações na Justiça do Trabalho por abusos por parte de empregadores?

Num cenário ideal, seriam poucas as condenações na Justiça do Trabalho de empregadores, pois estes teriam consciência social e adimpliriam devidamente com os direitos dos trabalhadores. No entanto, os números na Justiça laboral refletem justamente o contrário o que reclama os “olhos atentos” do Estado-Juiz e não ao revés como quer o governo.

Ora, como será uma frágil vítima desse cenário o trabalhador desempregado, com filhos precisando de alimentação e dizer para ele: “ tenho um negócio para lhe propor. Você trabalha para mim sem os direitos que a lei te dava e eu te pago abaixo do razoável, mas te dou um emprego. Fique certo que nosso negócio, apesar de desigual, não pode ser contestado na justiça, já que o negociado prevalecerá sobre o legislado.”

O Projeto do Governo de Michel Temer (parceria PSDB/PMDB) institui um marco regulatório “altamente favorável aos interesses das empresas”, que são os grandes financiadores de campanha e corruptores de políticos (senão vejam-se os fatos denunciados na operação lava-jato) .

Os principais fundamentos da reforma são: extinção do princípio de proteção ao trabalhador perante o empregador; redução do poder de negociação e de contratação coletiva dos sindicatos; outorga para usurpação de direitos previstos em lei; ampliação da possibilidade de contratos atípicos e desiguais e de trabalho autônomo; restrição à atuação do Poder Judiciário e também do acesso dos trabalhadores à Justiça.

Enfim, todas as evoluções que alcançamos para maior proteção do ser humano estão indo de água abaixo e o “povo”, infelizmente, alienado, sorri com o “ pão e circo” oferecidos pelo governo em associação com a mídia ( pertencente ao grupo empresarial que financia tais projetos).

Nossa função, enquanto cidadãos que tiveram acesso ao conhecimento e a história é, incansavelmente, “informar” e multiplicar as informações verdadeiras para a população. Seremos chamados de “subversivos”, já que a “ ditadura” disfarçada de democracia está instalada, mas dormiremos tranquilos em nossos travesseiros.

E-mail da autora: professorafer.campos@gmail.com

[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista.

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A Eficácia Prosprectiva e Retrospectiva do Início de Prova Material nas Aposentadorias por Idade Rural

Por: Alan da Costa Macedo

Muitos operadores de direito ainda tem certa desconfiança da atividade uniformizadora da jurisprudência, sob a suspeita de que, em alguns casos, aqueles julgadores acabam legislando atipicamente, usurpando a competência do Poder legislativo.

Tal crítica não deixou passar a interpretação do art. 39, I, da Lei 8213/91.

Alega-se que o legislador foi claríssimo ao exigir a comprovação da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo e que qualquer interpretação ao contrário disso distorceria, inclusive, o aspecto semântico ditado pelo legislador ordinário.

Vejamos, então, o que diz o artigo citado, com o grifo nas partes que interessam ao presente texto argumentativo:

“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:

I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou   “ ( grifamos) 

Data vênia aos que pensam ao contrário, mas, salvo melhor juízo, a interpretação dada pelos Tribunais Superiores e Turmas de Uniformização não se deram na forma de legislação atípica, criando-se norma não ditada pelo legislador ordinário. A visão dos intérpretes foi sistemática e não restritiva.

A interpretação teleológica do termo exposto no referido texto legal (período imediatamente anterior ao requerimento do benefício) remete a ideia de que o legislador quis que a pessoa comprovasse, já por ocasião do requerimento administrativo -ou seja- com documentos que se referissem a período anterior ao requerimento administrativo- o trabalho rural nos 15 anos (180 meses) anteriores a data em que fez o referido pedido.

É que, em alguns casos, no decorrer do processo administrativo previdenciário, o segurado leva documentos probatórios para acabar de instruir o feito, referentes a período posterior a data de requerimento administrativo. Foi isso que o legislador quis dizer que não podia.

Tal conclusão se dá pelo fato de que, caso o legislador ordinário tivesse “desigualado” as condições restritivas do acesso a aposentadoria por idade urbana da aposentadoria por idade rural, sem um fator discrimem razoável para desigualação, teria incorrido em evidente vício de inconstitucionalidade por ofensa ao Art. 201, §1º, da CF, in verbis:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(…)

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. “(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

Como se pode observar do dispositivo constitucional acima mencionado, o Legislador Constituinte derivado só excetuou duas hipóteses para adoção de critérios diferenciados na concessão de aposentadoria, quais sejam: a) condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física; b) Quando se tratar de segurados portadores de deficiência.

Observe-se, portanto, que a exigência genérica que abarca tanto a aposentadoria por idade urbana quanto a aposentadoria por idade rural é a idade mínima e a carência contributiva, conforme a tabela do art. 48, caput, da Lei 8213/91, in verbis:

“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.”( grifamos)

Em relação a aposentadoria por idade urbana, o legislador ordinário não fez qualquer exigência probatória para que os 180 meses de carência fossem comprovados através do adimplemento das contribuições ( prova) em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. E qual seria o fator discrimem razoável para se exigir do trabalhador rural (que tem muito menos condições de produzir as provas) comprovação mais onerosa do que a do trabalhador urbano?

Foi justamente por esse motivo, que o intérprete, com a visão sistemática do art. 39, I, da Lei 8213/90 com a LICC(Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum) e com a Constituição Federal (art. 201,§1º da CF) alcunhou um termo chamado “ampliação da eficácia prospectiva e retrospectiva do início de prova material a partir de firme prova testemunhal”.

Tal tese interpretativa permite que o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo arguido as testemunhas e verificado que todas foram firmes (não contraditórias) nas suas respostas; ouvindo o depoimento pessoal do autor da ação; observando condições relacionadas às vestes, ao linguajar, à pele (muitas vezes maltratadas pelo sol), às mãos ( em muitos casos calejada, com calos novos e antigos) amplie a eficácia temporal prospectiva ( período para frente) ou retrospectiva (período para trás) do documento início de prova material.

Tanto a TNU quanto o STJ já paficicaram tal tese, na ótica de que o art. 39, I, da Lei 8213/91 deve ser interpretado no seguinte sentido: “período imediatamente anterior” não tem significado restritivo ou tarifário na produção e valoração da prova.

O Juiz deve ser livre para decidir conforme as provas trazidas pelas partes, sendo certo que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Codex processual, mas que sejam hábeis para provar e convencer sobre a verdade dos fatos em que se funda a ação.

Nesse sentido, tendo o trabalhador rural trazido documentos como início (ou indício) de prova material que se refiram a uma data que esteja longe daquela referente ao requerimento administrativo, a circunstancialidade observada por ocasião da audiência de instrução e o firme depoimento das testemunhas compromissadas hão de ampliar a sua eficácia temporal para provar o labor campesino durante o período de carência exigido pela lei.

Foi justamente nesse sentido, que o STJ, intérprete maior da lei federal, no rito dos recursos repetitivos pacificou o assunto:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.

1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.

4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.

6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

(REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)

Na mesma linha, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudências dos JEF’s- TNU, também pacificou a matéria:

“VOTO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. AVERBAÇÃO. SEGURADOESPECIAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELAPROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 14/TNU. INCIDENTE PARCIALMENTEPROVIDO. 1. Pretende o autor a modificação de acórdão que não reconheceu o seu direito à averbação do tempo de serviço rural supostamente exercido no período de 28/01/61 a 14/01/66 e 18/11/66 a 24/05/77 (com exceção do ano de 1968, que foi reconhecido na sentença), ao argumento de que o início de prova material não precisa corresponder a todo o período de carência, desde que corroborado por adequada prova testemunhal. Adentro o mérito recursal,já que presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso manejado,assinalando que a decisão do em. Presidente desta Turma Nacional admitiu apenas em parte o presente incidente, deixando de dele conhecer em relação ao alegado cerceamento de defesa. 2. Esta Turma Nacional já pacificou o entendimento, cristalizado no enunciado da Súmula nº 14, de que para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”, atribuindo-se à prova testemunhal a aptidão de estender a eficácia probatória desse início de prova material, seja de forma prospectiva, seja retrospectiva. 3. Por conseguinte, o documento datado de 1968, qual seja, ficha da Cooperativa Tritícola Santiaguense, relativo à comercialização de produtos agrícolas pelo autor, que foi considerado idôneo como início de prova material, pode ter a sua eficácia probatória estendida por adequada prova testemunhal,tanto para o período anterior quanto para o posterior àquele ano. 4. Confirmação de entendimento desta TNU veiculado no acórdão prolatado nos autos do Pedilef 2005.81.10.001065-3, de minha relatoria, ao qual se imprimiu a sistemática prevista no art. 7º do Regimento Interno, que determina a devolução às Turmas de origem dos feitos congêneres, para manutenção ou adaptação dos julgados conforme a orientação pacificada.5. Não tendo sido ainda colhida a indispensável prova testemunhal (o juízo de procedência do período deferido na sentença se baseou, exclusivamente, nos depoimentos realizados em justificação administrativa, perante o INSS), determino a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juizado de origem, para reabertura da instrução processual, para fins de realização da prova testemunhal e exame da sua adequação para ampliação da eficácia probatória do início de prova material. Este o limite à nova decisão a ser prolatada pelo condutor do processo, uma vez que a idoneidade do início de prova material e a possibilidade de seu aproveitamento para os períodos questionados está sendo reconhecida por esta Turma Nacional, não podendo,portanto, ser objeto de nova deliberação.6. Ressalto que relativamente ao período anterior a 14/01/66, deverá ser objeto de exame apenas o período entre 28/01/61 a 31/12/62, já que o julgado recorrido reconheceu como descaracterizado o trabalho rural entre1963 e 14/01/66, uma vez que, nessa época, o autor “já estudava na cidade e voltava apenas aos finais de semana”, segundo depoimento de uma das testemunhas ouvidas. Como não houve específica impugnação do julgado,nesse particular, aqui ele se mantém hígido.7. Incidente parcialmente provido. “ ( grifamos)

(TNU – PEDILEF: 137684620074047195 RS, Relator: JUIZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data de Publicação: DOU 23/03/2012)

Além da TNU e do STJ, o TRF1 também já adotou a tese bem recentemente, senão vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. LIMITAÇÃO DO PERÍODO AVERBADO. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO INSS.  (…)  5. O início de prova material consiste em cópia do certificado de alistamento militar em 1968, que informa a profissão de lavrador (f. 19), e declaração de exercício de atividade rural emitida em 2010 pelo sindicato de Maria da Fé – MG (f. 39/41).  6. As testemunhas Sebastião de Lélis Corrêa e João Mira, ouvidas em audiência dia 11/04/2012 (f. 117/119), afirmaram conhecer o autor desde criança e que ele trabalhava com seu pai na roça, plantando arroz, feijão e milho, desde os 10 anos de idade. Informam que o autor se mudou para Itajubá – MG em 1969, passando a trabalhar com o irmão na cidade.  7. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, nas causas de trabalhadores rurais, tem adotado critérios interpretativos favorecedores de uma jurisdição socialmente justa, admitindo mais amplamente documentação comprobatória da atividade desenvolvida. As certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e contratos de parceria agrícola são aceitos como início da prova material, nos casos em que a profissão rural estiver expressamente consignada. Admite a condição profissional de trabalhador rural de um dos cônjuges, constante de assentamento em Registro Civil, seja extensível ao outro, com vistas à comprovação de atividade rurícola.Orienta ainda no sentido de que, para a concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos(AR 4.094/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).(EREsp 1171565/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/03/2015)  (…) 11. Mantida a sentença que reconheceu o direito do autor à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, a partir do requerimento apresentado em 13/09/2010 (f. 64), porém agora com 33 anos e 16 dias, mediante o cômputo do trabalho rural acima especificado, já excluídos os quatro meses de trabalho no ano de 1970 que deixaram de ser reconhecidos.  12. Parcial provimento da apelação do INSS para limitar a averbação do tempo rural do autor ao período de 22/08/1962 a 31/12/1969, mantendo a sentença em todos os demais termos. ( grifamos)

(AC 0056617-09.2013.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE JUIZ DE FORA, e-DJF1 de 31/10/2017)

CONCLUSÃO

Um dos principais primados do Direito Constitucional e do Direito processual é a “segurança jurídica”. A força dos precedentes, principalmente, aqueles oriundos da uniformização da jurisprudência são grandes exemplos da materialização daquele instituto.

Um bom caminho para redução da litigiosidade passa pela necessária reflexão de juízes de primeiro; juízes de turmas recursais dos JEF’s  e de Juízes dos Tribunais Regionais Federais sobre a “ segurança jurídica” advinda dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores e pelas Turmas de Uniformização da Jurisprudência.

O advogado, quando colaborador da justiça, deve, nas ações previdenciárias, desde o começo, tentar formular sua inicial, cotejando os fatos e provas com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e TNU nas ações previdenciárias.

Instruindo bem o processo com as provas já definidas pela jurisprudência como hábeis a comprovação do exercício rural, trazendo objetivamente os fatos controvertidos a partir da criteriosa análise do processo administrativo previdenciário, o juiz deve , salvo melhor juízo, se afastar de convicções ideológicas próprias e aplicar a jurisprudência já pacificada.

Não defendemos aqui o total “ engessamento” do Direito. Fenômenos como “distinguish” e “ overruling” são bem vindos, em alguns casos,  de tempos em tempos.

Tais institutos, entretanto, necessitam de boas argumentações para mudanças de paradigmas.

Não se pode mudar a jurisprudência firmada e pacificada a partir de meras conjecturas e suposições. É necessário que a “nova visão” a ser materializada nos julgamentos advenha de argumentos eloquentes e que convençam inclusive aqueles que tinham o pensamento anterior.

FICOU COM ALGUMA DUVIDA SOBRE O ARTIGO