Muito se tem ouvido no sentido de que a Intervenção Federal no Rio de Janeiro teria jogado por terra as pretensões do Governo Federal de discutir e aprovar a Reforma da Previdência. Assim sendo, o presente texto tem a função de esclarecer a população acerca desta situação e explicar, com breves e simples palavras, a relação entre esses dois pontos que, aos olhos do leigo, são tão distantes.
A PEC 287, que pretende “deformar” a Previdência Social Brasileira é uma proposta de Emenda Constitucional que, conforme diversas publicações mídia afora, pretende promover a destruição do que hoje conhecemos como Previdência, gerando uma série de distorções sociais.
O art. 60 §1º da Constituição Federal dispõe que, no curso de Intervenções Federais, tal qual está ocorrendo no Rio de Janeiro, a Constituição Federal não poderá ser emendada. Em outras palavras, a Reforma da Previdência – que é uma proposta de emenda constitucional – não pode ser aprovada durante a Intervenção (guarde a palavra “aprovada”). Diante desta vedação, vários estudiosos afirmaram que a Reforma estaria superada e que o Governo estaria “jogando a toalha”. Contudo, este autor prega cautela, pois este governo (sim, em letras minúsculas) já deu provas de que é capaz de tudo para ver seus interesses satisfeitos.
Vejamos o cenário que se apresenta: o governo federal tem 83% de rejeição e o índice de criminalidade no Rio, em que pese ser muito alto, é apenas metade do que se vê em outros estados como Sergipe ou Rio Grande do Norte, por exemplo. No Rio Grande do Norte, há pouco tempo atrás, vimos a desordem tomar conta e o governo federal pouco ou nada fez.
Vamos aos fatos: Rio Grande do Norte e Sergipe – em que pese serem ótimos estados, cheios de cidadãos de bem, que pagam os mesmos tributos que eu e você, e que votam como eu e você – não dão Ibope, mas o Rio de Janeiro sim. Há holofotes para as ações praticadas no Rio, por uma série de fatores que não vêm ao caso. Fato é que a Intervenção Federal no Rio pode soar como “uma decisão acertada do governo”, sugerindo que reformar da Previdência também o seria, e que a população deveria apoiá-la.
Não digo que a intervenção não deveria ocorrer, mas digo que há situações tão importantes e necessárias quanto esta que deveriam ter sido enfrentadas muito antes por um governo que busca, de todas as formas, se manter no poder e vender uma imagem de que está fazendo o certo, da forma certa.
Pois bem. Feitas estas ponderações, voltemos ao art. 60, §1º da Constituição e à palavra “aprovada”. Observe que vedar a Emenda à Constituição não é vedar a discussão da proposta de emenda. Ou seja, o Congresso Nacional pode sim colocar o assunto em pauta e discuti-lo durante o período da Intervenção Federal. O que não se pode é concluir o processo legislativo da Emenda.
Vou além. Pode ser que, de fato, a Reforma saia da pauta desta semana na Câmara e que, como havia se ventilado anteriormente, seja colocada em discussão em Novembro. Enxergo esta possibilidade como real e prego que devemos ficar ainda mais atentos, pois com a passagem das eleições, o cenário político estará menos conturbado, sem o incômodo grito popular que diz que “quem votar não vai voltar”.
Feitas estas considerações, digo que a Intervenção Federal pode soar como uma cortina de fumaça sobre uma das maiores bandeiras do governo federal: a Reforma da Previdência. Não podemos cessar a luta em favor da Previdência e da manutenção dos direitos sociais. A Reforma da Previdência deve ainda ser combatida e a população precisa estar atenta para o quão lesiva ela se apresenta.
[1] Advogado especialista em Direito Previdenciário, sócio da Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados, com atuação nas cidades de Barbacena, Barroso, São João del Rei e Carandaí. Advogado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção e do Mobiliário de Barroso/MG, Procurador da APAE de Barbacena/MG, Procurador do Instituto Bom Pastor. Professor de Direito Previdenciário na Universidade Presidente Antônio Carlos – Barbacena/MG e em cursos preparatórios para concursos. Cimino & Siqueira Sociedade de Advogados – Rua Freire de Andrade, nº 15, Lj 04, Centro, Barbacena/MG. (32) 3362-9787, 9.8818-0246 e 9.9947-4847.
O Sistema Policial, Penal e Carcerário Brasileiro e a visão da Sociedade
Fernanda Carvalho Campos e Macedo[1]
Ab initio
Tentamos trazer nesse texto uma visão sociológica do Direito dos infratores no atual sistema policial, penal e carcerário Brasileiros sob a luz dos Direitos Humanos e da visão deturpada de parte da sociedade sobre Direitos Humanos e seus destinatários.
Partimos da premissa de que há de se respeitar os Direitos Humanos para todo e qualquer destinatário, defendendo-se o direito a um meio ambiente penal e carcerário equilibrado, essencial para a salvaguarda da Dignidade da Pessoa Humana e a possibilidade de reinserção do infrator na sociedade.
DAS RAZÕES DE DIREITO E A NOSSA VISÃO SOBRE O TEMA:
Nem sempre os Direitos feitos pelos homens para os homens foram resultado de processo legislativo formal. Muitas conquistas foram alcançadas através de guerras, com conquistas de territórios e promessas de legislações mais garantistas pelos conquistadores.
Em tempos remotos, a humanidade não estava muito preocupada com a definição de regras que pudessem protegê-la como “seres humanos” em si, mas com a criação de uma disciplina coletiva capaz de assegurar-lhes organização a partir de sistemas hierarquizados de poder.
A partir do momento em que os seres humanos se reconhecem como tal, principalmente no diz respeito à capacidade de agir de forma racional, dialogar, sentir, fazer e transformar – podemos dizer que teve inicio as lutas por seus direitos em diferentes frentes e contextos.
Apesar do homem ter se reconhecido como “ser de direitos relativos a sua natureza e sua essência humana” é notório que a sociedade ainda tem muito que caminhar e conscientizar quem ainda não se incluiu ou não se percebeu enquanto ser humano na escala de direitos existências.
A tortura, a violência física e psicológica, a submissão do ser humano a condições degradantes são exemplos mais drásticos de que é preciso avançar na educação e aculturamento de massas manobradas por um sistema excludente e apresentador de soluções rápidas para questões sociais tão difíceis, advindas de contextos antropológicos, históricos e culturais.
Os direitos humanos buscaram “aperfeiçoar a própria humanidade”. Nesse passo, não se trata apenas de um movimento social que almeja criação de novas garantias, mas a proteção de direitos naturais ligados à própria existência humana.
Diante do saber coletivo de que os Direitos Humanos foram formalizados em normas jurídicas e de que é preciso cumprir tais normas a luz da legislação pátria e internacional incorporada ao ordenamento, a constatação de que seres humanos são submetidos a violências físicas e psicológicas por autoridades constituídas, a ambientes e degradantes das mínimas condições de dignidade humana, requer mais pesquisa e mais problematização a fim de que tais linhas de estudo alcancem os responsáveis pela materialização do direito.
Não seria demais lembrar que a violação aos direitos humanos é um problema do Estado Brasileiro enquanto nação e enquanto Administração Pública. À nação se cobra o cumprimento dos pactos internacionais que foram celebrados para garantia da proteção àqueles direitos e à Administração Pública o cumprimento das Leis com a interpretação garantista da Constituição Federal de 1988.
O que se pretende, aqui, é chamar a atenção do leitor para um tema que é de difícil compreensão por grande parte da sociedade. Em cenário de antagonismo político e de dualidade de posições, ser a favor da proteção aos Direitos Humanos é “ser defensor de bandido” e ser contra os direitos Humanos é ser “defensor da moral e dos bons costumes”.
Somos a favor da tese em que a punição de infratores pode ser feita de forma rígida e eficaz sem que lhe sejam usurpados os Direitos Humanos. Defenderemos a aplicação rigorosa de penas; a atuação firme das polícias; a mão firme do Estado contra o crime; a proporcionalidade na repressão policial em Estado de Guerra urbana; a salubridade física e psicológica do sistema carcerário para fins de ressocialização do indivíduo e da Responsabilização do Estado na comissão ou omissão relacionadas a salvaguarda dos Direitos Humanos.
Nossa Constituição Federal de 1988 diz em seu art. 5º, III:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;” ( grifamos)
A Lei 7210/84, Lei de Execução Penal diz nos artigos abaixo relacionados:
“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III -jurídica;IV – educacional;V – social; VI – religiosa.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.
Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.
§ 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)”
Ocorre que, conforme amplamente noticiado, os estabelecimentos prisionais estão, em sua maioria, superlotados, de modo que não tem sido garantida a segurança pessoal dos que lá vivem, além de frequente surgimento de problemas de saúde, brigas e mortes dentro desses locais. Dirão: “mas o preso tem mesmo que sofrer, lá não é colônia de férias”.
Tal visão nos parece extramente “ignorante” do ponto de vista científico das matérias: criminologia; sociologia; Direito Constitucional; Antropologia e História. É evidente que a “dignidade da pessoa humana” não pode ser relativizada. As penas existem para punir os infratores e, nelas, já existe a carga de cerceamento de direitos e liberdades entre as quais não se incluem o “tratamento desumano”.
Aqueles que defendem a “degradação do ser humano” que pratica ilícitos penais não tem a menor ideia de que a evolução da sociedade com o consenso sobre o respeito a garantias mínimas e universais de todo ser humano é que lhes garante a coexistência pacífica.
Ao Estado incumbe o dever constitucional e legal de preservar a integridade física, moral e psíquica dos condenados, apesar do seu direito de punir( ius puniendi) a quem infringe as normas impostas.
Ocorre que as prisões brasileiras, cronicamente, submetem os presos a condições sub-humanas, como se fossem verdadeiros “depósitos de gente” com superlotação, estrutura ambiental insalubre, ausência de serviços de saúde entre outros.
O tempo passa e o homem continua sendo “o lobo do próprio homem”. Já tinha dito Jesus há muito tempo: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra”.
A sociedade moderna que deveria cobrar, sim, mais segurança e menos violência, deveria também entender que a diminuição daqueles índices passa pela maior participação do Estado na manutenção das “ famílias”; do fomento à educação e profissionalização; do investimento em prevenção da violência; da oferta de direitos iguais para todos. O Estado é, sim, co-culpado pela situação da violência no Brasil e pelo estado de “selvageria” em que estamos. Muitos são os infratores que são segregados por cometerem crimes bárbaros, os quais geram repulsa coletiva. No entanto, muitos e talvez a maioria são vítimas da própria omissão estatal.
Quando se instalou, no Rio de Janeiro, o programa de UPP’s ( Unidades de Policia Pacificadoras), era certo que tal ingerência do Estado nas comunidades deveria vir acompanhada de um projeto de inclusão social e de prevenção na formação de novos infratores.
Ora, se um infante de 12 anos de idade estivesse sendo assediado pelo tráfico de drogas, sua mãe estivesse desempregada e doente e aquele menor fosse órfão de pai (traficante morto em confronto com a polícia), que destino ele teria senão se submeter ao assédio dos criminosos? Tivesse o Estado instalado um projeto como o SENAI naquela comunidade e ofertado cursos profissionalizantes já com perspectiva de emprego para aqueles menores órfãos do tráfico, poder-se-ia dizer que tiveram uma oportunidade de escolha? Se justificaria mais o Ius puniendi depois de tal tentativa?
Como um pai que diz: “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço” tem sido o Estado. Enquanto se noticia que os políticos investem alto em “ corrupção” e usurpam os recursos que eram destinados para inclusão social, discutem uma legislação penal mais abrangente e não tem na sua pauta a questão do sistema carcerário.
E a retórica daqueles políticos cada vez mais persuadem a sociedade: “ lugar de bandido é na cadeia ou na vala” e “presídio é lugar para o bandido sofrer”. Dizem isso, pois é fácil, depois de um grande histórico de alienação de grandes massas, incentivar a “guerra de todos contra todos” para passarem ilesos os seus próprios crimes contra a humanidade. Resolvem os seus problemas, legislam para quem paga mais e induzem as suas vitimas a digladiarem-se entre si para que estejam bem ocupados e não os incomodem.
Os Agentes da Polícia, também vítimas desse sistema, são atacados por todos os lados. Sobrevivem com baixos salários para colocar suas vidas em risco em prol da segurança pública. Doentes psicologicamente, fragilizados e acuados, revidam as injustas agressões com “injustas agressões”. Às vezes revidam o ataque de forma “proporcional” e, em outros casos, de maneira “ desproporcional”. E quem é o culpado dos desvios? “Quem apertou o gatilho”, de fato?
Parte da Sociedade pede uma Polícia mais criminosa: “bandido bom é bandido morto”. Outra parte acusa a Polícia de praticar excessos e imputam a responsabilidade, exclusivamente, ao Policial.
Do lado oposto, o infrator chama o policial de “verme” e coloca o seu extermínio como uma das suas pautas principais. O criminoso acha que o Policial é o seu principal inimigo, mas não consegue discernir que aquele ser humano que o combate é a personificação do Estado que, além de se omitir na sua função social de inclusão, ainda o reprime para dar uma resposta a parte da sociedade.
Enfim, como no filme “Tropa de Elite 2”, acreditamos que o problema da violência e da “ guerra de todos contra todos” tem um culpado principal: os nossos representantes da Classe Política.
Hoje, o sistema de freios e contrapesos tenta se impor com uma ação do Estado- Juiz sobre o Estado-Legislador e Administrador, nas pessoas dos seus membros. No entanto, ainda há muito a se fazer e a se conscientizar. O Sistema já vem, há tempos aparelhando, o Poder Judiciário com o sistema de “nomeação de membros” nas altas Cortes do país.
Quando a ação de um grupo de Procuradores da República e alguns juízes de primeiro grau passa a ser a grande esperança do povo (Operação Lava Jato), nossa preocupação passa ser a outorga de “super poderes” para um só corpo do Estado que, formalmente, não representa a vontade do povo, que seria o titular do” poder”.
Doutro lado, quando se constatam decisões das Cortes Supremas atuando como extensões da vontade dos demais poderes e seus representantes, a esperança daquele povo se esvazia.
Quando o “arbítrio” em decisões de primeiro grau se tornam a referência de boas práticas, conseguimos compará-las à súplica da sociedade à polícia: “ matem os bandidos, pois bandido bom é bandido morto”.
Terminamos parafraseando o Personagem do Filme Tropa de Elite 2, Capitão Nascimento: “O Sistema é F…, parceiro. Entra político, sai político, continua tudo na mesma, nada muda. Ainda vai levar muito tempo para consertar essa p…., e muita gente inocente vai morrer no meio do caminho”. Basta saber que é o inocente e quem é o culpado nessa história.
[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista
O conceito de pessoa, especialmente naquilo que tem relação com o começo e o fim da vida, sempre teve importante relevância no campo do direito.
Se, de fato, o direito é construído por pessoas e para as pessoas, a formação de um senso comum sobre quando começa a vida e quando ela termina tem importância não apenas no campo da metafísica, mas abstratamente no conceito filosófico do que é “vida” e o que é “viver e morrer com dignidade”.
O direito, nesse contexto, deve ser visto, como uma ferramenta feita pelo homem e para o homem e, desta forma, deve assegurar àquele o status jurídico compatível a sua existência humana. Tal primado advém da sua própria consideração de pessoa: ser digno de proteção e respeito.
Apesar deste reconhecimento de que o homem é pessoa de direitos, a história comprova que nem sempre foi assim. A escravidão foi a maior prova de que o homem nem sempre foi tratado como pessoa. Naquele período, de forma expressa e sem pudores, havia a legitimação da “coisificação do homem” (homem como coisa e não como pessoa) enquanto ser passível ser comercializado, explorado e destruído por outros homens.
Com o avanço do capitalismo exacerbado, minimização do Estado e programas de alienação de grandes massas, alguns projetos de Poder, infelizmente, retomam a ideia de que o homem pode ser tratado como “ coisa”, só que desta vez de uma maneira disfarçada. Eis aí as ideias propostas nas Reformas da Previdência e trabalhistas apresentadas pelos partidos que pretendem se consolidar e aparecer como salvadores do Brasil. São eles PSDB e PMDB (com apoio de outros partidos que vendem seus votos a preço de ouro).
A constatação do aumento da longevidade, por exemplo, está em plena discussão no Brasil no contexto de reformas trabalhistas e previdenciárias. Desapegados da interdisciplinaridade e das múltiplas faces que envolvem as relações socioculturais no país, os economistas trazem fórmulas prontas para uma matemática que não se comunica com as ciências sociais e humanas.
O número de idosos brasileiros (com 60 anos ou mais) aumentou bastante na última década e tal variação em muito se deve a cultura de melhores cuidados com a saúde física na terceira idade, bem como os avanços tecnológicos da medicina.
Ao contrário do que afirmam os “reformistas”, caso tivéssemos uma proteção social mais abrangente através da correta utilização de recursos (diminuição dos índices de corrupção) a longevidade verificada poderia ainda melhorar e tal reflexo, de certa forma, colaboraria para economia do país, já que os salários percebidos na” aposentadoria” são gastos no próprio mercado.
É cediço que boa parte dos idosos, no Brasil, acaba tendo que retornar ao mercado de trabalho para subsistir com dignidade e foi, justamente, a constatação desse fato que faz os governantes pensarem: “ já que eles conseguem trabalhar, por que estão aposentados”?
Se estamos em um “Estado de bem estar social” é evidente que a constatação de que idosos retornaram ao mercado de trabalho deveria cobrar medidas para que estes não retornassem ( talvez com a manutenção do poder de compra e com uma aposentadoria digna; ou com a redução da carga tributária para que os produtos de primeira ordem pudessem ser adquiridos por aqueles) , gerando vagas para os mais novos que pretendem ingressar no mercado.
O Cálculo atuarial que embasa os sistemas de seguro, a nosso sentir, deveria estar adstrito à média de “sinistros” e o valor de contribuição e tempo necessários para custear a proteção. Se alguém começou a trabalhar muito cedo, mas contribuiu em tempo e na quantia necessária para conquistar a aposentadoria, a idade mínima não deveria ser cobrada, já que os cálculos médios ostentam situações diversas em atenção ao primado da “ solidariedade” do sistema. Ad exemplum: uns contribuem durante toda a vida e não usufruem da aposentadoria e nem deixam pensão por que morrem e não têm dependentes; b) Uns contribuem durante toda a carência necessária para a aposentadoria e, após se aposentar, continuam trabalhando e contribuindo sem qualquer contraprestação (Impossibilidade de desaposentação).
Muitas questões relacionadas à Gestão e governança do sistema previdenciário poderiam gerar uma reforma justa, de modo que, por exemplo: a) beneficiários de auxílio-doença também contribuíssem para o sistema no período de afastamento; b) investimento em fiscalização das contribuições previdenciárias dos empregadores e segurados (milhões são sonegados anualmente); c) investimento na fiscalização de fraudes na concessão de benefícios; entre outros.
Uma auditoria completa na Previdência Social, certamente, daria uma série de soluções para a gestão do sistema sem que fossem necessários retrocessos sociais e, pelo contrário, poderia gerar superávit para a ampliação da proteção social.
A Reforma Trabalhista também soa como um atentado aos direitos Sociais duramente conquistados ao longo de décadas. Basta ler o preâmbulo da Carta Magna de 1988 que se entenderá que os direitos sociais conquistados não podem retroagir e, pelo contrário, devem ser ampliados:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” ( grifamos)
Na prática o projeto de lei da Reforma trabalhista, se implementado, provocará uma drástica redução de direitos e no desmantelamento do sistema de relações de trabalho em vigor desde o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho.
Na visão dos defensores da reforma, as mudanças são necessárias em função da evolução nas relações de trabalho ao longo do tempo. Ocorre que tais mudanças, a nosso sentir, reclamam maiores cuidados com a proteção do trabalhador e não ao contrário, já que no nosso histórico de colônia de exploração, nunca existiu, culturalmente, um “equilíbrio” nas relações entre empregador e empregado.
Como definir que o negociado pode prevalecer sobre o legislado se é notório tal desequilíbrio; e se existem altos índices de condenações na Justiça do Trabalho por abusos por parte de empregadores?
Num cenário ideal, seriam poucas as condenações na Justiça do Trabalho de empregadores, pois estes teriam consciência social e adimpliriam devidamente com os direitos dos trabalhadores. No entanto, os números na Justiça laboral refletem justamente o contrário o que reclama os “olhos atentos” do Estado-Juiz e não ao revés como quer o governo.
Ora, como será uma frágil vítima desse cenário o trabalhador desempregado, com filhos precisando de alimentação e dizer para ele: “ tenho um negócio para lhe propor. Você trabalha para mim sem os direitos que a lei te dava e eu te pago abaixo do razoável, mas te dou um emprego. Fique certo que nosso negócio, apesar de desigual, não pode ser contestado na justiça, já que o negociado prevalecerá sobre o legislado.”
O Projeto do Governo de Michel Temer (parceria PSDB/PMDB) institui um marco regulatório “altamente favorável aos interesses das empresas”, que são os grandes financiadores de campanha e corruptores de políticos (senão vejam-se os fatos denunciados na operação lava-jato) .
Os principais fundamentos da reforma são: extinção do princípio de proteção ao trabalhador perante o empregador; redução do poder de negociação e de contratação coletiva dos sindicatos; outorga para usurpação de direitos previstos em lei; ampliação da possibilidade de contratos atípicos e desiguais e de trabalho autônomo; restrição à atuação do Poder Judiciário e também do acesso dos trabalhadores à Justiça.
Enfim, todas as evoluções que alcançamos para maior proteção do ser humano estão indo de água abaixo e o “povo”, infelizmente, alienado, sorri com o “ pão e circo” oferecidos pelo governo em associação com a mídia ( pertencente ao grupo empresarial que financia tais projetos).
Nossa função, enquanto cidadãos que tiveram acesso ao conhecimento e a história é, incansavelmente, “informar” e multiplicar as informações verdadeiras para a população. Seremos chamados de “subversivos”, já que a “ ditadura” disfarçada de democracia está instalada, mas dormiremos tranquilos em nossos travesseiros.
[1] Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/ abril 2017); Coordenadora Regional do IEPREV em Juiz de Fora MG; Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-MG; Membro da Comissão de Direito Sindical da OAB-MG; Vice Presidente da Comissão de Direito Social da OAB- Juiz de Fora ( 2016/2017) ; Presidente do IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Especialista em Direito Previdenciário pelo ; Pós Graduada em Regime Geral de Previdência pelo IEPREV; Professora Convidada da PUC-MG de Direito Previdenciário nos Cursos de Pós Graduação em Direito Público e Direito do Trabalho ( 2016) Palestrante e Conferencista.
Muitos operadores de direito ainda tem certa desconfiança da atividade uniformizadora da jurisprudência, sob a suspeita de que, em alguns casos, aqueles julgadores acabam legislando atipicamente, usurpando a competência do Poder legislativo.
Tal crítica não deixou passar a interpretação do art. 39, I, da Lei 8213/91.
Alega-se que o legislador foi claríssimo ao exigir a comprovação da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo e que qualquer interpretação ao contrário disso distorceria, inclusive, o aspecto semântico ditado pelo legislador ordinário.
Vejamos, então, o que diz o artigo citado, com o grifo nas partes que interessam ao presente texto argumentativo:
“Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou “ ( grifamos)
Data vênia aos que pensam ao contrário, mas, salvo melhor juízo, a interpretação dada pelos Tribunais Superiores e Turmas de Uniformização não se deram na forma de legislação atípica, criando-se norma não ditada pelo legislador ordinário. A visão dos intérpretes foi sistemática e não restritiva.
A interpretação teleológica do termo exposto no referido texto legal (período imediatamente anterior ao requerimento do benefício) remete a ideia de que o legislador quis que a pessoa comprovasse, já por ocasião do requerimento administrativo -ou seja- com documentos que se referissem a período anterior ao requerimento administrativo- o trabalho rural nos 15 anos (180 meses) anteriores a data em que fez o referido pedido.
É que, em alguns casos, no decorrer do processo administrativo previdenciário, o segurado leva documentos probatórios para acabar de instruir o feito, referentes a período posterior a data de requerimento administrativo. Foi isso que o legislador quis dizer que não podia.
Tal conclusão se dá pelo fato de que, caso o legislador ordinário tivesse “desigualado” as condições restritivas do acesso a aposentadoria por idade urbana da aposentadoria por idade rural, sem um fator discrimem razoável para desigualação, teria incorrido em evidente vício de inconstitucionalidade por ofensa ao Art. 201, §1º, da CF, in verbis:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(…)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. “(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Como se pode observar do dispositivo constitucional acima mencionado, o Legislador Constituinte derivado só excetuou duas hipóteses para adoção de critérios diferenciados na concessão de aposentadoria, quais sejam: a) condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física; b) Quando se tratar de segurados portadores de deficiência.
Observe-se, portanto, que a exigência genérica que abarca tanto a aposentadoria por idade urbana quanto a aposentadoria por idade rural é a idade mínima e a carência contributiva, conforme a tabela do art. 48, caput, da Lei 8213/91, in verbis:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.”( grifamos)
Em relação a aposentadoria por idade urbana, o legislador ordinário não fez qualquer exigência probatória para que os 180 meses de carência fossem comprovados através do adimplemento das contribuições ( prova) em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. E qual seria o fator discrimem razoável para se exigir do trabalhador rural (que tem muito menos condições de produzir as provas) comprovação mais onerosa do que a do trabalhador urbano?
Foi justamente por esse motivo, que o intérprete, com a visão sistemática do art. 39, I, da Lei 8213/90 com a LICC(Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum) e com a Constituição Federal (art. 201,§1º da CF) alcunhou um termo chamado “ampliação da eficácia prospectiva e retrospectiva do início de prova material a partir de firme prova testemunhal”.
Tal tese interpretativa permite que o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo arguido as testemunhas e verificado que todas foram firmes (não contraditórias) nas suas respostas; ouvindo o depoimento pessoal do autor da ação; observando condições relacionadas às vestes, ao linguajar, à pele (muitas vezes maltratadas pelo sol), às mãos ( em muitos casos calejada, com calos novos e antigos) amplie a eficácia temporal prospectiva ( período para frente) ou retrospectiva (período para trás) do documento início de prova material.
Tanto a TNU quanto o STJ já paficicaram tal tese, na ótica de que o art. 39, I, da Lei 8213/91 deve ser interpretado no seguinte sentido: “período imediatamente anterior” não tem significado restritivo ou tarifário na produção e valoração da prova.
O Juiz deve ser livre para decidir conforme as provas trazidas pelas partes, sendo certo que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Codex processual, mas que sejam hábeis para provar e convencer sobre a verdade dos fatos em que se funda a ação.
Nesse sentido, tendo o trabalhador rural trazido documentos como início (ou indício) de prova material que se refiram a uma data que esteja longe daquela referente ao requerimento administrativo, a circunstancialidade observada por ocasião da audiência de instrução e o firme depoimento das testemunhas compromissadas hão de ampliar a sua eficácia temporal para provar o labor campesino durante o período de carência exigido pela lei.
Foi justamente nesse sentido, que o STJ, intérprete maior da lei federal, no rito dos recursos repetitivos pacificou o assunto:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Na mesma linha, a Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudências dos JEF’s- TNU, também pacificou a matéria:
“VOTO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. AVERBAÇÃO. SEGURADOESPECIAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL PELAPROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 14/TNU. INCIDENTE PARCIALMENTEPROVIDO. 1. Pretende o autor a modificação de acórdão que não reconheceu o seu direito à averbação do tempo de serviço rural supostamente exercido no período de 28/01/61 a 14/01/66 e 18/11/66 a 24/05/77 (com exceção do ano de 1968, que foi reconhecido na sentença), ao argumento de que o início de prova material não precisa corresponder a todo o período de carência, desde que corroborado por adequada prova testemunhal. Adentro o mérito recursal,já que presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso manejado,assinalando que a decisão do em. Presidente desta Turma Nacional admitiu apenas em parte o presente incidente, deixando de dele conhecer em relação ao alegado cerceamento de defesa. 2. Esta Turma Nacional já pacificou o entendimento, cristalizado no enunciado da Súmula nº 14, de que para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”, atribuindo-se à prova testemunhal a aptidão de estender a eficácia probatória desse início de prova material, seja de forma prospectiva, seja retrospectiva. 3. Por conseguinte, o documento datado de 1968, qual seja, ficha da Cooperativa Tritícola Santiaguense, relativo à comercialização de produtos agrícolas pelo autor, que foi considerado idôneo como início de prova material, pode ter a sua eficácia probatória estendida por adequada prova testemunhal,tanto para o período anterior quanto para o posterior àquele ano. 4. Confirmação de entendimento desta TNU veiculado no acórdão prolatado nos autos do Pedilef 2005.81.10.001065-3, de minha relatoria, ao qual se imprimiu a sistemática prevista no art. 7º do Regimento Interno, que determina a devolução às Turmas de origem dos feitos congêneres, para manutenção ou adaptação dos julgados conforme a orientação pacificada.5. Não tendo sido ainda colhida a indispensável prova testemunhal (o juízo de procedência do período deferido na sentença se baseou, exclusivamente, nos depoimentos realizados em justificação administrativa, perante o INSS), determino a anulação da sentença e o retorno dos autos ao Juizado de origem, para reabertura da instrução processual, para fins de realização da prova testemunhal e exame da sua adequação para ampliação da eficácia probatória do início de prova material. Este o limite à nova decisão a ser prolatada pelo condutor do processo, uma vez que a idoneidade do início de prova material e a possibilidade de seu aproveitamento para os períodos questionados está sendo reconhecida por esta Turma Nacional, não podendo,portanto, ser objeto de nova deliberação.6. Ressalto que relativamente ao período anterior a 14/01/66, deverá ser objeto de exame apenas o período entre 28/01/61 a 31/12/62, já que o julgado recorrido reconheceu como descaracterizado o trabalho rural entre1963 e 14/01/66, uma vez que, nessa época, o autor “já estudava na cidade e voltava apenas aos finais de semana”, segundo depoimento de uma das testemunhas ouvidas. Como não houve específica impugnação do julgado,nesse particular, aqui ele se mantém hígido.7. Incidente parcialmente provido. “ ( grifamos)
(TNU – PEDILEF: 137684620074047195 RS, Relator: JUIZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES, Data de Julgamento: 29/02/2012, Data de Publicação: DOU 23/03/2012)
Além da TNU e do STJ, o TRF1 também já adotou a tese bem recentemente, senão vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. LIMITAÇÃO DO PERÍODO AVERBADO. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO INSS. (…) 5. O início de prova material consiste em cópia do certificado de alistamento militar em 1968, que informa a profissão de lavrador (f. 19), e declaração de exercício de atividade rural emitida em 2010 pelo sindicato de Maria da Fé – MG (f. 39/41). 6. As testemunhas Sebastião de Lélis Corrêa e João Mira, ouvidas em audiência dia 11/04/2012 (f. 117/119), afirmaram conhecer o autor desde criança e que ele trabalhava com seu pai na roça, plantando arroz, feijão e milho, desde os 10 anos de idade. Informam que o autor se mudou para Itajubá – MG em 1969, passando a trabalhar com o irmão na cidade. 7. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, nas causas de trabalhadores rurais, tem adotado critérios interpretativos favorecedores de uma jurisdição socialmente justa, admitindo mais amplamente documentação comprobatória da atividade desenvolvida. As certidões de nascimento, casamento e óbito, bem como certidão da Justiça Eleitoral, carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e contratos de parceria agrícola são aceitos como início da prova material, nos casos em que a profissão rural estiver expressamente consignada. Admite a condição profissional de trabalhador rural de um dos cônjuges, constante de assentamento em Registro Civil, seja extensível ao outro, com vistas à comprovação de atividade rurícola.Orienta ainda no sentido de que, para a concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos(AR 4.094/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).(EREsp 1171565/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/03/2015) (…) 11. Mantida a sentença que reconheceu o direito do autor à aposentadoria proporcional por tempo de contribuição, a partir do requerimento apresentado em 13/09/2010 (f. 64), porém agora com 33 anos e 16 dias, mediante o cômputo do trabalho rural acima especificado, já excluídos os quatro meses de trabalho no ano de 1970 que deixaram de ser reconhecidos. 12. Parcial provimento da apelação do INSS para limitar a averbação do tempo rural do autor ao período de 22/08/1962 a 31/12/1969, mantendo a sentença em todos os demais termos. ( grifamos)
(AC 0056617-09.2013.4.01.9199 / MG, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE JUIZ DE FORA, e-DJF1 de 31/10/2017)
CONCLUSÃO
Um dos principais primados do Direito Constitucional e do Direito processual é a “segurança jurídica”. A força dos precedentes, principalmente, aqueles oriundos da uniformização da jurisprudência são grandes exemplos da materialização daquele instituto.
Um bom caminho para redução da litigiosidade passa pela necessária reflexão de juízes de primeiro; juízes de turmas recursais dos JEF’s e de Juízes dos Tribunais Regionais Federais sobre a “ segurança jurídica” advinda dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores e pelas Turmas de Uniformização da Jurisprudência.
O advogado, quando colaborador da justiça, deve, nas ações previdenciárias, desde o começo, tentar formular sua inicial, cotejando os fatos e provas com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e TNU nas ações previdenciárias.
Instruindo bem o processo com as provas já definidas pela jurisprudência como hábeis a comprovação do exercício rural, trazendo objetivamente os fatos controvertidos a partir da criteriosa análise do processo administrativo previdenciário, o juiz deve , salvo melhor juízo, se afastar de convicções ideológicas próprias e aplicar a jurisprudência já pacificada.
Não defendemos aqui o total “ engessamento” do Direito. Fenômenos como “distinguish” e “ overruling” são bem vindos, em alguns casos, de tempos em tempos.
Tais institutos, entretanto, necessitam de boas argumentações para mudanças de paradigmas.
Não se pode mudar a jurisprudência firmada e pacificada a partir de meras conjecturas e suposições. É necessário que a “nova visão” a ser materializada nos julgamentos advenha de argumentos eloquentes e que convençam inclusive aqueles que tinham o pensamento anterior.
Diego Wellington Leonel, Advogado, Palestrante, Parecerista, Diretor do Instituto de Estudos Previdenciários-IEPREV, Assessor Jurídico de Institutos de Previdência de Servidores Públicos, Mestrando em Direito nas Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade Milton Campos, Especialista em Direito Previdenciário, Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul, Pós-Graduado em Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos pelo Instituto de Estudos Previdenciários IEPREV, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Estadual, Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Subseção Contagem, Conselheiro Científico do IPEDIS – Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais, Professor de Pós-Graduação em Direito Previdenciário.
O abono de permanência foi criado com a Emenda Constitucional 20/98 (arts. 3º, §1, e 8º, §5) como forma de incentivar o servidor que tivesse completado as exigências para aposentadoria a continuar no serviço público mediante isenção previdenciária.
O intuito era desestimular o intento dos servidores em se aposentar, contudo, a isenção da contribuição previdenciária restou infrutífera para sua finalidade, uma vez que culminou na redução da receita dos Regimes Próprios, comprometendo as finanças dos Institutos e, por conseguinte, dos Entes Federados.
Com as alterações promovidas pela EC 41/2003 o abono de permanência deixou de ser uma isenção da contribuição previdenciária e ficou caracterizado por ser equivalente ao valor da contribuição previdenciária do servidor. Consiste em uma gratificação concedida ao servidor que tendo alcançado os requisitos para se aposentar, opte por permanecer em atividade .
O direcionamento constitucional sobre a matéria está previsto nos artigos 2º, §5, 3º, §1 da EC 41/2003 e 40, §19 da Constituição Federal, vejamos:
Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente: I – tiver cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; II – tiver cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria; III – contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data de publicação daquela Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea a deste inciso§ 5º O servidor de que trata este artigo, que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no caput, e que opte por permanecer em atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.
Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente. § 1º O servidor de que trata este artigo que opte por permanecer em atividade tendo completado as exigências para aposentadoria voluntária e que conte com, no mínimo, vinte e cinco anos de contribuição, se mulher, ou trinta anos de contribuição, se homem, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal.
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
A norma constitucional acima citada traz dois requisitos genéricos para concessão do abono de permanência, quais sejam:
• Ter o servidor completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecida no §1, III, a; • Opção do servidor em permanecer em atividade.
Quanto ao primeiro requisito, nota-se que em regra, o preenchimento dos requisitos para aposentadoria por idade prevista no artigo 40, §1, III, b não garante ao servidor público o direito ao recebimento do abono de permanência. A Constituição Federal traz, em regra geral, ressalvadas as regras de transição, desde que haja o cumprimento das seguintes exigências: III – voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
Embora não esteja expresso a concessão do abono de permanência para aqueles que completaram as exigências para a inativação pela regra instituída pelo art. 3º da Emenda Constitucional 47/05, o Tribunal de Contas da União ratificou sua possibilidade no acórdão 1.482/2012. No mesmo sentido o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais através do recurso administrativo 896.447.
Assim, cumprido os requisitos para aposentadoria voluntária por tempo de contribuição, o servidor que optar em permanecer em atividade fará jus ao abono de permanência.
Entretanto, quanto ao termo inicial do abono de permanência existem correntes diversas sobre o tema.
NECESSIDADE DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO
Embora a legislação constitucional e infraconstitucional em análise, não exija requerimento administrativo para obtenção do abono de permanência, há uma celeuma sobre o tema.
A primeira corrente afirma que o abono de permanência não pode retroagir à data em que o servidor preencheu os requisitos da aposentadoria, devendo ser pago apenas a partir do seu requerimento à administração pública.
A segunda corrente por sua vez, entende que, preenchido os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência, como, por exemplo, prévio requerimento administrativo, motivo pelo qual o termo inicial do abono de permanência dá-se com o preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária independentemente do prévio requerimento.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema em mais de uma ocasião, ARE 825334 e recentemente no julgamento do RE 648.727, adotando a segunda corrente acima mencionada, conforme se infere da ementa abaixo transcrita:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. ABONO DE PERMANÊNCIA. EXIGÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concluiu que, uma vez preenchidos os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência 2. Agravo interno a que se nega provimento. (RE 648727 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-135 DIVULG 21-06-2017 PUBLIC 22-06-2017)
Nesse ínterim, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, por intermédio do informativo de jurisprudência nº 66, divulgou consulta análoga sobre o tema, conformes e depreende do entendimento do Pleno:
A segunda indagação diz respeito à possibilidade de concessão do abono de permanência definido no parágrafo 19 do art. 40 da Constituição da República aos policiais legislativos que façam jus à aposentadoria especial. Sobre o tema, o relator mencionou que o aludido abono foi incluído no texto constitucional por intermédio da EC 41/03. Aduziu tratar-se de gratificação concedida a servidor que, tendo preenchido todos os requisitos para se aposentar voluntariamente, opte por permanecer em atividade até completar a idade para a aposentadoria compulsória. Explicou que, na hipótese da aposentadoria especial, os requisitos a serem preenchidos para a aposentação voluntária serão aqueles estabelecidos na Lei Complementar que regulamenta os critérios de concessão. Assentou que, reunidos os requisitos para a concessão da aposentadoria voluntária especial, o servidor que opte por permanecer em atividade fará jus ao abono permanência. Nesses termos, concluiu que, uma vez implementados os requisitos necessários para a aposentação especial estabelecida na LC 84/05, o policial legislativo que permanecer em atividade terá direito à percepção do abono permanência, frisando que, conforme já explicitado no item antecedente, para fazer jus à aposentadoria especial e, consequentemente, ao abono permanência, a atividade desempenhada pelo agente deverá ser de natureza estritamente policial.
Embora no caso analisado pelo Tribunal de Contas tratar-se de abono de permanência na hipótese de aposentadoria especial, extraímos para a análise desse parecer uma informação importante, qual seja, o marco inicial do abono de permanência após reunidos os requisitos.
Observe-se que os dispositivos constitucionais de regência não exigem como requisito para implementação do direito ao abono de permanência, o requerimento do servidor. Assim, em razão da finalidade do abono de permanência e da ausência de exigência do requerimento como condição para fazer jus ao benefício, ainda que o pedido ocorra depois, entende-se que o servidor tem direito de receber os valores pecuniários correspondentes desde a data em que implementou as condições para a aposentadoria exigidos pelas normas constitucionais aplicáveis.
Desta forma o termo inicial para concessão do abono de permanência deverá ser a partir do preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária, desde que o servidor opte em permanecer em atividade.
OPÇÃO TÁCITA X EXPRESSA
Sobre o tema também existem controvérsias, a celeuma se resume ao questionamento sobre a necessidade da opção do servidor em permanecer em atividade ser expressa, ou poderia ser tácita.
Essa controvérsia nasce em razão do disposto na Orientação Normativa 02/2009, vejamos o que dispõe:
Art. 86 (…) § 4º O pagamento do abono de permanência é de responsabilidade do respectivo ente federativo e será devido a partir do cumprimento do s requisitos para obtenção do benefício conforme disposto no caput e § 1º, mediante opção expressa do servidor pela permanência em atividade
A permanência do servidor na atividade após o preenchimento dos requisitos para aposentadoria voluntária já é, contudo, suficiente para suprir o requisito de opção do servidor em permanecer em atividade, haja vista que ele continuou em atividade mesmo após cumprir os requisitos da aposentadoria voluntária.
Não seria razoável, tampouco eficiente, exigir do servidor como condição sine qua non a expressa manifestação por meio de formulários de sua opção em permanecer em atividade, haja vista a permanência de fato.
O direito ao recebimento do abono de permanência decorre de normas constitucionais de eficácia plena, ou seja, que possuem aplicabilidade direta, imediata, não dependendo de regulamentação por norma infraconstitucional, sendo necessário, tão-somente, que o servidor preenchia os requisitos impostos pela Constituição Federal.
Não obstante todas as considerações acima expendidas, a administração pública tem a discricionariedade de adotar outro entendimento, baseando-se no preceito contido na Orientação Normativa n. 02, de 31 de março de 2009, expedida pela Secretaria de Políticas de Previdência Social, cujo parágrafo quarto do art. 86 estabelece que, para o pagamento do abono de permanência, deve existir opção expressa do servidor pela permanência em atividade.
Trata-se de previsão que não tem sido acatada pelo Poder Judiciário, mas é importante ressaltar que muitos entes federados têm adotado esse entendimento (como também se verifica em relação ao posicionamento anteriormente exposto) por se tratar de norma expressa expedida pelo órgão da administração pública federal competente para estabelecer normas para todos os RPPS, inclusive no âmbito municipal.
É preciso, porém, vislumbrar, caso a administração pública adote essa regra de exigência da manifestação expressa do servidor para a percepção do abono, que poderão ser propostas ações judiciais em face do ente federado para questionar essa exigência.
CONCLUSÃO
Uma vez preenchidos os requisitos para o recebimento do abono de permanência, esse direito não pode estar condicionado a outra exigência, como, por exemplo, o prévio requerimento administrativo. Configurados os requisitos para obtenção ao abono de permanência anterior à aposentadoria, não obstante o servidor ter realizado o requerimento após a jubilação, direito assiste ao servidor público ao recebimento da verba pecuniária, respeitado as normas da prescrição e decadência.
Ressalte-se, porém, que a administração pública, caso entenda pertinente, poderá seguir o preceito da Orientação Normativa n. 2/MPS que exige a manifestação expressa do servidor para o recebimento do abono de permanência. Nesse sentido, deverá informar em seus sítios eletrônicos (e demais veículos institucionais de comunicação) todos os procedimentos, formulários e medidas a serem adotadas pelo servidor público, conferindo ampla publicidade a esse respeito. Essa última opção, ressalte-se, poderá gerar questionamentos por parte dos servidores públicos que se sintam lesados a buscar o Poder Judiciário.
Cidadãos Solidários – Campanha do Agasalho/Cobertor
No dia 17/052018, um grupo de servidores da Justiça Federal de Juiz de Fora se reuniu e criou um grupo no watssap chamado ” Cidadãos Solidários “. A ideia do grupo era congregar cidadãos que tivessem uma visão social inclusiva e solidária para fomentar projetos e ações de caridade em Juiz de Fora-MG.
As ideias foram se aperfeiçoando e aqueles servidores decidiram convidar amigos da Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Estadual e advogados de Juiz de Fora que se interessassem em ações de caridade para, somando forças, idealizassem ações concretas e diretas para os menos favorecidos da cidade.
Diante da rápida adesão dos colaboradores, a congregação de amigos que trabalham com o “Direito” se animaram em tentar obter “justiça social” de forma mais humanística, “metendo a mão diretamente na massa”.
O primeiro projeto dessa altruísta congregação de amigos, diante do frio da Cidade de Juiz de Fora e a quantidade de pessoas que moram nas ruas sem acesso a mínima proteção, foi a campanha do “Cobertor e do Agasalho.”
Um dos colaboradores que prefere não se identificar vai doar um “Violão” para realização de uma rifa que pretende arrecadar recursos para compra de cobertores de São Paulo a um custo menor.
Além da rifa, estarão disponíveis no prédio da Justiça do Trabalho, uma caixa para coleta de doações de cobertores e agasalhos que serão doados em dia e hora a ser combinado com o grupo dos “ Cidadãos Solidários.
Se você é um cidadão solidário e quiser contribuir com o nosso grupo, basta procurar um dos nossos postos de coleta e doar.
Se quiser, igualmente, participar de novos projetos do nosso grupo, basta mandar e-mail para: cidadaossolidarios@gmail.com com nome completo, profissão, contato telefônico e dizer porque se interessou pelo grupo e como pretende ajudar nos nossos projetos. Querendo, pode, também participar do ato de entrega das doações e receber fotos e informações sobre sobre o ato.
Para quem quiser participar e não puder deixar o e-mail, colocaremos, também, junto às caixas de doação, um pequeno formulário para que você preencha seus dados e, assim, possamos procura-lo para informar-lhe sobre os novos projetos.
Alan da Costa Macedo ( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça Federal) Alexandre Magnus Mello Martins ( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça do Trabalho) Olavo Antônio de Oliveira (( Representante dos Cidadãos Solidários na Justiça Militar)
O Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais- IPEDIS, por seus Conselheiros Científicos, está apresentando sugestões de Emendas ao texto da MP 871/2019. Os encaminhamentos serão feitos aos Deputados e Senadores que já demonstraram apoio às finalidades do Instituto.
O IPEDIS convidam a todos os operadores de Direito que são ligados ao Direito Previdenciário que colaborem enviando sugestões para o e-mail: ipedisbr@gmail.com
Abaixo, algumas das propostas já encaminhadas:
SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 22 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DA PENHORABILIDADE DE BENS OBTIDOS ATRAVÉS DE FRAUDES PREVIDENCIÁRIAS
Por: Alan da Costa Macedo
A MP 871/2019, através do seu art. 22, Inclui o inciso VIII, no artigo 3, da Lei 8009/1990 para dispor que:
“a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido “para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos.” (grifamos)
Houve ampliação do conteúdo normativo da Lei 8009/1990 que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Penso que esta questão deverá ser objeto de análise de Constitucionalidade pelo STF. Isso por que a redação do art. 22 da referida MP ignora o princípio da personalidade e individualização da pena.
O princípio da personalidade da pena disciplina a abrangente proibição de que a pena, abstratamente cominada, seja dirigida a terceiros. As penas restritivas de direitos, de perda de bens e a multa devem, tanto quanto à privação da liberdade, especial obediência ao princípio.
O referido primado está expressamente previsto no art. 5º, XLV, da CF, que assim normatiza seu valor:
“XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”
Nesse contexto, tal como os primados da legalidade e da Dignidade da Pessoa Humana, a personalização ou individualização da pena, representou uma grande conquista do Direito penal e Processual Penal a partir da análise sistemática das normas a luz da Constituição Federal. A propósito, sob a lupa das finalidades da pena – e mesmo por razões de dar o direito a quem o tem (melhor definição de justiça) –, não há qualquer lógica em se aplicar uma reprimenda a quem não concorreu para a prática do delito.
Apesar da importância do princípio como um “valor constitucional”, a aplicação do princípio pelas autoridades responsáveis pela persecução penal e pelo Judiciário muitas vezes é mal interpretado, gerando grande insegurança jurídica sobre o seu significado, alcance e aplicabilidade.
Nesse diapasão, o termo “inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos”constante na parte final do art. 22 da MP 781/2019 pode gerar grandes celeumas e insegurança jurídica para os intérpretes e operadores do Direito, seguindo-se, inclusive, de desnecessário controle repressivo de constitucionalidade ( caso o legislador modifique o texto do dispositivo mencionado).
Conforme os ensinamentos do Professor José Antonio Paganella Boschi, o princípio da personalização da pena, por ele nominado de princípio da intranscendência “é expressão da lenta evolução dos povos. Constou da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, foi reeditado na Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e tem, em nosso meio, base constitucional”.
Afirmar que alguém “sabia” ou “deveria saber” da ocorrência de uma prática delituosa é tão subjetivo que se pode permitir o “ arbítrio interpretativo” a condenar diversos inocentes.
Há de se ressaltar ao legislador sobre os riscos de normas em aberto para a segurança jurídica dos cidadãos como um todo. O Direito Penal e Processual penal já tem mecanismos suficientes para responsabilização dos envolvidos em crimes, classificando-os, conforme a concorrência delitiva em: autores, coautores e partícipes. Não é necessária nova norma com conteúdo de direito penal que possa gerar desvios interpretativos ao final.
Não se está aqui a discutir a justiça na penhorabilidade de bens de quem os obteve, de ma fé, a partir de conduta delituosa. O que se discute é a responsabilização de terceiros que não tendo o “domínio do fato”, ou ainda, o “ domínio de uma organização”, seriam responsabilizados, patrimonialmente, pela conduta delituosa.
Imagine-se o número de advogados que poderiam ser responsabilizados por fato alheio a sua esfera de conhecimento? Pense-se em uma situação hipotética em que um segurado, em conluio com um “atravessador”, forje um determinado documento para obtenção de um beneficio previdenciário. Em seguida, fazem o pedido administrativo e recebem a denegatória do pedido sob outro fundamento que não seja a falsidade documental. Com a resposta negativa do INSS, aquele segurado procura um advogado que, controvertendo em face dos fundamentos da decisão do INSS, propõe a ação judicial e obtém o resultado favorável: a concessão do beneficio. Em seguida, descobre-se que a decisão judicial foi indevida, diante da fraude documental. A questão é: seria fácil responsabilizar o advogado ou até mesmo o Juiz que concedeu a tutela como “terceiros que sabiam ou deveriam saber da origem ilícita dos recursos”? Sim. É factível e já se viu diversas situações análogas quando, esquecendo-se das prerrogativas e garantias profissionais, acusam-se os operadores do direito por fatos como este.
Pelo breve exposto, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 22 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:
“a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido “para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, depois do devido processo legal administrativo e, no caso de configuração de crime, após a conclusão sobre a culpa, no processo criminal com condenação em segunda instância.”
SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 24 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DA DEFESA EM CASO DE SUSPEITAS DE IRREGULARIDADES NA CONCESSÃO DO BENEFICIO
Por: Fernanda Carvalho Campos e Macedo
A MP 871/2019, através do seu art. 24, altera o art. 69, §1º, da Lei 8212/91, reduzindo de 30 para 10 dias o prazo para apresentação de defesa na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão do benefício. O art. 69, §1º, da Lei 8212/91 passa a vigorar desta forma:
“Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.
§ 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para, no prazo de dez dias, apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser.
Em que se pese a justificativa do Governo para tal alteração possa ser a de aumentar a eficiência no combate às fraudes e economizar recursos, a redução do prazo de defesa 30 dias para apenas dez dias pode ser interpretada como um ataque ao princípio do devido processo legal administrativo sob o prisma dos seus subprincípios: contraditório e ampla defesa.
É cediço que a maioria dos segurados é hipossuficiente e, em muitos casos, com dificuldades de locomoção; falta de acesso a serviços públicos de qualidade ( nesse caso, a Defensoria pública não está presente em todos os municípios e, nas capitais, suas filas estão sempre cheias) e falta de educação básica, acaba encontrando sérias barreiras para o exercício regular dos seus direitos.
Há de se lembrar dos princípios processuais específicos que regem a relação da Administração Pública Federal com o particular dispostos na Lei especial ( 9784/99) que trata do Processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (grifamos)
Nesse sentido, considerando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se deixando de ponderar a necessária “eficiência” da administração pública e observando-se que a Lei 9784/99 não dispõe especificamente sobre o prazo para defesa, seria muito mais justificável que aquele prazo fosse de 15 dias úteis, levando-se em consideração os paradigmas do novo Código de Processo Civil que o prevê para a contestação e para maioria dos recursos.
Sendo o NCPC uma lei de caráter geral e que irradia seus princípios e valores para as demais normas processuais de forma subsidiária, o Poder Legislativo, ao buscar nas suas orientações gerais os paradigmas para futuras alterações legislativas, estaria prezando pela segurança jurídica, sem se desconectar da constante busca por maior eficiência na administração pública.
Pelo breve exposto e sem maiores elucubrações, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 24 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:
“O art. 69, §1º, da Lei 8212/91 passa a vigorar desta forma:
“Art. 69. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS manterá programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados, a fim de apurar irregularidades ou erros materiais.
§ 1º Na hipótese de haver indícios de irregularidade ou erros materiais na concessão, na manutenção ou na revisão do benefício, o INSS notificará o beneficiário, o seu representante legal ou o seu procurador para, no prazo de quinze dias úteis, apresentar defesa, provas ou documentos dos quais dispuser.
SUGESTÃO DE ALTERAÇÃO DO ART. 25 DA MP 871/2019 ( NOVO PENTE FINO) QUANTO A QUESTÃO DA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL DO SEGURADO ESPECIAL
Por: Alan da Costa Macedo
A MP 871/2019, através do seu art. 25, altera o art. 38-B, §1º,§2º e §3º da Lei 8213/91, implementando, a nosso sentir, a “ tarifação de provas” e , regredindo da nova ótica processual implementada pelo Novo Código de Processo Civil. O texto da aludida alteração é o seguinte:
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial ocorrerá exclusivamente pelas informações constantes do cadastro a que se refere o art. 38-A.
§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2020, o segurado especial comprovará o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento.
§ 3º Na hipótese de haver divergência de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106.” (NR)
A priori, cumpre esclarecer que a doutrina costuma diferenciar três tipos de sistema de valoração de provas.
O primeiro é o que denota o texto do §1º do art. 38-B alterado pela MP 871/2019, ou seja, o sistema de prova legal ou tarifada, que é aquele que já tem uma pré-concepção sobre o valor que terá aquela prova; não deixando qualquer margem de interpretação/convencimento para o julgador .
O Segundo é o que vigorava na vigência do CPC/1973, que era o sistema de livre convencimento motivado ou persuasão racional. Tal sistema foi sendo desvirtuado com o passar do tempo, resultando em poderes quase absolutos para o julgador na valoração da prova, permitindo-se algumas situações de arbítrio diante da negativa de participação das partes no convencimento do julgador. Em alguns casos verificava-se certa discricionariedade do Julgador, com utilização de critérios pessoais e subjetivos na fundamentação do seu convencimento.
O terceiro, que é o que vigora desde a vigência do CPC/2015, que é o sistema do livre convencimento motivado cooperativo ou da persuasão racional cooperativa, no qual se reconhece certa liberdade do julgador para apreciar e valorar a prova, com a exposição das razões do seu convencimento, mas a partir de um amplo diálogo com as partes na fase instrutória. O julgador, nesse sistema, deve atuar com as partes, de forma colaborativa e cooparticipativa na construção de um processo justo, buscando sempre a máxima efetividade processual. Todos atuam para alcançar a “verdade real”.
O artigo 371 do NCPC estabelece que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento”.
É através da ampla possibilidade de provas que se permite, no processo (seja ele administrativo ou judicial), seja alcançada a verdade real dos fatos que foram trazidos à discussão. Não é razoável aceitar a ideia de que a verdade só pode ser alcançada a partir de uma única prova.
Para o processo administrativo ou judicial só deve interessar a descoberta da verdade real e é através da valoração de uma boa gama de possibilidades de provas que se pode alcançá-la; mesmo que tal verdade seja apenas aquela “processualmente viável” ( aquela baseada em grandes probabilidades). É justamente pela necessidade de se alcançar a verdade real que o NCPC previu, inclusive, a possibilidade de se distribuir o ônus da prova.
E não se alegue que o Código de Processo Civil é geral em relação à norma ora atacada, pois se a discussão for parar no conflito aparente de normas deve-se invocar, aqui, a especialidade da Lei 9784/99 que trata do processo administrativo federal. O Art. 38 e parágrafos daquela Lei preveem, expressamente, a ampla possibilidade de provas na formação do convencimento do julgador:
“Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo.
§ 1oOs elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.
§ 2o Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.” ( grifamos)
Nesse sentido, afirmar que alguém só vai conseguir comprovar que, de fato, foi segurado especial e que trabalhou naquelas condições ao longo dos anos apenas pelas informações materializadas no CNIS é afastar diversos princípios que erigiram o Estado Democrático de Direito.
Dizer que “apenas em casos de divergência de informações” (art. 38-B, §3º da Lei 8213/91 alterado pelo art. 25 da MP 871/2019) é que se recorrerão aos outros meios de prova é reafirmar a negativa à necessária busca pela “verdade real”, é restringir mais do que o Constituinte Originário restringiu. A ampla produção de provas é pressuposto essencial para garantia do devido processo legal e seus subprincípios do contraditório e ampla defesa. O Texto contido no art. 5º, LV, da CF não deixa dúvidas quanto a isso:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”( grifos nossos)
Há de se ressaltar ao legislador sobre os riscos de normas restritivas como esta para a segurança jurídica dos cidadãos como um todo.
Não se está aqui a discutir o fato de que todas informações dos segurados da previdência devam ser lançadas no CNIS. O que se precisa esclarecer é o fato de que a ampla possibilidade de provas deve ser garantida para que, a partir desta, tais informações sejam devidamente lançadas naquele Cadastro Nacional, seja pela via administrativa, seja pela via judicial.
Pelo breve exposto, sugere-se a mudança na redação do texto do art. 25 da MP 871/2019, para que passe a constar o seguinte:
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a comprovação da condição e do exercício da atividade rural do segurado especial deverá, a partir da ampla produção de provas, seja em sede administrativa ou judicial, ser lançada e concentrada no cadastro a que se refere o art. 38-A.
§ 2º Para o período anterior a 1º de janeiro de 2020, o segurado especial, além das demais provas lícitas admitidas no direito, poderá comprovar o tempo de exercício da atividade rural por meio de autodeclaração ratificada por entidades públicas credenciadas, nos termos do disposto no art. 13 da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, e por outros órgãos públicos, na forma prevista no Regulamento.
§ 3º Na hipótese de haver divergência de informações, para fins de reconhecimento de direito com vistas à concessão de benefício, o INSS poderá exigir a apresentação dos documentos referidos no art. 106, determinar diligências, requisitar informações de outros órgãos públicos e de empresas privadas, além de solicitar ao segurado outros documentos não constantes no rol do art. 106, que entenda necessários ao esclarecimento da verdade.” (NR)
Fernanda Carvalho Campos e Macedo- Presidente do IPEDIS; Advogada. Sócia Presidente do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de Advogados. Professora de Direito Previdenciário e Processo Previdenciário. Pós Graduada em Direito Público, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário. Presidente do IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais; Palestrante e Conferencista; Coautora do Livro: ” Ônus da Prova no Processo Previdenciário- Editora Juruá- 2018″.
O alcoolismo é uma patologia reconhecida pela OMS- Organização Mundial de Saúde. Trata-se de doença progressiva, incurável e fatal em alguns casos.
Infelizmente, boa parte da sociedade atual não trata o alcoolismo como doença e alguns estigmas são criados para os dependentes de álcool, gerando, além da notória exclusão social, uma maior dificuldade de inclusão em programas de tratamento e reabilitação.
A OMS conceitua alcoolismo como “conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após o uso repetido de álcool, tipicamente associado aos seguintes sintomas: forte desejo de beber, dificuldade de controlar o consumo (não conseguir parar de beber depois de ter começado), uso continuado apesar das consequências negativas, maior prioridade dada ao uso da substância em detrimento de outras atividades e obrigações, aumento da tolerância (necessidade de doses maiores de álcool para atingir o mesmo efeito obtido com doses anteriormente inferiores ou efeito cada vez menor com uma mesma dose da substância) e por vezes um estado de abstinência física (sintomas como sudorese, tremedeira e ansiedade quando a pessoa está sem o álcool).”
Para os operadores do Direito, mormente os advogados, é triste observar que, até mesmo no âmbito do Poder Judiciário, alguns juízes e Peritos Médicos, costumam tratar o problema de ordem patológica como algo relacionado a “preguiça” ou “falta de vergonha” e, em inúmeros casos, indeferem-se benefícios previdenciários e assistenciais sem qualquer fundamentação razoável, pautada em eventual “prejulgamento”.
Infelizmente, o preconceito advém, inclusive, da própria Legislação. Na relação de emprego, a embriaguez habitual é uma figura tipificada como “falta grave”, tal como descreve o art. 482, “f”, da CLT:
“Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(…)
f) embriaguez habitual ou em serviço;”
Por mais que o legislador tenha sido generalista nesse aspecto, a nosso sentir, cabe ao intérprete da lei observar o sistema legal/constitucional para extrair a interpretação de que, uma vez configurada a patologia, a solução é a inclusão em programa de tratamento e não a aplicação de punição.
Nesse sentido, o TST- Tribunal Superior do Trabalho, fez o bom papel de interprete da CLT conforme a Constituição e assim, didaticamente, decidiu:
“I – JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. REINTEGRAÇÃO
RAZÕES DE NÃO CONHECIMENTO
Quanto ao tema, consignou o v. acórdão regional:
Evidente, portanto, que se trata de um caso de “alcoolismo crônico“, conforme concluiu o Juízo sentenciante, nada havendo a reparar nesse aspecto.
(…)
A embriaguez habitual ou em serviço, prevista no art. 482, “f, da CLT, constitui questão deveras polêmica na doutrina e jurisprudência trabalhistas, devendo ser objeto de cuidadosa análise pelo operador do direito. Cresce, a cada dia, a tendência contemporânea de considerá-la como doença, de modo a exigir tratamento medicinal, e não aplicação de penalidade.
Assim, nada obstante a previsão legal da embriaguez como justa causa, não se podem desconsiderar os fins sociais da lei e às exigências do bem comum, assim como os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, previstos na Constituição da República, impondo-se, desse modo, necessária releitura do art. 482 “f” da CLT.
(…)
Em nenhuma oportunidade a reclamada encaminhou o autor à perícia do INSS, para avaliação do caso, tampouco provou a alegação de que o autor tenha recusado tal providência, não sendo impediente a esse procedimento o dispositivo invocado em recurso (art. 151 da Lei 8.213/1991 – fl. 694), que trata da concessão do auxílio-doença sem carência.
Importante consignar, nesse passo, que, sabidamente, o alcoolismo possui um forte estigma social, sendo natural que os usuários, em princípio, tendam a evitar esse estigma, inclusive se recusando, de imediato, ao tratamento oferecido. Embora essa circunstância possa atrasar ou dificultar a intervenção terapêutica, é imprescindível que a empregadora envide todos os esforços no sentido de “convencer” ou “conscientizar” o empregado sobre a necessidade do tratamento, cuidando para, sem negar sua condição de alcoólatra, preservar sua autoestima.
(…)
Cuidando-se de um problema de saúde há muito padecido pelo obreiro, a ré deveria ter adotado medidas disciplinares educativas, progressivamente, de orientação advertência e até mesmo de suspensão disciplinar, se necessária fosse, mas não a mais severa das penas, mormente no caso do obreiro que a própria ré tinha como bom funcionário.
(…)
A jurisprudência desta C. Corte firmou-se no sentido de que a OMS reconhece o alcoolismo crônico como doença no Código Internacional de Doenças (CID), fazendo-se necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento médico, de modo a reabilitá-lo, e não adotar como primeira punição ao trabalhador a dispensa por justa causa. (…)
A própria Constituição da República prima pela proteção à saúde, além de adotar como fundamento a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (arts. 6º e 1º, incisos III e IV). Repudia-se ato do empregador que adota a dispensa por justa causa como punição sumária ao trabalhador em caso de embriaguez, em que o autor é vítima de alcoolismo, aspecto fático expressamente consignado no acórdão regional.
Assim, mantém-se a decisão recorrida, por guardar sintonia com o posicionamento iterativo e atual desta C. Corte.” ( grifos nossos)
(TST- RR – 130400-51.2007.5.09.0012; 6ª Turma; Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga)
Enfim, com supedâneo na ciência médica, hodiernamente é consenso que o alcoolismo é uma patologia catalogada pela CID- Classificação Internacional de Doenças sob o aval da OMS- Organização Mundial da Saúde.
Diante dessa constatação, tanto a doutrina como a Jurisprudência têm evoluído no sentido de afastar qualquer “preconceito” ou “estigmatização” do ser humano acometido por tal patologia, recomendando o tratamento e não a sua punição.
É dever do Estado, diante da sua responsabilidade social determinada pela Constituição Federal de 1988, garantir a segurança e a reabilitação de dependentes químicos. No contexto da seguridade social, a atuação estatal deve se dar nos três prismas, conforme a necessidade: a) proteção previdenciária; b) proteção assistencial; c) proteção à saúde (a partir de cuidados médicos e terapêuticos).
É muito importante que a sociedade se sensibilize com este problema que, além de questão eminentemente de saúde pública, gera uma série de consequências sociais que afetam não só o ser humano em situação de marginalização social, mas a família e a sociedade como um todo.
A Defensoria Pública, o Ministério Público, os advogados privados devem atuar de forma “vigilante” na observância das leis e da Constituição no sentido de assegurar aos dependentes do álcool a plena possibilidade de tratamento e reintegração, bem como as condições necessárias para manutenção da sua dignidade.
O IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais estará, outrossim, atento para qualquer lesão ou ameaça de lesão aos Direitos Sociais relacionados ao tema em discussão.
Nosso canal de comunicação do IPEDIS está à disposição da sociedade para eventuais dúvidas, sugestões e ou notícias acerca de fatos que demandem representação junto aos órgãos Estatais ou outro tipo de ação em prol dos Direitos Sociais.
Fernanda Carvalho Campos e Macedo.Advogada, Sócia Fundadora do Escritório Carvalho Campos & Macedo Sociedade de advogados; Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus; Pós Graduada em Direito Previdenciário- RGPS pela Universidade Cândido Mendes; Graduanda em Contabilidade pela PUC-MG; Palestrante e Conferencista; Presidente do IEPEDIS- Instituto de Estudos, Pesquisa e Defesa de Direitos Sociais; Foi Vice Presidente da Comissão de Direitos Sociais da OAB- Juiz de Fora (Gestão 2014/2017); Foi Coordenadora Regional do IEPREV- Instituto de Estudos Previdenciários ( Gestão 2016/2018) na Zona da Mata Mineira;; Foi Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB- Juiz de Fora (2016/2017). Coautora do Livro: ônus da Prova no Processo Judicial Previdenciário; Editora Juruá/2018.
Não são poucos os casos de denúncias do Ministério Público sobre contratações de escritórios de advocacia ou de Profissionais autônomos por Prefeituras e outros Entes Federativos que não atendem o critério da “notória especialização e singularidade dos serviços prestados” ditados pela Lei 8666/93 para que a contratação se enquadre na forma de” inexigibilidade de licitação”.
Em alguns casos, segundo o MP, a contratação desse tipo de serviços se dá exclusivamente por critérios políticos de “apadrinhamento”, ou seja, os governantes contratam os serviços como moeda de troca o eventual apoio dado em campanha ou mesmo pela amizade que detém com o respectivo profissional.
O Supremo Tribunal Federal começou, há alguns dias, o julgamento de Recursos Extraordinários acerca da “possibilidade de dispensa de licitação para contratação de serviços jurídicos por entes públicos”.
O tema foi aventado nos Recursos Extraordinários (RE) 656558, com repercussão geral reconhecida, e 610523. O relator dos processos, ministro Dias Toffoli, em seu voto entendeu que a contratação de serviços de advocacia por entes públicos sem licitação é até possível e constitucional, mas sobressaltou as devidas precauções que devem ser tomadas pelo ente contratante para que não fique caracterizada eventual conduta de improbidade administrativa.
O caso concreto que deu origem ao RE interposto teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra escritório de advocacia e a Prefeitura de Itatiba-SP, apontando ocorrência de improbidade administrativa em contratação de serviços jurídicos pelo município.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente sob o fundamento de não ter havido qualquer ilegalidade ou lesão ao erário público, entendimento que foi mantido pelo TJ-SP.
Ocorre que o STJ- Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao Recurso Especial apresentado pelo Ministério Público de São Paulo, concluindo que a improbidade administrativa independe de dolo ou culpa diante da responsabilidade objetiva do Estado ao se tratar de forma de contratação irregular, e determinou a aplicação de multa. Para questionar o acórdão do STJ, a sociedade de advogados interpôs o Recurso Extraordinário ao STF, tendo recebido o número 656558. Já o RE 610053, também em julgamento, foi interposto pelo Ministério Público de São Paulo para questionar o acórdão do TJ-SP.
Como o Recurso Extraordinário 656558 teve repercussão geral conhecida, a pacificação do tema de natureza constitucional deverá aguardar tal decisão.
No entanto, as conclusões maiores da Jurisprudência hoje fixadas e vigentes são aquelas oriundas do Superior Tribunal de Justiça que, como intérprete maior da Lei Federal definiu os critérios interpretativos da Lei 8.666/1993 (Lei que regula as licitações), observando que o serviço deve possuir natureza singular e ser prestado por profissional ou empresa de notória especialização, sob pena de caracterização de crime de improbidade administrativa.
É possível afirmar que a “singularidade e notória especialização” exigidos como critérios para dispensa de licitação na contratação daqueles serviços se pautem em questionamentos do tipo: a) Quantos profissionais incluem a banca de advogados? b) Esse número de profissionais é suficiente para atender a demanda jurídica do referido ente? c) O Currículo dos advogados pertencentes ao escritório/sociedade de advogados inclui cursos de especialização que atendam as demandas do ente público?; d) Por que aquele escritório ou Profissional se destaca dos demais do mercado para que fique atendido o critério da “singularidade”? (O escritório tem matriz física próxima da região do contratante ou fornece profissionais para atendimento presencial na cidade; os advogados do quadro possuem especializações em diversas áreas o que atenderia melhor os interesses do Ente em demandas diversas; o escritório possui parcerias e convênios com instituições que aproximem o ente público das questões jurídicas que lhes são afetas ; etc).
Observando o voto do Ministro Dias Toffoli do STF, acreditamos que o desfecho vai se dar em forma mais flexível do que aquela fixada pelo STJ.
Para a caracterização da improbidade administrativa, será necessário que a contratação tenha se dado por dolo ou culpa ( negligência , imprudência ou imperícia) do contratante.
Nesse caso, a observância dos critérios da “singularidade” e da “notória especialização” certamente serão cobrados do administrador público que efetua esse tipo de contrato. Se aquele não tiver como apresentar os argumentos que justificaram tal contratação sem a devida licitação, certamente estará sujeito à imputação penal correspondente.
Entendemos que as exigências são coerentes com os primados da transparência, moralidade e eficiência do serviço público. Para que um Ente Federativo esteja bem assessorado juridicamente não é suficiente que o seu contratado seja de sua confiança. É necessário que seus serviços sejam especializados e que haja singularidade suficiente para dispensa da exigência de licitação.
O Dr. Victor Roberto Corrêa de Souza, Conselheiro Científico do IPEDIS- Instituto de Pesquisa, Estudos e Defesa de Direitos Sociais, nos brinda, em primeira mão, com um profícuo ensaio sobre a Reforma da Previdência. Ficamos imensamente felizes em compartilhar um texto que leva a uma reflexão essencial sobre o que nos espera se não formos à luta contra esta Proposta de Reforma da Previdência. Aproveitem a Leitura.